Faz um tempo que me aventuro em tentar fazer um jogo de JRPG com minhas ideias originais e gosto questionável. Por isso, desde 2006 estou a par do universo da engine RPG Maker, criada pela Enterbrain e talvez conhecida por algumas pessoas pelas versões de console. O trabalho mais criativo, porém, vem das versões PC, nas quais se pode incrementar qualquer coisa dadas as condições de edições infinitas dadas aos usuários pela ferramenta.

É triste reconhecer que bons projetos autorais no RPG Maker são poucos, visto que criar um jogo desse tipo é, muitas vezes, mais trabalhoso do que escrever uma saga épica de livros. Além de criar todo o roteiro e diálogos, o desenvolvedor precisa pensar em sistemas de combate, gráficos, temas musicais, efeitos sonoros, a matemática do level up, os pontos de salvar, lógica dos puzzles, arquitetura dos cenários, cidades, seus interiores e infinitos fatores que precisam de uma imagem e programação. Ufa!

Mas eles aparecem de vez em quando. Usando a versão mais recente do RPG Maker, temos a brasileira Moonana, criadora de Virgo vs the Zodiac, JRPG com sistema de batalhas em turnos, mas com um sistema inovador de combate usando resfriamento de habilidades (cooldown) e sistema de posturas (Stance System), que somados à dinâmica elemental baseada em características de personalidade, cria um jogo difícil e divertido de se jogar. 

A história se passa no intergalático mundo das constelações, onde os Zodíacos, representantes dos 12 signos, governam em seus domínios sobre um povo que, no passado, havia vivido a Era de Ouro. O período de prosperidade acabou com a desunião dos governantes de cada reino, por conta de interesses particulares. É aí que Virgo, junto do fiel escudeiro Ginger, um biscoito em forma de rena, partem para derrotar os representantes zodiacais e trazer de volta a pretensa paz para o universo. Claro que a inocência e pureza da determinada protagonista irá traí-la…

O primeiro impacto do jogador é o visual, que não remete imediatamente para nenhum outro jogo famoso. Gráficos minimalistas, sem contornos, mesclando artwork vetorizada com Pixel Art, cores frias e chapadas em cenários bem compostos e não muito grandes, ideais para quem gosta de explorações mais ágeis. Os efeitos sonoros são muito legais, as animações fluentes e o design dos personagens é carismático e interessante. Nessa demo, só exploramos os domínios de Capricórnio, então, falaremos especificamente sobre ele.

O jogador começa com Virgo invadindo os domínios de Capricorn, a Lady Samurai, e nenhum guarda vem recebê-la. Percebemos que ali está acontecendo uma revolução trabalhista contra o “Capritalismo” e é dentro desse tumulto que a personagem avançará para, junto de Ginger, conseguir os mapas das estruturas de cada reino zodiacal, além de derrubar o líder.

Nesse ponto, vemos fatores pouco vistos em JRPGs, mas que aparecem em outros tipos de jogos, e, principalmente, as referências que a criadora usou neste título. Trata-se de um game em que o jogador não forma equipe, e sim, segue sozinho, não importando o número de inimigos. O título é linear, você não anda por um mundo aberto e segue a narrativa que vai se desenrolando, não existem batalhas aleatórias ou necessidade de farming, confrontando inimigos diversas vezes para subir de nível ou conquistar itens como dinheiro. Aqui, você enfrenta todos os oponentes que te notam e depois o “líder do ginásio”, no melhor estilo Pokémon.

Apesar das referências e bom humor, a cereja do cupcake está no sistema de combate, onde os itens são limitados e os equipamentos mudam o destino de Virgo, pois os atributos de personalidade não só elevam certos status, como também abrem mecanismos. Um simples laço de cabelo pode determinar sua vitória se ele permite recuperar energia vital ao defender um ataque ou contra-atacar com uma magia que causa queimadura. Cada arma tem um sistema de ataque, no caso da demo, a lança tradicional e uma faca curta, que requerem a precisão do jogador para causar mais dano ou nenhum, se o jogador não apertar a tecla Z a tempo.

Falando só do sistema de combate, temos quatro opções possíveis que irão determinar a derrota ou vitória raspando. Começando pelo primeiro, Weapon é o ataque normal, de acordo com a arma equipada, o que, neste caso, implica em saber como ela funciona, se possui sistema de timing, barra de força ou simplesmente nada. Como não são imbuídas de poder, é um ataque físico garantido. Purge abre o menu de magias possíveis de cada elemento e usá-las gasta seu MP, que só pode ser recuperado defendendo os ataques, usando o comando Shield.

