Need for Speed Payback

Need for Speed Payback

por Felipe Demartini

Nem o Lata Velha salvaria

Existe uma lenda que fala sobre carros tunados, com neon na parte de baixo, capô de fibra de carbono, motores possantes e nitros explosivos. Elas corriam em provas ilegais pelas ruas noturnas da cidade, ao som de músicas tão instigantes quanto seus próprios visuais. É um conto antigo, que fazia a alegria dos anciões. Tudo isso, porém, se perdeu no tempo.

Quem observa o estado atual da série Need for Speed, mal consegue fazer uma ligação com esse áureo passado – e olha que só passou uma década. O mundo, hoje, com consoles de última geração e “PCs da NASA” capazes de rodar absolutamente qualquer coisa, parece ser dos simuladores. Enquanto isso, a franquia da EA amarga cada vez mais a obscuridade.

Se o que chama a atenção hoje são os carros esporte, cheios de adicionais, som no porta-malas e com aquele delicioso ronco no motor, a franquia Need for Speed poderia muito bem ser um veículo popular – branco, sem ar condicionado e com o interior todo de plástico. Payback comprova isso, ainda deixando a lataria bem suja de poeira e terra.

A diferença entre gostar ou não do título vai da forma como você encara um game de corrida em si. Se o seu negócio é apenas acelerar por aí, este é um título que faz a lição de casa, mas apenas isso. O game é competente na proposta de colocar o jogador no interior dos carros e permitir que eles andem livremente pelo mundo em provas de diferentes modalidades.

O reboot de Need for Speed foi até simpático, mas Payback dá continuidade à saga de maneira tão insossa que não dá nem vontade de esperar com vontade pelo próximo.

Vale a pena citar a variação aqui, com veículos off-road, voltados para ambientes de terra, carros de arrancada com aceleração alta, mas baixa dirigibilidade, e os mais pesados bólidos voltados para fugir da polícia. São elementos que trazem variação à jogatina, com diferenças bem perceptíveis entre si, que obrigam o jogador a trabalhar os mais diferentes aspectos da pilotagem em vez de se focar em somente um e seguir como ele até o fim.

Os cenários também trazem variações semi interessantes, entre cidades mais movimentadas, grandes canions com estradas sinuosas e vias expressas com muitas faixas e possibilidades de atingir velocidades altas. O mapa é bastante povoado, com lojas por todo o lado e objetivos especiais. A navegação, entretanto, pode ficar confusa quando muitas provas já completadas não desaparecem, poluindo a interface na medida em que se avança.

Need for Speed Payback

Todos, entretanto, são aspectos que já vimos por aí em outros títulos da franquia. A jogabilidade é boa, como já é tradição da franquia, assim como os visuais, principalmente no reflexo da luz sobre a lataria ou a sujeira que se acumula sobre os carros. Um modo de criação abre as portas da imaginação, bem como dá acesso a uma galera com todo tipo de trabalho feito pela comunidade, todos baixáveis e utilizáveis no game.

Um trabalho bem feito, e nada mais do que isso, como se espera de um capítulo de Need for Speed. Todos os problemas de Payback, então, existem quando ele tenta ir além disso…

Péssimas referências

Semanas antes de toda a polêmica com Star Wars Battlefront II, o game de corrida já Electronic Arts já chegava usando e abusando das loot boxes. O progresso, aqui, também está atrelado às cartinhas aleatórias, recebidas ao final de cada prova bem-sucedida ao longo da campanha. É por meio delas que o jogador melhora o próprio carro e se prepara para as corridas mais acirradas.

Need for Speed Payback

Basear esse aspecto em aleatoriedade e sorte, entretanto, é uma forma horrível de se trabalhar com ele. Ao contrário de Star Wars Battlefront II, entretanto, Need for Speed Payback é mais veloz, como um bom game de corrida. Apesar de não saber o que receberá, o jogador sempre terá a noção de que ganhará algum item útil e, na maioria das vezes, melhor do que aqueles que já possui em seu próprio carro.

Payback não atinge o nível de ruindade de The Run, mas traz uma história clichê, com personagens genéricos e cenas completamente copiadas de outras obras.

Novas máquinas não são tão caras assim, mas normalmente vêm de fábrica com pouco do potencial que podem oferecer. Cartas abertas nas lojas de peças são mais caras, mas por outro lado, o ganho de dinheiro nas provas é bastante acelerado, bastando disputar duas ou três para já acumular o necessário para adquirir bons upgrades e encarar as provas mais complicadas.

Ainda assim, a vontade de seguir em frente diminui muito quando se nota que o carro que tão bem preparamos simplesmente não é capaz de vencer os oponentes em uma gangue – mesmo que, apenas na corrida anterior, eles tenham comido a poeira da mesma configuração. As cartas que aparecem nas lojas também são aleatórias e variam de acordo com o tempo e, muitas vezes, podem não corresponder ao que é necessário para vencer uma prova, requisito indispensável para que a seguinte seja liberada.

E se o sistema de upgrade não motiva o jogador a seguir adiante, a história ajuda menos ainda. Estamos no controle de Tyler Morgan, um protagonista que, nem de longe, transmite o mesmo carisma de ícones da velocidade como Dominic Toretto ou Crash Bandicoot. Após ser traído por Lina Navarro, ele se une novamente a seus velhos parceiros, Jessica Miller e Sean “Mac” McAllister, para se vingar não apenas da vilã, mas também do cartel A Casa, que corrompe o circuito ilegal de corridas de rua.

Vamos tentar ignorar o fato de que o protagonista está tentando trazer moral para corridas essencialmente ilegais e focar no fato de que todos os personagens, sejam eles principais ou secundários, são completamente desinteressantes. Nem mesmo alguns momentos divertidos de Mac afastam a sensação de que já vimos tudo aquilo antes, algo que é demonstrado por A mais B com diversas cenas chupadas diretamente da saga “Velozes e Furiosos”.

Da última vez que a Electronic Arts tentou criar um Need for Speed com história, tivemos o péssimo The Run, lançado em 2011. O resultado que chegou pelas mãos da Ghost Games não é tão ruim quanto, mas ainda assim, passa muito abaixo daquilo que era esperado dela e, acima de tudo, do que a atual geração de plataformas tem para oferecer.

Os fãs parecem saber muito bem o que querem e fazem questão de indicar a direção correta para a EA, que por algum motivo, insiste em não seguir por esse caminho. Enquanto isso, segue com uma curva decrescente em termos de qualidade. O reboot, lançado em 2015, foi até simpático, porém, Payback dá continuidade à saga de maneira tão insossa que não dá nem vontade de esperar com vontade pelo próximo Need for Speed.

O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia física cedida pela Warner Bros. Games.