“Por que eu deveria fazer qualquer coisa a mais, quando todo mundo grita com você o tempo todo, dizendo o quão horrível você é como pessoa?”. Esta foi a declaração exata do cineasta George Lucas quando ele se aposentou da franquia Star Wars. Uma mensagem clara aos fãs de sua maior criação e um dos motivos que o fez optar pela decisão em questão.  E embora isto tenha acontecido na indústria dos longas-metragens, algo muito parecido vem ocorrendo ultimamente no cenário gamístico. Uma tendência que infelizmente tende a piorar cada vez mais.

De modo algum este é mais um artigo para debater o patamar de castidade que o jornalismo de videogames parece ser colocado e tampouco expor opiniões sobre a vida sexual de alguém. Por que afinal todas estas reações provem de ações, cuja iniciativa vem de ninguém menos do que os fãs. E são estes fãs, ditos jogadores, que cada vez mais contribuem para que a indústria de videogames perca o seu brilho, e desta forma, sucumba à escuridão… Seria poético assim se não fosse tão trágico.

Chamados de maneira pífia como “guerreiros da justiça social”, alguns fãs têm tomado atitudes drásticas para expressar seu desgosto, seja por uma atitude do desenvolvedor ou uma simples mudança nas mecânicas do jogo. Assédio moral, invasão de privacidade e ameaças de morte são apenas alguns dos exemplos do quão radical o cenário está. Todavia, muito antes de considerar a importância dos jogos que são desenvolvidos, é importante considerar as pessoas que estão por trás destes projetos. Antes de ser qualquer profissional da indústria que seja eles são seres humanos.

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Se ainda não está claro o objetivo pelo qual este artigo foi escrito, vamos então primeiramente analisar os seguintes acontecimentos:

1) Você se lembra da Anita Sarkeesian? A feminista que iniciou uma campanha para arrecadar fundos e assim, trabalhar em seu projeto para combater o sexismo no mundo dos games? O simples fato de esta mulher ter levantado sua bandeira e ter se imposto, primeiramente recolhendo ajuda financeira para então, mostrar o que está errado e as maneiras de consertar como são vistas as mulher nos videogames; arrebatou uma onda de ódio sem limites pela internet afora. Ela foi atacada com montagens abusivas, sua página na Wikipédia foi desfigurada, recebeu milhares de mensagens de baixo nível, e tudo isso muito antes de seu projeto sequer iniciar;

2) Depois, o design director do estúdio Treyarch, David Vonderhaar, anunciou em sua conta do twitter um patch de alteração em algumas armas do jogo “Call of Duty: Black Ops 2”. Em segundos o cara recebeu inúmeras respostas com violentas ameaças;

3) Em questão de dias, foi a vez de Phil Fish. A persona do desenvolvedor é difícil de cativar aos demais ao seu redor devido ao seu comportamento inconstante. E por conta de um desentendimento com o editor Marcus Beer, do GameTrailers, o indie-dev declarou o quanto odiava o negativismo e o criticismo que a indústria de games possui, ausentando-se por um longo período da rede social em questão, e posteriormente cancelando o desenvolvimento de Fez 2;

4) Adam Orth, um dos diretores criativos da Microsoft, provocou seus seguidores também no Twitter, comentando sobre a função “always-online” anunciada na revelação do Xbox One, e chegou a receber até ameaças de morte. O resultado foi uma desculpa oficial da Microsoft e Orth saindo da empresa cerca de uma semana depois;

5) A roteirista Jennifer Hapler, apesar de ter alegado que deixou a BioWare por motivos familiares, revelou que após o lançamento de Dragon Age 2 recebeu constantes ameaças de mortes direcionadas não só a ela, como também à sua família. Tudo começou apenas porque ela comentou em uma entrevista que as mecânicas de combate não lhe agradavam no primeiro game da série. Então, quando o sistema de batalha foi modificado na continuação, sua opinião se espalhou pela internet e… Resultou nisso aí. Hoje ela se empenha em escrever livros voltados à narrativa e o design em videogames, trabalhos freelancers e principalmente, cuidar para que seus filhos não se tornem estes chamados “guerreiros da justiça social”;

6) Nem mesmo a community manager de Mighty No. 9 se safou. A mulher que havia sido recém-contratada chama-se Dina Abou Karam e sofreu misoginia e assédio apenas porque fez uma fanart dela mesma vestida como o protagonista do jogo. As pessoas que apoiam e financiaram o projeto começaram a se preocupar até demais com o desenvolvimento do sucessor espiritual de Mega Man, e questionaram, acusaram e pediram a demissão da mediadora da comunidade;

7) O caso mais recente é o de Zoe Quinn. Tudo começou quando um ex-namorado da desenvolvedora do jogo “Depression Quest” criou um blog onde contou uma história sobre a dita cuja, em que ela o traiu com pessoas relacionadas à indústria de jogos e com diversos outros mais. Mesmo sem saber até que ponto tudo que foi exposto é verdade ou não, a difamação levou uma grande massa da internet a abraçar a causa contra a indie-dev, quase como um fenômeno.

Além de abrir a reflexão sobre até onde a vida pessoal de um desenvolvedor é notícia de videogames, foram levantadas questões sobre manipulação através de favores sexuais, misoginia e sexismo, e principalmente a integridade do jornalismo de videogames e uma brecha na ética que o envolve. Chegaram até a fazer um jogo sobre a desenvolvedora, disponível lá no New Grounds e que não é nada legal;

8) Foi então que o famigerado Phil Fish deu o ar de sua graça novamente, e em uma tentativa de desbravar toda a conspiração que envolve Zoe Quinn, e corajosamente defendendo-a, teve como resposta todas as suas contas e dados pessoais invadidos e vazados por hackers. Novamente, o desenvolvedor reagiu, e desta vez colocou à venda a propriedade intelectual de sua principal obra, Fez.

