52,6% dos consumidores de games no Brasil são mulheres, e mesmo assim elas são assediadas e ameaçadas frequentemente

De acordo com os dados da Pesquisa Games Brasil, as mulheres já representam mais da metade dos jogadores brasileiros. Porém, até o universo geek precisa desconstruir seus preconceitos. Um estudo realizado em 2014 pela Universidade Estadual de Ohio comprovou que 100% das garotas gamers americanas já foram assediadas.

Algumas delas até foram protagonistas de casos famosos como o “Gamer Gate”, no qual um grupo de feministas pedia mais igualdade e ética dos sites especializados. Entretanto, em poucos meses o movimento repercutiu de tal maneira que três mulheres membros da campanha tiveram que deixar suas casas devido às ameaças de morte e divulgação de dados pessoais na internet.

Com o intuito de estimular o debate sobre o assunto, o NGP convidou algumas gamers brasileiras para contarem suas histórias. O resultado você confere a seguir:

Carolina Costa – Apresentadora do Daily Fix no IGN Brasil

“Eu fui sentir preconceito quando de fato comecei a trabalhar com isso, quando o hobby passou a ser profissão. Comecei a escrever sobre games no início da faculdade de jornalismo, e era comum que algumas pessoas questionassem meu conhecimento sobre o assunto, pelo simples fato de ser escrito por uma mulher interessada na área. O machismo costuma se mostrar de forma camuflada, também. Quando um cara diz que joga, a afirmação é suficiente por si só. Quando uma mulher diz que joga, é comum que ela seja bombardeada de perguntas, a afirmação precisa ser provada de algum modo.

Quando comecei a apresentar o Daily Fix do IGN Brasil, em junho deste ano, a recepção do público foi bem positiva. Mas, por se tratar de vídeo, há uma questão mais forte ligada à imagem – coisa que não acontece em texto. O julgamento é ainda maior. Recebi alguns poucos comentários dizendo que era impossível mulher entender sobre games, que provavelmente eu estava lá falando coisas que não conhecia.

É bem desgastante ler esse tipo de coisa que desvaloriza totalmente seu trabalho. Aos poucos, aprendi a criar filtros, a distinguir o que é crítica construtiva de ofensa gratuita. A principal luta diária contra qualquer tipo de preconceito é não deixar que comentários ofensivos desmotivem. Os mesmos caras que xingam por trás de uma conta anônima na internet estão jogando games também desenvolvidos por mulheres. E muitas vezes nem sabem disso. Nós, mulheres, não vamos deixar de fazer o que gostamos por conta do incômodo alheio”.

Monique Alves – Criadora do fã site Resident Evil Database

“Jogo videogame desde que me conheço por gente. Minhas primeiras memórias com videogame são de um antigo Atari que o meu irmão mais velho tinha. Infelizmente, eu não escapo das atitudes de machismo que dominam este meio, mesmo hoje em 2016, e já passei por situações bastante constrangedoras e ofensivas.

Já perdi a conta de quantas vezes fui testada ao dizer que jogo videogames e homens ficavam me fazendo perguntas para que eu provasse o quanto conhecia sobre o assunto.

Não bastasse este tipo de situação, muitos gamers homens me questionam como eu posso gostar de jogos de terror se sou ‘uma moça tão delicada’. Porque na cabeça de muitos deles, existem jogos de homens e de mulheres, e é claro que os de mulher são os mais fofinhos, os mais fáceis, como Mario ou Sonic, jogos casuais no estilo Candy Crush e os games da Barbie.

Agora, a pior das situações pela qual eu passo sem dúvidas é da sexualização e objetificação da mulher gamer. Infelizmente, não inclui só o fato de personagens mulheres serem sempre tão sexualizadas, mas até as revistas alimentam este tipo de comportamento. A “mulher gamer” se divide em dois tipos: “jogadora casual” gostosa que joga só de calcinha e sensualiza enquanto joga, ou ela só joga videogames e “manja do assunto” porque é feia (isto quando também não tem a sua sexualidade atacada, como se fosse da conta de alguém).

Costumo fazer gameplays na internet sem usar câmera por falta de recursos para capturar o jogo e minha imagem, mas quase diariamente alguém entra no chat dos meus streamings e, ao perceber que é uma garota, pedem WhatsApp ou perguntam se tenho namorado. Este tipo de assédio é bastante desagradável e se você não dá atenção ou responde de uma forma negativa o autor dos comentários, eles se ofendem de tal maneira que podem te xingar de coisas horríveis, como se a mulher fosse obrigada a aceitar aquele tipo de ‘comunicação’.

Há quem diga que o machismo nos games vem diminuindo, e que muitas pessoas estão se conscientizando, mas eu acredito que ainda há um longo caminho a ser percorrido”.

Jessica Pinheiro – Redatora, colunista e podcaster do NGP

“Eu já fui vítima de machismo incontáveis vezes. Nesse meio de jornalismo voltado para os games e cultura nerd/geek, é extremamente difícil uma mulher não passar por uma situação onde é contestada, questionada ou oprimida de alguma forma.

Um dos casos mais comuns que eu e várias conhecidas com certeza já passaram é quando somos questionadas se realmente conhecemos o que estamos consumindo. Precisamos saber até mesmo o nome da mãe do criador do game, do quadrinho, do mangá ou seja lá o que for.

Em situações em que questionamos o status quo de uma indústria e tentamos expor nossas críticas e opiniões, como por exemplo, demonstrando aversão à objetificação e sexualização de personagens femininas na mídia (Laura e Quiet, um beijo!); logo sofremos mansplanning [quando o homem interrompe a mulher ou utiliza os mesmos argumentos pra se sobressair] e às vezes até gaslighting [distorção dos fatos pelo homem, fazendo a mulher se sentir mal através de discursos emotivos], e somos oprimidas por que obviamente falta empatia nas pessoas pela causa feminista, não só na vida real, como também na mídia, seja esta qual for.

Eu já sofri tudo isso aí que citei e muito mais. Inclusive, já fui perseguida por conta da exposição de ideias contrárias à massa heteronormativa”.

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