Mighty No 9

Mighty No. 9

por Felipe Demartini

Um game que só faz aumentar a saudade

O caminho seguido por Mighty No. 9 é de sucesso. Trata-se de uma união entre a fome e a vontade de comer, com Keiji Inafune, produtor conceituado de jogos como Dead Rising e citado como o criador do Mega Man, um dos maiores personagens da Capcom, voltando ao terreno que o consagrou. E, para isso, contando com o gigantesco suporte dos fãs, que tornaram o título uma das maiores arrecadações do Kickstarter, ainda dando seus primeiros passos como um acessório importante para que desenvolvedores independentes alcancem seus sonhos.

Sonho, aliás, pode ser uma palavra usada aqui, afinal de contas, tudo era bom demais. Teríamos novamente um game aos moldes do velho robozinho azul, pelas mãos de seu criador, mesmo que sem o auxílio da Capcom, que renega o personagem a um limbo inexplicável. O financiamento deu certo, o game estava mais do que confirmado e estávamos diante do mais próximo que jamais chegaríamos de um retorno.

E aí todos fomos acordados, um despertar sofrido que, infelizmente, aconteceu pelas mãos do próprio Inafune. É como em uma velha tirinha, onde a vida te dá um cookie. Você fica feliz, mas logo na sequência, ela o acerta com um chute na canela e ainda pede o biscoito de volta. A realidade é dura, mas também serve para abrir nossos olhos.

Cookie

Um problema maior do que o próprio game

O maior problema de Mighty No. 9 é sua falta de tempero. É também esse o fator que dificulta bastante a redação de análises desse tipo – trata-se de um jogo sem problemas gigantescos, mas também sem grandes qualidades. A experiência é insossa e pouco marcante, muitas vezes se assemelhando mais a um jogo feito por um fã bem intencionado do que com uma proposta legítima, feita por um bom estúdio e com intuito comercial.

Mighty No 9

Seria um título de mediano para baixo, totalmente esquecível, não fosse o contexto em que ele está inserido. E é aí que se encontra a maior falha de seu desenvolvimento, uma vez que a principal arma de Inafune para difundir seu projeto foi, justamente, seu potencial. Foi nele que mais de 67 mil pessoas apostaram, levantando mais de US$ 3,8 milhões apenas na campanha principal, sem contar as adicionais, que rolaram depois.

O sonho de qualquer desenvolvedor independente, que já partiria com dinheiro no bolso e aclamado pelo público. O resultado, entretanto, é bem similar ao que vemos muitas vezes no mundo indie, mas naqueles jogos desenvolvidos por alguém sozinho, sem muita habilidade, durante o tempo livre. Do tipo que se joga na internet, de graça, ou que se paga barato, e não algo sustentado por um gigantesco orçamento.

Forçando os limites da sucessão espiritual

Mighty No 9

Mantendo também o espírito de muitas produtoras indies, que forçam as barreiras da inspiração e das referências para, muitas vezes, quase atingirem o estágio de clonagem, Mighty No. 9 aparece quase como uma cópia de Mega Man. Os conceitos dos games originais são evoluídos muito pouco, enquanto outros elementos clássicos, como a seleção de estágios e rivais, aparecem de forma menos interessantes do que no original.

Mighty No. 9 não é o jogo pelo qual os milhares de financiadores pagaram. Também não é o sucessor espiritual que o nosso querido robozinho azul merecia.

A fórmula é basicamente a mesma. Diversos robôs ficaram loucos e estão espalhados pelo mapa, cada um em um local, causando o caos e tentando destruir o mundo. Cabe a Beck, o tal “poderoso número 9” do título, resgatar a “sanidade” dos outros oito, ou, então, destrui-los, na ordem escolhida pelo jogador.

Como em Mega Man, existe uma sequência mais assertiva na qual o poder do anterior ajuda no combate contra o seguinte, em um sistema de habilidades encadeado. Entretanto, aqui há pouco espaço para a imaginação e experimentação, uma vez que, tirando algumas exceções, a ordem é exatamente aquela na qual o game apresenta as fases.

O caminho entre os estágios acontece por meio de animações dignas do finado PlayStation, mas não no bom sentido. Durante os diálogos – pois me recuso a chamá-los de cutscenes -, os personagens mal se mexem, nem mesmo a boca, realizando apenas aquele movimento estranho que indica que estão vivos e respirando. O mesmo vale para todas as imagens exibidas nas cenas, sempre estáticas e, no máximo, com a aplicação de efeitos ou mudanças nas cores.