Imagem por Jules Sherred

Todos estes ataques são reações comportamentais com a finalidade de proteger os interesses dos fãs. Mas até que ponto será preciso desligar o bom senso na hora de se conectar à internet? É realmente necessário criar petições para modificar algo que não lhe agrada ou despedir alguém que fez uma declaração que do seu ponto de vista é ruim? É realmente necessário humilhar alguém pelas escolhas em sua vida pessoal? É realmente necessário ameaçar mortalmente um profissional que está apenas mediando a comunidade e/ou o baniu porque você fez algo que era provavelmente contra as regras?

Agindo de má fé e com a garantia de que o anonimato será o suficiente para escapar das conseqüências, a comunicação online torna o assédio e o abuso muito mais fáceis de acontecer. Desta forma, nem mesmo as grandes empresas, que possuem a condição de contratar profissionais de relações públicas, estão seguras. Quiçá os desenvolvedores indies.

Isto corrobora com a opinião de Carolina Carvalho (25), Psicóloga e Game Designer. Ela declara que: “Insatisfações com um produto sempre existirão. O problema é a proporção das reclamações, que com o auxílio da internet, se tornam mais altas e duradouras. A liberdade de expressão é um direito de todos, e esta é um vitória que foi conquistada com muito suor há muitos anos, e inclusive, até os dias de hoje. Contudo, o conforto de se fazer ouvido de maneira anônima, através de seu computador/tablet/celular faz com que os comentários tomem proporções muito maiores. É uma tendência muito forte no ser humano, até mesmo herdada de nossos ancestrais, de apontar aos defeitos dos outros, a fim de permitir a evolução da espécie.”

“Na psicologia evolucionista, isto é chamado de diferenciar o caronista do altruísta. O caronista seria aquele membro do grupo que de fato não contribui e ‘pega carona’ do altruísta. Ao denunciar o caronista, o grupo faria uma gestão melhor dos recursos como comida e divisão de tarefas dentro da comunidade”, explica.

Por fim, a psicóloga completa: “No mais, acredito que aqueles que chegam a fazer publicações no Twitter, fazendo spam com críticas focadas em desenvolvimento de games, ou que chegam até mesmo a ameaçar desenvolvedores por discordar de decisões de mudanças na gestão dos projetos, são pessoas no mínimo com certa dificuldade de se relacionar socialmente. São pessoas que acreditam serem muito inteligentes para isso, e deixam as ‘social skills’ em segundo plano. Entendo que para as empresas de games, que lidam basicamente com este público alvo, ajudaria direcionar estes casos para torná-los mais restritos ao público. Aonde há um ‘hater’, cabem pelo menos dois. Bater de frente com eles não irá ajudar em nada, uma vez que a internet é terra de ninguém”.

Em uma declaração sobre os casos de assédios mais recentes, Greg Tito, o editor-chefe do site Escapist chegou a comentar: “Ao contrário do que parece; assédio e abuso na internet é um assunto sério, e realmente machuca as pessoas. É importante vocês perceberem como participar da elaboração destas histórias contribui para atos prejudiciais. Por favor, respeitem todas as pessoas envolvidas.”

Uma declaração parecida foi concedida por Caio Vicentini (20), Estudante de Jogos Digitais: “Um problema que vem se agravando conforme as novas gerações de jogadores vão surgindo é a ideia de que eles possuem o poder, e às vezes até o dever, de intervir em questões onde eles não são chamados. O contato ininterrupto com o ambiente virtual faz com que ele se torne uma extensão de seu lar, onde ele se sente no direito de fazer o que bem entender, sem se importar com as conseqüências. Os chamados ‘Social Justice Warriors’, na maioria das vezes, são um resultado desse isolamento dentro do ambiente virtual, aliado à falta de contato com os valores e as normas sociais de convivência na vida real, resultando em um indivíduo que não tem as noções mais básicas do que se deve e não se deve fazer dentro de um círculo social”.

Sobre uma possível maneira de resolver essa questão, o rapaz ainda completa: “Não existe uma solução exata por parte do mercado de jogos para reverter esse cenário. Mais do que uma mudança de dentro da indústria de jogos, é necessária uma mudança de comportamento por parte daqueles que consomem os produtos. [É preciso] parar de enxergar os criadores de jogos como servos que devem obedecer à vontade daqueles que compram seus jogos, e vê-los como alguém que têm trabalhos e famílias como qualquer outra pessoa e que devem ser respeitadas como tal.”

Todos estes casos e declarações levam a uma só conclusão: quem sairá perdendo no final das contas provavelmente serão os próprios jogadores. Não há duvidas de que, quando algo não lhe agrada, deve ser sim questionado.  O problema é quando essas ações abusivas prejudicam o processo criativo do projeto, e principalmente, traumatizam quem está envolvido no desenvolvimento do jogo. Com atitudes radicais e desrespeitosas como estas, os talentos por trás dos jogos cada vez mais serão afugentados, pois certamente não irão querer serem alvos.

Se preocupar com estas questões [de assédio e abuso na internet] diz muito a respeito do quanto sabemos separar a arte do artista. Enquanto fanáticos, dificilmente enxergamos que, mesmo sem gostar do criador, ainda podemos apreciar suas obras e principalmente respeitá-los, e não afugentá-los para sempre da indústria, perdendo então a chance de vislumbrar suas criações. É uma questão de imersão pessoal (e principalmente bom senso) que é preciso tomar ciência e decidir ou não seguir. It’s up to you.

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