A opção também dá um contra-ataque imediato e, dependendo do equipamento, recupera também energia e/ou dá dano mágico no adversário. Bag é a mochila onde itens-chave e de recuperação ficam alocados, com baixo poder de estoque.

O jogo tem seus pormenores, como as animações de magia simples e as músicas, que, apesar de ótimas, são muito repetitivas. É possível salvar o jogo a qualquer hora, reduzindo a tensão de estar longe do point de save e em situação precária.

Como dito antes, Virgo Vs The Zodiac é difícil e cada inimigo requer uma estratégia específica, mesmo quando eles vêm mesclados. Saber lidar com a mudança de postura dos adversários vai requerer muita atenção do jogador, assim como dominar a arma, sistema de escudo e magia e a ordem elemental. Isso, junto com a equipagem inteligente e os puzzles para serem resolvidos separa os casuais dos determinados. 

Como Virgo Vs The Zodiac ainda está em processo de financiamento coletivo, ainda dá tempo de experimentar a demo se quiser jogar e depois contribuir. A versão tem por volta de meia-hora de duração, mesmo no modo mais difícil. O projeto tem previsão para ser concluído em novembro de 2018, com lançamento para PC, Mac e Linux em versões também traduzidas para português brasileiro (e chinês!).

Além disso, falamos com a desenvolvedora sobre todo esse processo de desenvolvimento, em em uma entrevista que você confere abaixo:

 

New Game Plus: Quantos anos levou para tornar Virgo Vs The Zodiac real, desde o primeiro comichão criativo até hoje, com mais de 100% de sucesso na campanha de crowdfunding ainda em aberto?

Moonana: Eu estive querendo fazer um jogo baseado nos signos do Zodíaco faz um tempo, por ser um assunto que me interessa muito e que eu tenho mais conhecimento sobre, tornando mais fácil montar os personagens e o mundo. A primeira vez que pensei no game foi no ano passado, eu acho, lá por outubro ou novembro, e postei uma screenshot em janeiro, no Tumblr. Quando comecei o desenvolvimento, tive um grande retorno, então achei que seria uma boa ideia prosseguir para um possível crowdfunding. Desde então, trabalhei na produção de janeiro até maio, quando lancei a demo, e foquei no financiamento coletivo até seu lançamento, em agosto. Continuo trabalhando no jogo paralelamente com a campanha.

NGP: Como usuário de RPG Maker desde 2006, nunca consegui terminar um projeto. Agora, estou achando mais fácil usar a versão atual, RPG Maker MV, a mesma usada para Virgo Vs The Zodiac. Você já havia começado outro game antes ou esta é sua primeira tentativa?

M: Este é meu “quarto” jogo no RPG Maker MV. Entre aspas, pois fiz um para testar a engine logo que comecei, em uma semana. Depois, durante o desenvolvimento de Virgo Vs The Zodiac, fiz outro em dois dias, e antes do desenvolvimento, estava trabalhando em mais um jogo também. Fora isso, trabalhei com Renpy (engine dos clássicos simuladores de encontros), lançando uma visual novel, na qual só fiz a história e diálogos, para a game jam Nanoreno.

NGP: Você criou praticamente tudo no projeto, só tendo apoio sobre a parte musical e ajuda na programação, não é? Você prefere trabalhar sozinha ou tentou montar um time?

M: Eu tive ajuda com a trilha sonora – Elektrobear, o músico de Momodora, fez parte da soundtrack, e Semiprocastinator fez as músicas de ambiência. Tive também algumas sugestões de game design e ajuda com animações e processos do RPG Maker do Anglerman. Ele também ajudou com revisão de texto, ideias de algumas mecânicas e playtesting. Fora isso, fiz todas as artes, animações, programação, interface, história e diálogos.

Eu prefiro trabalhar sozinha, sim, isso me dá mais liberdade porque trabalho no projeto diariamente, sempre que tenho tempo, e normalmente as pessoas não conseguem manter o ritmo tão diligentemente. Também é difícil conseguir ajuda se não há retorno financeiro imediato. O crowdfunding veio para pagar todos os envolvidos e comprar equipamentos.