O conjunto gráfico também não ajuda. Muitas vezes, Beck e os outros personagens aparecem na tela como se tivessem sido colocados lá por alguém com péssimas habilidades de Photoshop, parecendo recortados e, muitas vezes, imunes à iluminação do ambiente. Parece difícil entender que o recorte mal feito é uma opção de estilo, portanto, vamos apostar em falta de cuidado aqui. O resultado feioso, afinal de contas, combina com os elementos repetidos espalhados pelos cenários, os desenhos sem unidade visual, mesmo dentro de um mesmo cenário, e as tão comentadas explosões, que parecem criadas em aplicativos de celular.

Se estivesse rodando no PlayStation 2, Mighty No. 9 soaria como uma atualização visual competente, que utiliza o poder dos gráficos tridimensionais para criar situações interessantes em uma perspectiva 2D. Mas, aqui, estamos falando, no mínimo, do PlayStation 3 e Xbox 360. A feiura geral é um tanto inexplicável, assim como os problemas de performance, com alguns travamentos e quedas na taxa de quadros mesmo na atual geração.

Iniciativas pouco aproveitadas

Mighty No 9

Apesar da cara de clone e de se comportar como tal, Mighty No. 9 traz algumas ideias interessantes para inovar a proposta, além de não ceder à lógica do mercado atual, em que os jogos costumam ser mais fáceis do que deveriam. É claro, você sempre pode ampliar bastante o total de vidas disponíveis pelo menu de opções, mas ainda assim, estará diante de um game bem desafiador.

O maior problema de Mighty No. 9 é sua falta de tempero – trata-se de um jogo sem defeitos gigantescos, mas também sem grandes qualidades.

Em alguns de seus bons momentos, também, o título traz novidades legais à fórmula. A primeira adição, por exemplo, é sentida quando se absorve o poder de um dos Mighty para serem utilizados contra o oponente seguinte. Aqui, isso se traduz não apenas em um tipo de disparo diferenciado, mas no efetivo auxílio do companheiro durante o percurso, tornando as coisas ainda mais fáceis.

O exemplo mais claro disso acontece logo no começo. Ao derrotar Pyro e absorver seu poder de fogo, o novo companheiro não apenas ensina que seu elemento pode derreter blocos na fase seguinte, como também auxilia Beck ao acabar com as escorregadias superfícies de gelo, facilitando em alguns dos momentos espinhosos do estágio. As aparições do amigo, entretanto, soam mais como participações especiais do que como um tipo eficaz de suporte.

Mighty No 9

Outra boa ideia é a fase estrelada por Countershade, uma das últimas a serem enfrentadas na sequência ideal. Ela perverte a lógica dos jogos de plataforma 2D, na qual sempre se anda da esquerda para direita, ao fazer o jogador ir e voltar pelo cenário, guiando-se pela mira e disparos de um robô sniper louco para acertar Beck.

Apesar da cara de clone e de se comportar como tal, Mighty No. 9 traz algumas ideias interessantes para inovar a proposta

Todos os trechos citados aqui são extremamente bem realizados e mostram que, entre os desenvolvedores contratados por Inafune, tem muita gente com qualidade. É triste, então, ver que algumas boas ideias não apenas foram levadas às últimas consequências, como acabaram afogadas em todo sem graça e problemático.

O dash pouco preciso e o sistema de power ups esquisito são exemplos corriqueiros a serem enfrentados, além das regras que mudam de repente. Às vezes é possível se pendurar em blocos, depois não mais; alguns ataques causam pouco dano, depois, se tornam fatais com um único golpe.

Mesmo com seu desafio alto, para um jogador de habilidade, Mighty No. 9 pode ser completado em algumas horas. A duração é precisa para um jogo desse tipo, não deixando nem o jogador querendo mais nem entediado, louco para ver o final – este, por sinal, é tão decepcionante quanto todo o título, com um combate pouco instigante. Isso, claro, se o usuário aguentar chegar até lá e não desistir antes diante do pouco incentivo para se continuar com o controle na mão.

Mighty No 9

O título termina como uma proposta que será lembrada de forma negativa, mas não pelos problemas próprios, com bons momentos balanceando os ruins para criar uma experiência mediana. O novo game de Keiji Inafune acabará se tornando referência na forma como usuários e criadores utilizam campanhas de financiamento coletivo, esvaziando os serviços desse tipo como um celeiro de talentos e financiamento, pois agora, existe a possibilidade de contribuir e acabar sendo enganado.

Mighty No. 9 não é o jogo pelo qual os milhares de financiadores pagaram. Também não é o sucessor espiritual que o nosso querido robozinho azul merecia. As expectativas que rodearam Inafune durante a campanha de financiamento do jogo continuam aí, e ao contrário do que se esperava, o novo título do produtor semeou ainda mais o terreno para uma volta triunfal de Mega Man, em vez de torná-lo obsoleto.

O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Deep Silver.