Need for Speed

por Felipe Demartini

De carteira nova e com muito a progredir

A ideia de um reboot de um game de corrida, que nunca teve uma trama de verdade nem qualquer tipo de sequência lógica de acontecimentos, pode parecer esquisita. E realmente é. Mas foi exatamente isso que a Electronic Arts fez, ao lado da desenvolvedora Ghost Games, ao lançar Need for Speed, sem subtítulos, pela primeira vez desde sua estreia, há mais de duas décadas.

Mas se na lataria a ideia é começar com tudo novo, debaixo do capô encontramos as boas e velhas peças do passado. Nesse reinício, a ideia foi pegar tudo aquilo que fez da franquia um sucesso, conquistando uma base de milhões de fãs, e trazer para uma nova geração, de uma só vez.

Need for Speed chega como um carro zero quilômetro do ano, sim, mas também como uma nova iteração em uma linha de veículos já antiga e tradicional. O grande problema do jogo, entretanto, é que é muito difícil se desvencilhar do passado recente, e como em qualquer sequência de carros, o modelo mais recente ainda carrega os vícios de seus antecessores.

O essencial ficou faltando

O principal problema do título não é exatamente palpável. O novo Need for Speed traz aquele tipo de característica que é difícil de ser colocada em palavras e definida de maneira precisa. Falar em um jogo sem alma pode ser um pouco pesado demais, mas a verdade é que ele não empolga, e na maioria das vezes, é difícil achar motivos para se manter dirigindo por mais do que poucas horas.

A começar pela trilha. Todo mundo se lembra de “Riders on the Storm”, uma inusitada “colaboração” entre Snopp Dogg e The Doors, ou então dos momentos iniciais de “Get Low”, do sempre nojento Lil Jon. Desde sempre, as trilhas sonoras de Need for Speed foram cheias de temas interessantes, passando por Muse, Jamiroquai, The Roots e tantos outros grandes nomes.

A seleção deste título, entretanto, não carrega nenhuma faixa tão icônica quanto, e muitas vezes, se assemelha mais a uma trilha de elevador, daquelas que não têm nenhum tipo de papel ativo no que está acontecendo na tela. Dá para abstrair dela facilmente, ou então ligar seu serviço de streaming favorito, e criar você mesmo uma trilha melhor para o game.

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Nos joysticks, temos um conjunto de controles eficaz, que faz muito bem o feijão com arroz dos games de corrida e apresenta uma boa resposta. Em Need for Speed, entretanto, a Ghost Games comete um erro grave e simplesmente deixa de fora o suporte a volantes. Isso mesmo, temos aqui um jogo de corrida que não funciona com os volantes e pedais disponíveis no mercado.

Em nossos testes, somente foi possível conectar um Thrustmaster T80 ao PlayStation 4 utilizando uma gambiarra do próprio acessório, que por meio da compatibilidade com o PS3, também permite ser ligado em um modo de emulação de controle. Isso permitiu que o volante e seus pedais fossem usados, claro, mas a precisão foi para o espaço e a experiência ficou longe de ser agradável.

É claro, estamos falando de um game com uma pegada arcade, e sendo assim, longe da fidelidade de nomes como Gran Turismo ou Project Cars, por exemplo. Entretanto, mesmo assim, Need for Speed ainda é um game de corrida e, como tal, exige um mínimo de precisão. No joystick, tudo funciona. Mas a ausência de suporte a volante é imperdoável.

Muito o que fazer, pouca recompensa

Need for Speed

Por outro lado, Need for Speed não tem um braço completamente duro, e o escopo do mundo do game é gigantesco. Há muito o que fazer e as corridas de tipos variados se espalham pelos quatro cantos do mapa. Todas podem ser refeitas ao bel prazer do usuário, queira ele melhorar um tempo ou acumular mais dinheiro naquelas provas que valem mais.

Need for Speed é melhor do que o lançamento anterior, o insosso Rivals, mas por outro lado, ainda tem muito o que evoluir e diversos pedidos para atender.

E acredite, a grana será bastante necessária. Em um aceno aos velhos e ótimos tempos da subsérie Underground, Need for Speed apresenta uma gigantesca gama de itens de personalização e performance para serem escolhidos. Muitos são liberados de acordo com o progresso nas ruas, e uma galeria online entrega designs criados pela própria comunidade para aqueles que não têm muita paciência.

Se engana, porém, quem espera um alto nível de customização. É claro, dá para pintar os veículos de qualquer cor e colocar toda gama de decalques, efeitos e modificações estéticas. Isso, entretanto, não faz diferença alguma ao longo do game e faz com que os esforços para lidar com a interface não muito amigável sejam mais para uma autossatisfação do que um trabalho efetivamente recompensado pelo título.

