Inside

por Durval Ramos

O silêncio que tem muito a nos dizer

Assim que terminei Inside, fiquei paralisado em frente à TV como poucas vezes me vi diante de um jogo. Enquanto os créditos finais subiam pela tela, eu encarava a tela em uma tentativa de processar e digerir tudo o que eu acabara de ver. Embora odeie a expressão, ele foi definitivamente um jogo que fez com que minha cabeça explodisse — ou, melhor dizendo, a quebrou em muitos pedaços.

E a razão para isso é simples. Mais do que apenas trazer uma história instigante ou uma ambientação pesada e envolvente, o novo título da Playdead é um jogo que o provoca a todo o instante. Assim como já havia feito em Limbo, o pequeno estúdio abre mão das palavras na hora de contar sua história e deixa essa lacuna para que nós a preenchamos com nossa imaginação e suposições. Longe de ser um recurso preguiçoso, trata-se de um método cuidadosamente trabalhado que nos conduz por uma narrativa densa e repleta de muitas interpretações.

Inside

A Playdead é uma das poucas que sabe trabalhar com o silêncio, pois consegue fazer com a jogabilidade seja refinada o bastante para apresentar toda a narrativa.

É exatamente por isso que se torna tão complicado explicar do Inside se trata. Poderíamos dizer que é apenas um jogo de plataforma, um sucessor espiritual de Limbo ou a história de um garoto que corre de algo — ou em direção a ele. Porém, nada disso seria o suficiente para resumir sua essência. Porque ele é tudo isso — e um pouco mais.

Talvez a melhor maneira seria dizer que Inside é um enorme quebra-cabeça mudo em que você precisa dar sentido a cada uma das peças. A Playdead é um dos poucos estúdios que sabe trabalhar com o silêncio e usa isso a seu favor para oferecer um milhão de significados escondidos naquilo que não é dito. E, ao se livrar das amarras da palavra, ele nos permite vislumbrar uma imagem que nos atinge em vários níveis. São camadas e camadas de leitura, da crítica à metalinguagem, que conquistam o jogador e o capturam em sua narrativa.

E é realmente difícil não ficar paralisado diante de tudo isso. É claro que o final quase surrealista ajuda nesse sentido, mas há um impacto muito grande assim que você percebe o que aconteceu e o modo como tudo isso é construído e apresentado. O cuidado da produtora com o acabamento como um todo é assustador e explica bem por que ela levou seis anos para lançar um novo jogo. Ainda que Inside siga a mesma estrutura e mecânicas de seu antecessor, ele representa uma evolução tão grande que o longo período de produção logo se torna justificável – e você logo percebe por que ele se aproxima tanto da perfeição.

Polindo uma joia

Embora pareça estranho dizer, um dos maiores acertos do jogo é o fato de ele ser curto. Na verdade, ele tem o tamanho que deveria ter para contar sua história do jeito que ela precisa ser apresentada. Algumas poucas horas são mais do que o suficiente para você chegar aos créditos finais — e isso está muito longe de ser um problema.

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A curta duração de Inside não é um problema. na verdade, ela faz parte da experiência proposta.

Por mais que muita gente torça o nariz para essa brevidade da história, ela é necessária para incentivar o jogar a revisitá-la mais vezes. Inside não é um jogo em que é possível captar todos os textos em um único contato, o que torna necessário esse retorno para buscar respostas e encontrar novas interpretações e significados para o que é mostrado. Ainda que o conteúdo encontrado seja o mesmo, as leituras são diferentes. Como reler um livro, você passa a perceber e a captar elementos que passaram despercebidos das vezes anteriores. Assim, a duração se torna parte da experiência.

Além disso, há todo o aspecto técnico da coisa.  Ao empacotar todos esses elementos em uma trama de apenas algumas horas, a Playdead foi capaz de dar a devida atenção a cada elemento para que ele pudesse brilhar no seu devido momento — como um ourives que se dedica por horas e horas sobre uma única joia, trabalhando incansavelmente para que aquele pequeno ponto se torne único diante dos demais. Não há gorduras ou exageros.