Acho que se uma pessoa gasta o tempo dela no seu projeto, ela tem que ser remunerada, e se o trabalho é de qualidade, deve ser bem paga! Pretendo me unir a mais pessoas no futuro, talvez mais um programador!

NGP: Você esperava que seria requisitada para fazer uma versão em chinês do jogo? Como você lida com esse sucesso meteórico do projeto?

M: Eu fui contatada inicialmente para a tradução em chinês e achei que seria uma boa oportunidade pra expandir o projeto, nada melhor do que jogar um game na sua língua nativa, certo? Depois disso, postei sobre “traduções feitas por fãs” no Tumblr e tive mais ofertas. Até agora temos projetos em grego, francês e espanhol, além do chinês. Uma amiga que trabalha com traduções e é formada em Letras pela USP fará a tradução para o português também (não tenho tempo pra trabalhar em nada além do jogo agora, então não posso fazer a tradução eu mesma).

Acho que foi muito incrível ver como o projeto teve esse sucesso imediato, muitas pessoas se sentiram próximas, principalmente da história, por ter signos e essa ligação imediata aos players.  Foi maravilhoso e me ajudou muito a prosseguir nos momentos difíceis!

NGP: Existem planos para um outro jogo usando este universo zodiacal totalmente original que você criou?

M: Penso nisso sempre e quero usar esse universo em outros jogos sim! Vivo imaginando como seria um jogo de luta de Virgo, seria muito divertido de fazer! Tenho outro projeto que será iniciado quando eu finalizar este que usará do mesmo universo, mas com uma estética diferente, meio PC-Engine, retrofuturista e scifi com fantasia. Espero poder explorar mais e manter a temática “espiritual”, como o Tarot. Acho que encaixa muito.

NGP: Virgo é cheio de referências a outros jogos, mangá e até política. Como você escreveu o roteiro sozinha, podemos dizer que estamos entrando um pouco (bastante) na mente da criadora?

M: Sim, definitivamente! Eu joguei muitos jogos durante o desenvolvimento e continuo fazendo isso diariamente, além de ver filmes e séries também, então tudo meio que se mescla em um caleidoscópio de inspirações. Também sou fascinada por astronomia e astrologia, o que ajuda na hora de fazer as referências a planetas, constelações e etc. Cada personagem tem um pouco de mim também! Acho que muita gente deve se identificar com os Salarygoats, por exemplo, completamente viciados em trabalho!

NGP: Para encerrar, qual você acha que foi o fator principal que fez de Virgo Vs The Zodiac um destaque diante de tantos projetos de RPG Maker e jogos Indie?

M: Acredito que a possibilidade de criação de jogos inteiros no RPG Maker sem programação permita que vários tipos de pessoas criem games rapidamente, o que permite o surgimento de ideias novas que não seguem um padrão comum. Então, a criatividade de projetos desse tipo M é imensa, comparada a outras engines.

O que eu mais sinto de diferente em Virgo é o combate e as questões estatísticas de sistemas e afins. Normalmente, pelo que visualizo, as pessoas utilizam o RPG Maker ou para contar histórias e criar atmosferas ou para recriar jogos antigos que têm um grande peso emocional nos desenvolvedores.

Não tentando generalizar, mas é só o que se dá para ver imediatamente. Nesse aspecto, Virgo tem um diferencial imediato por conta das minhas influências: sou apaixonada por SRPGs em geral, Shin Megami Tensei e Dark Souls; isso obviamente traz uma imensidão de referências para um JRPG baseado em turnos tradicional, em questões numéricas e de mecânicas. Eu acredito que aproximar o gameplay da história e lore (conjunto de informações a respeito de determinado universo) é essencial, então criar um sistema que permite e recompensa o perfeccionismo é perfeito para uma protagonista virginiana, considerando o arquétipo.

Em questão de cenário, esse geralmente é um ponto difícil do desenvolvimento. Ao poder trazer para o jogo algo pré-definido e estabelecido por milhares de anos como a astrologia e mitologias associadas aos planetas e signos, tenho muito material para trabalhar. Um dos motivos por trás dos primeiros conceitos do jogo foi “por que nunca fizeram um jogo de astrologia? Já tem todas as personalidades dos Bosses pré-definidas!”

NGP: Muito obrigado por essa entrevista, estou ansioso para chegar novembro de 2018 e poder usar os itens que ganhei vencendo Capricorn. Parabéns pelo trabalho!

M: Obrigada pela entrevista e espero aparecer por aqui novamente no futuro!

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