Os fanáticos por performance também não foram agraciados com alterações precisas nos carros. Mais uma vez, claro, estamos falando de um game do estilo arcade, mas que ao mesmo tempo, permite que o jogador faça ajustes um tanto quanto avançado em barras de direção, freios, diferenciais e tantos outros aspectos do veículo. Mas no fim da conta, porém, vale mesmo é fazer o carro andar mais rápido, e nada além disso.

Need for Speed

A quantidade e a variedade de carros é bastante satisfatória, com uma bela gama de marcas, modelos e atitudes. Há presentes para os fãs de muscle cars, veículos ultravelozes ou exibicionistas, e a curva de ganho financeiro é adequada, tornando o processo de aquisição nada torturante. Entretanto, essa mesma espiral não influencia o progresso e comprar uma nova máquina depende apenas da vontade do jogador em mudar, uma vez que dá para seguir perfeitamente do começo ao fim do jogo com aquelas que são entregues no começo, desde que as melhorias sejam feitas adequadamente.

Lataria cintilante

Em Need for Speed, entretanto, a Ghost Games comete um erro grave e simplesmente deixa de fora o suporte a volantes.

Mas tem um aspecto no qual Need for Speed acerta quase que completamente: o visual. A escolha de aproveitar o poder da atual geração de consoles para entregar algo novo é bastante adequada, e o que temos diante de nós é um mundo que se parece bastante com o real.

É claro, ao pararmos o carro e olharmos o cenário com atenção, dá para perceber que se trata de um game. Na comparação com as cenas gravadas com atores de verdade e veículos reais, também. Mas na velocidade das provas – e acredite, você estará se movendo bem rápido em algumas delas – a sensação é de estar realmente nas ruas movimentadas de uma cidade.

Need for Speed

Aqui, entra em ação também a principal característica de um dos aspectos mais criticados pelos fãs da franquia. Mesmo quando jogado sozinho, Need for Speed exige conexão online e você precisa estar sempre ligado à rede. Por outro lado, isso permitiu que a desenvolvedora criasse momentos impressionantes como os que, durante a própria corrida, nos vemos em meio à prova de um outro jogador, com seus próprios adversários. Ou, então, a 300 quilômetros por hora, mal temos tempo para reagir quanto outro competidor vem no sentido contrário e na mesma velocidade.

Isso cria a sensação de um mundo realmente vivo, e de todas as promessas feitas pela EA e pela Ghost Games antes do lançamento de Need for Speed, essa é uma das poucas que efetivamente se concretiza. É claro, ela também traz seus problemas, principalmente quanto à perda de progresso caso a conexão enfrente problemas, mas em nossos testes, isso aconteceu apenas esporadicamente.

Ao utilizar atores reais para criar as cutscenes do título, a Ghost Games também acena para o passado da franquia de corrida. Aqui, aparentemente, temos atuações propositalmente toscas e exageradas, e intérpretes que estão se divertindo bastante em seus papeis. Isso em nada contribui para a criação de uma trama interessante ou até mesmo relevante – isso não existe –, mas é capaz de trazer, pelo menos, um sorriso no rosto.

Entretanto, essa sensação se inverte completamente quando temos de volta um dos maiores terrores dos títulos com personagens que são “broders” do protagonista. Lembra das ligações telefônicas que tanto importunavam Niko Bellic em Grand Theft Auto IV? Elas também aparecem aqui, tirando a concentração do jogador durante as provas. Imagine estar a mais de 250 quilômetros por hora em uma serra sinuosa e ouvir o telefone tocando. Em Need for Speed, é exatamente assim.

A exigência de conexão constante tem seus problemas, mas também entrega novos desafios e um mundo realmente vivo.

Felizmente, atender às chamadas não é obrigatório e, se desejar, o jogador pode ouvir gravações das ligações em um momento mais tranquilo. O problema é que elas acontecem o tempo todo e, por mais que não interfiram no progresso em si, são um inconveniente que facilmente pode deixar os jogadores irritados.

Carteira provisória

Somados os pontos positivos e negativos, Need for Speed acaba saindo como um título mediano. O game é melhor do que o lançamento anterior, o insosso Rivals, mas por outro lado, ainda tem muito o que evoluir, diversos vícios para deixar de lado e, acima de tudo, uma enorme quantidade de pedidos para atender.

Need for Speed

Por meio de um suporte consistente pós-lançamento, tanto desenvolvedora quanto distribuidora parecem estar colhendo os frutos do feedback da comunidade, seja por meio de telemetria de jogo ou através de fóruns oficiais e postagens nas redes sociais. Se o novo Need for Speed representa um novo começo, é o futuro que parece promissor, nem tanto o presente.

O jogo foi analisado no PlayStation 4.