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Todas as peças de Inside se encaixam tão bem que você apenas se deixa levar. É um game em que você reage porque sente a necessidade. É instintivo.

É algo raro em um tempo em que os games se preocupam muito mais com a parte comercial do que com a artística. E se ele fosse um pouco maior, dificilmente conseguiria alcançar o mesmo nível de excelência e muita coisa passaria despercebido por nós.

Trata-se de uma experiência estética única, por mais exagerado que isso soe. Tudo se encaixa tão bem, do visual à mecânica e a trilha sonora, existe um refino quase perfeccionista que está ali para dar voz à narrativa. Com seu jeito mudo, a história é contada a partir das situações que nos dizem tudo somente a partir desses elementos de jogabilidade, sem depender de uma única palavra. Tudo coexiste de maneira precisa para despertar a sensação necessária e no momento e intensidade certa.

Isso fica claro quando você simplesmente não percebe que isso tudo em ação. Em inglês, o termo seamless traduz exatamente essa ideia de algo que é formado de várias peças, mas sem que você seja capaz de identificar quando um acaba e o outro começa. Tudo flui de modo tão orgânico e natural que você só nota o efeito daquilo quando procura pensar nele. Até então, você simplesmente sente — e alcançar esse nível é algo muito difícil.

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Por isso, a trilha sonora pode passar despercebida em muitos momentos, assim como o level design ou as mecânicas oferecidas. Mas não porque eles são genéricos ou insossas, mas porque tudo funciona de uma maneira tão perfeita que você não percebe que elas estão ali. Você corre porque sente que tem que correr e se desespera porque sente que a situação exige isso.

É essa ambientação o grande charme de Inside. Ele possui uma estética tão sombria quanto a de Limbo, ainda que com passagens muito mais vivas. Por outro lado, o contexto no qual está inserido é ainda mais pesado, principalmente quando você passa a entender o que está acontecendo ao fundo, quem são os homens que tentam capturá-lo e o que se tornou a sociedade como um todo. É um mundo bastante pessimista, por mais que você jamais consiga vê-lo como um todo.

E vai ser na combinação de tudo isso que a narrativa acaba se desenvolvendo e se realizando. Sem querer entrar nos spoilers, o grande debate levantado por Inside — ou pelo menos um deles — é sobre controle. Só que você nunca sabe exatamente quem está controlando o quê, sobretudo pelo fato de você estar inserido dentro desse contexto. Como dito, há elementos de metalinguagem presentes para dizer que, no fim das contas, essa jogabilidade perfeita acabam controlando o jogador tanto quanto acreditar estar controlando o personagem. E tudo é apresentado com uma precisão e delicadeza que chega a ser poético.

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Silêncio dos inocentes

No entanto, é ingênuo acreditar que um jogo como Inside é feito para todo mundo. É claro que o cuidado da Playdead em criar uma jogabilidade consistente e com puzzles inteligentes ajuda a tornar o game mais palatável para o grande público, mas são realmente poucos que vão mergulhar nesse mundo sombrio em busca de significado e criar suas próprias interpretações.

Para quem espera e deseja uma aventura tradicional, as muitas interrogações deixadas pela trama podem incomodar, mas dificilmente farão com que o título seja tachado como ruim. Ele ainda é perfeito na parte mais superficial e, nesses casos é isso que importa.

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Porém, quem ousar ir além e se aprofundar nas várias camadas desta aventura silenciosa vai se deparar com um tesouro em forma de jogo. Por que, no fim das contas, o mais importante não é desvendar o sentido escondido da trama, mas perceber como o jogo nos contou tudo isso. É no momento que você percebe o preciosismo da jogabilidade e como ela consegue substituir qualquer palavra que a fica cai de verdade: no fim, você nunca controlou nada — você foi controlado. E é aí que você fica paralisado em frente à TV.

O game foi testado no Xbox One.