Em fevereiro, foi ao ar, nos Estados Unidos, o episódio “Intimidation Game”, de Law & Order: SVU. O capítulo cheirou mal, na verdade, desde que foi anunciado, pois levaria o Gamergate e a discussão sobre feminismo nos games para o horário nobre da televisão americana. Em fevereiro, o episódio foi exibido e, realmente, é bem fedido. Por isso, mudo um pouco a abordagem de minha coluna, aqui, para fazer uma “desrecomendação”.

No capítulo, seguimos os últimos dias antes do lançamento de Amazonian Warriors, um game de estratégia no qual o jogador pode construir uma civilização e, como diz o trailer exibido no capítulo, “fazer a coisa certa” ou então deixar a humanidade seguir o curso que conhecemos. O título é colocado como contraponto aos games de tiro, taxados como uma diversão descerebrada e violenta.

A questão até tem sua validade, a vemos o tempo todo nos sites especializados, com jornalistas contando até mesmo com um pequeno ego inflado querendo determinar exatamente o que vale como game e o que nada mais é do que uma tentativa pífia de ganhar dinheiro. Acontece muito, mas não é esse o ponto do capítulo, mas sim, transformar o Gamergate em um jogo de heróis e bandidos. E é aqui que está a maior falha da série.

O resultado é, de início, constrangedor. Jogadores hardcore são colocados como pessoas simplesmente incompreensíveis, que falam em jargões e siglas que precisam ser explicadas o tempo todo para os policiais “normais” de Law & Order, que sempre olham com estranheza. O destacamento de realidade dos gamers é tamanho que até mesmo dois dos detetives ignoram um pedido de socorro pois, ao mesmo tempo, está rolando uma final de um torneio de um game de tiro.

Depois, o enredo se transforma em uma perseguição sem graça nem motivação, na qual membros de um grupo radical – mostrados como terroristas e utilizando até mesmo métodos parecidos, como máscaras, calabouços e vídeos gravados com ameaças – sequestram a criadora de Amazonian Warriors – não coincidentemente parecida com Anita Sarkeesian. E é aí que eles passam, como também falam os policiais, a viverem dentro do game, sem considerarem as consequências reais do que estavam fazendo.

Não ajuda o fato de os bandidos não terem motivação alguma, além de um ódio puro e simples. Nem as frases de efeito lançadas aqui e ali, como acontece quando se leva temas aparentemente complicados demais ou de pouca importância para um público maior. E muito menos o fato de simplesmente não existir nenhum tipo de discussão sobre o que está por trás de tudo aquilo. Até mesmo um estupro é minimizado, já que o ponto aqui é pegar os bandidos, que estão claramente vivendo em outra realidade.

E é aí que está o maior defeito. Na tentativa de levar uma discussão de um nicho um tanto quanto específico para um público em geral, e em uma das séries mais tradicionais da TV americana, os produtores de Law & Order acabam caindo em um segmento maniqueísta e completamente absurdo. Toda a discussão sobre feminismo, o Gamergate e os “cavaleiros da justiça social”, tão bem expostas pela Jessica aqui mesmo no NGP, acabam ficando de lado e o tema serve para nada mais do que uma correria louca atrás de criminosos.

Law & Order, Gamergate e um desserviço para todos os envolvidos

No final das contas, “Intimidation Game” não ajuda ninguém. Não se fala em feminismo, e as discussões sobre gênero acabam em “esses caras não querem ver mulheres desenvolvendo jogos”. Os gamers, não importa qual sua postura sobre o assunto, não se sentirão representados nem pensarão de forma diferente. O público em geral continuará vendo toda a questão como algo pequeno, de pouca importância e até mesmo ridículo.

A impressão que fica é que os produtores viram na história toda apenas mais uma desculpa para criar uma perseguição fajuta e até mesmo mostrar as influências danosas que os games podem ter sobre os jovens. Um passo à frente e dois para trás, e mais um posicionamento tacanho de uma indústria que parece cada vez mais presa ao passado na mesma medida em que perde influência e, acima de tudo, audiência, justamente por isso.

Sobre esse assunto, vale a pena conferir o meu texto recente sobre a participação de Marcelo Rezende nos comerciais brasileiros de Battlefield Hardline. A pequena esperança que surgiu ali, porém, foi completamente avassalada por esse capítulo de Law & Order.

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