Zombi

por Fernando Scaff Moura

Londres, zumbis e sobrevivência

Zombi é a versão de ZombiU para PC, PS4 e XONE. Lançado originalmente em 2012, chega agora para as novas plataformas, ainda bem! Esse jogo, de fato, não combina nem um pouco com o console da Nintendo (onde o perfil dos jogos começa em Mario e companhia), Zombi merece ser conhecido pelos amantes do gênero de zumbis e jogos de sobrevivência em plataformas mais abrangentes.

Tenho que começar falando que a Ubisoft sabe criar ambientes, cara, que Londres é essa! Se acontecer um apocalipse zumbi, a capital inglesa ficará exatamente desse jeito. Dá para sentir o gosto da podridão naquela fog londrina, aquele clima de bairro antigo que já parecia ruínas, estando de verdade. Até o sotaque do narrador torna o jogo elegante e mais denso.

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Zombi junta tudo o que a grande maioria dos jogos, filmes e literatura de zumbis criou e transforma em um síntese fantástica. Não quero falar em “jogo definitivo” por que essa palavra é petulante e, como sabemos, nada que envolva zumbis será definitivo algum dia. Contudo, o título tem de tudo – as marcações de lugares são feitas com pichações, os atalhos criados por outros sobreviventes desconhecidos como buracos nas paredes, lugares seguros que, de fato, parecem ser seguros, todo o mundo em ruínas esta sendo construído e você está sobrevivendo nele.

A Ubisoft não fez um jogo para crianças. Não é mais um do mesmo. Você não está jogando mais um game qualquer, você está jogando Zombi, e as coisas funcionam diferente por aqui.

Somado a esse cenário simplesmente ideal para um jogo de terror e suspense, eles conseguiram criar aquele clima de sobrevivência que não vimos desde Resident Evil, o primeiro, de 1996. Tudo é escasso e pode ser adaptado, achar comida e curativos é tão importante quanto munições. Você não pode salvar o jogo sempre e a única forma de fazer isso é voltando para casa e dormindo.

Voltar para casa. Que conceito bem aplicado nesse jogo. Zombi tem uma atmosfera de tensão, e dentro dela, você deve ir ao mercado pegar suprimentos, encontrar antigos abrigos de outros sobreviventes para saquear (que não estão mais lá, o que é tenso, com aquele clima de silencio para você mesmo entender o que está acontecendo). O jogo em português usa esse termo, saquear, que é bem pesado se for pensar que você está mexendo em pertences de gente morta. Sair de casa para fazer essas missões envolve abrir duas ou três portas, e você decide se irá deixá-las abertas ou não.

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A primeira arma que o jogador encontra é um bastão de críquete, óbvio que seria, que deve ser usado para matar zumbis. É aí que vem uma das grandes coisas – existe a pira de acertar na cabeça para matar de primeira. Se você conseguir fazer isso, voa sangue para todo lado, o bastão e a mão ficam sujos de sangue e o seu personagem solta um gemido de lamento e nojo. Se você errar, terá que acertar o oponente mais duas ou três vezes para deitar ele e ainda dar um golpe final para finalizar o bicho no chão. Massacre gore puro!

Digno dos filmes mais nojentões, contudo, (se me permite ser game designer blasé, agora), essa quantidade de golpes faz parte de um balanceamento brilhante. Se você errar a cabeça de um, sendo que está enfrentando dois zumbis, você se fodeu muito, pois apenas eles já se tornam um problemão. Assim, você se força a aprender a matar os caras com uma porrada só e correr. Com essa sensação de dificuldade de sobreviver e sair para o mundo, voltar pra casa acaba sendo tudo que você quer, tanto para não perder seu progresso, quanto para se sentir relaxado mesmo.
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E então vem a cena de salvamento que se repete sempre que você apertar para dormir. O filho da puta que pensou nessa cena sabe partir o coração de alguém. Soube criar o clima. O personagem deita, de roupa e tudo, com a mochilinha nas costas, se encolhe, e a câmera vai afastando, a musica meio triste, e mostra a grade por cima da cama, como se fosse uma prisão. Poeticamente lindo. E na sequência vem a cena dele acordando, todo animado, já meio pulando da cama como se fosse um lindo domingo de sol. Só que não.

Todo o jogo é construído em cima de um clima bem definido: te fazer sentir medo, solidão e confusão. Sobreviver é importante, mas o como é que é o problema.

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Existe um cara que fala com você o tempo todo com um sotaque londrino, entende tudo que está acontecendo e já tem tudo preparado. O seu abrigo não é um gueto. Tem computadores, câmeras de segurança, cama, uma bancada para melhorar as armas, gerador de energia, enfim, tudo. É esse narrador que fala para você sair e fazer coisas. A ideia básica é um ajudar o outro. Você sai para o mundo na busca por suprimentos e, quem sabe, achar sobreviventes, enquanto vai conectando as câmeras da cidade no servidor do cara.

Zombi junta tudo o que a grande maioria dos jogos, filmes e literatura de zumbis criou e transforma em um síntese fantástica.

Essa é outra mecânica brilhante, pois gera o minimapa que você usa para explorar o mundo. Ou seja, ajudar o cara faz você se ajudar também. Sem os minimapas, o jogo fica muito, mas muito difícil. E sempre que você entra em uma área nova, não existem esses tão amados mapinhas, o que deixa você mais tenso e louco para achar as caixas de energia e resolver esse problema logo.

A armadilha da armadilha

Quando sentei para jogar, pensei: “lá vou eu fazer review de mais um jogo de zumbi. Será que ele vai cair para o lado do Left 4 Dead ou Resident Evil?” Acabei encontrando um game que não consigo comparar com nada e, ao mesmo tempo, tem de tudo.

Me deixe fazer entender. Existe uma gramática dos jogos e quem está acostumado acaba vendo certas coisas e já entendendo o que tem para fazer. Assim, comecei a jogar e, em um momento, saindo do abrigo, encontrei uma metralhadora giratória apontada para um saguão da estação de metrô um andar a baixo. Batata, vai ter uma onda enorme de zumbis que irei matar usando essa arma. Claro que eu nem tive que descobrir a arma, ela brilhava, como todo item coletável ou usável dentro do jogo. Fui até ela e ali estava, uma visão perfeita da porta e do saguão vazio, chacina pura. No melhor estilo L4D. Porém, só tinha um zumbi lá embaixo, andando que nem um burro, da mesma forma que tantos outros que já vimos por aí. Mirei nele. Juro que até pensei “é só um, por que eu não desço lá e acabo com a raça dele?”

Todo o jogo é construído em cima de um clima bem definido: te fazer sentir medo, solidão e confusão. Sobreviver é importante, mas o como é que é o problema.

Logo na sequência, ri que nem um sabichão – “é isso que você quer que eu faça, né jogo? Descer lá e, com isso, você vai jogar um enxame de zumbis em cima de mim e me matar”. Fiz o que um veterano de L4D faria, usei a metralhadora para matar aquele filho da puta já esperando a centena de zumbis vir pela porta. O zumbi morreu, claro, mas não veio a horda que eu esperava.

Ao contrário, um dos corpos pelos quais eu havia passado deve ter acordado enquanto eu esperava, por que ele começou a me atacar pelas costas. Sai da arma, saquei a pistola que eu tinha pego e atirei algumas vezes. O que fez outros acordarem.

Entendi. Eu cai na armadilha da armadilha. O jogo sabia o que eu ia pensar, me passou a perna e me deu uma aula. Parece que ele jogou na minha cara a frase que abre o jogo: “Quanto tempo você sobreviverá?”. Matei os zumbis com muito custo com meu bom bastão de críquete. Nunca mais saquei a pistola, nunca mais passei por um corpo no chão sem arrancar a cabeça dele fora. O jogo me ensinou uma lição valorosa. Você não está jogando mais um game qualquer, você está jogando Zombi, e as coisas funcionam diferente por aqui.

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A Ubisoft não fez um jogo para crianças. Não é mais um do mesmo. Nada de matar tudo por que desestressa, explodir por que é bonito. É outra coisa, é um mundo complexo e delicado. Ele não explica tudo, ele não mastiga e cospe na nossa boca. No começo do título, você fica indo e voltando muitas vezes, e isso te faz ver certos símbolos pichados em portas e caminhos. Nada faz o game parar e aponta com o dedo “Ei, esta vendo isso? Sempre que ver isso significa…” Não, não mesmo, mas quando você ver o simbolo em outro lugar, você já entende o que tem perto, e o que deve fazer. Isso é incrível. A imersão foi causada, você já esta dentro do mundo.

E o jogo tem só dois botões! Bom, deixe-me explicar melhor. No teclado, temos o WASD + Mouse, que é muito amor para jogos FPS, mas no controle, são 2 botões de ação, A e B. O primeiro é o que faz tudo, enquanto os gatilhos atacam, empurram e tal. No teclado, achei mais complexo, mas para qualquer um acostumado com jogos em primeira pessoa se dará muito bem. Cito isso para dizer que, como tem muita coisa para fazer, eles deixaram a jogabilidade bem simples. Afinal existem muitas mecânicas, como crafting de armas e itens, o que é sempre maneiro demais. Gerenciamento de mochila, ou seja, você não pode carregar tudo que você quiser, e não pode trazer tudo que encontra por ai, um dos grandes pontos da sua sobrevivência é esse tipo de escolha, algo muito tenso e impactante no jogo.

O Save Game é na sua base, outra coisa tensa pacas, às vezes dá vontade de voltar pra casa antes de terminar a missão, guardar as coisas, salvar e depois continuar. Porém, você pode encontrar zumbis na volta e salvar significa dormir. Nesse tempo, novos inimigos aparecerão no cenário. Ou seja, o tempo todo, as mecânicas do jogo te fazem ter que fazer escolhas difíceis. Todo o tema é explorar e sobreviver em uma Londres assustadoramente linda.

Quando você morre, vira zumbi. Você se torna outro sobrevivente e sua missão agora é pegar os pertences do antigo dono. Existe dois modos de jogo, a campanha, e o sobreviva, além do multiplayer online, onde você pode ser um sobrevivente ou um zumbi, ou um humano que acabou de se transformar. Simplesmente genial.

Antes de fechar, queria falar da mochila. Uma que você usa o tempo todo no jogo. Eu sei que não tem nada a ver, mas ela me lembrou a mochila de Chopper, do “One Piece”. Não quero dar spoilers, mas acho que é um detalhe que pode passar despercebido. Preste atenção no archievement que você ganha quando a pega.

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Enfim, se você gosta de jogos bons, jogue Zombi, da Ubisoft, o de 2015, não o jogo de 1986 para o Amiga, que não joguei e só descobri existir quando fui pesquisar imagens. Acho que darei uma olhada só pela curiosidade. Meio idiota uma empresa dar o mesmo nome de um jogo para outro… Acho que ZombiU era meio que uma piadinha com o sotaque britânico e o Wii U, como a piada não ia fazer sentido no PC eles tiraram o U… sei lá… um jogo de zumbi com nome Zombi, se ninguem tinha pensado nisso antes, a Ubisoft pensou… duas vezes.

Queria ter feito parte dessa reunião de escolha do nome pra versão PC, deve ter sido engraçada… Enfim, estou divagando.

O game foi analisado no PC, em cópia cedida pela Ubisoft.