“A Capcom deveria arrumar aqui e ali”. “Só aceito esse game se tal coisa estiver assim”. “Eles deveriam relançar esse game para mais consoles, os pedidos dos fãs mostram que tem demanda e isso seria lucrativo”. Comentários ou variações desse tipo de texto se repetem por toda a internet, refletindo o desejo de muitos jogadores e fãs das mais diversas franquias.

Tais pedidos dificilmente são ouvidos. Não se trata das desenvolvedoras nos ignorando, e sim, do fato que o processo de aprovação, desenvolvimento e lançamento é muito mais complexo e envolve necessidades e objetivos muito maiores do que um pensamento do tipo “vamos agradar essa galera”.

Pensar dessa forma, para ser bem sincero, é bastante simplista e inocente. Para as empresas, jogos são produtos inseridos em um mercado. E como todo mercado, a intenção é lucro. Se você ainda acredita que títulos são feitos por amor à arte ou à franquia, pode esquecer. O que a desenvolvedora quer é que você compre cada vez mais games. O que você pensa dos jogos ou o que quer deles têm importância secundária.

As produções desta indústria precisam lucrar. E assim como o meu ou o seu emprego, o trabalho dos desenvolvedores envolvidos está atrelado às leis trabalhistas. Eles trabalham em escritórios, querem receber salários, horas extras, aumentos e bonificações. E é justamente aí que se encontra o grande nó que encarece cada vez mais os jogos e faz com que milhões de cópias vendidas sejam consideradas um resultado decepcionante.

Prestando contas à comunidade

Se mostrando um pouco irritado com os pedidos constantes e absurdos dos fãs, o antigo vice-presidente de planejamento estratégico da Capcom, Christian Svensson, tentou inserir um pouco de conhecimento na cabeça deles. O alvo principal são aqueles que acreditam que remasterizações ou relançamentos são trabalhos fáceis, que envolveriam algumas pessoas, e, principalmente, custariam pouco.

Mesmo projetos como Resident Evil Revival Selection, que pegou jogos da franquia já prontos apenas para trazê-los para o mundo da alta definição, levam pelo menos uma dezena de meses entre projetos, avaliações e desenvolvimento. E isso na melhor das hipóteses, quando se trata de um trabalho simples, objetivo e dinâmico.

Quanto custa um jogo?

DuckTales Remastered, por exemplo, começou a tramitar pelos escritórios da Capcom em 2011, de acordo com o diretor de comunidades da empresa, Brett Elston. São dois anos de trabalho antes mesmo do título ver a luz do dia. Ao todo, foram dois anos e meio de desenvolvimento para uma remasterização de game do NES, um trabalho que, para muitos, é “simples”.

E é justamente aqui que entra a aula de desenvolvimento e orçamento dada por Svensson nos fóruns oficiais da desenvolvedora. De acordo com ele, nenhum game para consoles ou portáteis custa menos do que US$ 1 milhão. Em empresas grandes, como é o caso aqui, os menos custosos jogos digitais custam, no mínimo, alguns milhões. É muita grana.

Para expor o quanto custa, de verdade, a produção de um game, Svensson usou como base uma pesquisa realizada pela organização da Game Developers Conference. Os dados exibem uma média de salários, custos e tributos, colhidos entre diversas empresas do ramo, desde as independentes até as grandes multinacionais e conglomerados.

Confira um resumo dos principais valores abaixo. Os dados sempre foram convertidos para dólares, mesmo no caso de desenvolvedoras japonesas ou europeias. É importante notar também que os custos variam de acordo com o território onde a companhia está localizada. A Capcom está baseada no estado americano da Califórnia, onde estão boa parte dos maiores salários do mercado de jogos eletrônicos.

600 pessoas e um ideal: Resident Evil 6

Vista do escritório da Capcom, em Osaka, durante o desenvolvimento de RE6.

Principais funcionários

  • Programadores: entre US$ 8 e US$ 9 mil por mês cada;
  • Artistas e animadores: cerca de US$ 6 mil por mês cada;
  • Designers de jogo: US$ 6 mil cada, aproximadamente, nas mais variadas funções;
  • Profissionais de áudio: US$ 6 mil, em funções como edição, mixagem e gravação;
  • Testadores, suporte técnico e pessoal de apoio: US$ 4 mil cada.

Os valores acima correspondem a profissionais de entrada, com três anos ou menos de mercado. No caso dos mais experientes, os montantes variam consideravelmente. Produtores também trazem grandes custos salariais já que, além do pagamento mensal (que pode variar de US$ 7 mil a centenas de milhares de dólares), os contratos também podem incluir participação nos lucros de vendagem ou porcentagens em acordos de licenciamento.

Após falar em valores genéricos, Svensson afirmou que o custo de um homem por mês, na Capcom, varia em torno de US$ 12 mil. Esta é a média salarial de todos os envolvidos na produção de um game pela empresa.

Outros custos

  • Gastos mensais com escritório: cerca de US$ 4 mil por funcionário (energia elétrica, internet, impostos trabalhistas, material para trabalho, viagens e outros. Os valores individuais correspondem a cerca de 40% do salário de cada empregado);
  • Softwares e estações de trabalho: US$ 10 mil (gasto exclusivo para programadores ou animadores);
  • Kits de desenvolvimento para consoles: entre US$ 10 mil e US$ 20 mil cada um. Equipamentos assim são essenciais para a criação de jogos e testes de funcionamento. Grandes empresas normalmente contam com diversas unidades.

Segundo Christian Svensson, os times menores de desenvolvimento, que trabalham em pequenos jogos para redes digitais, envolvem no mínimo 10 pessoas, trabalhando de 15 a 18 meses. Grandes blockbusters, como um Resident Evil ou Call of Duty, podem envolver até mil funcionários em um trabalho de anos e anos.

Lançamentos multiplataformas ou ports envolvem ainda mais pessoas e mais tempo de produção ou a contratação de empresas terceirizadas para este tipo de trabalho. E temos ainda as equipes envolvidas em esforços de marketing, ponto de venda e localização, como as recentes legendas em português e a produção de manuais e embalagens em diversos idiomas.

Na ponta do lápis

Imagens exibem o cenário de Ada em Resident Evil 6

Vamos para a ponta extrema do espectro. Quanto custou para a Capcom um game como Resident Evil 6, um dos principais lançamentos da história da empresa e o maior título já produzido por ela em termos de escala e ambição?

Sabemos que o desenvolvimento do sexto título numerado começou em 2009, pouco tempo após a chegada de Resident Evil 5 às lojas. 600 pessoas estiveram envolvidas em sua produção, incluindo pessoal terceirizado. Para excluir esse tipo de funcionário contratado externamente, vamos considerar que 450 deles estiveram envolvidos no game durante o período de três anos e com salários de US$ 12 mil por mês cada um.

Em números: 450 x 12 000 = US$ 5,4 milhões por mês. Com 36 meses em três anos, temos um custo total de US$ 194,4 milhões, contando apenas os principais envolvidos na produção. Os valores de contratos de terceirização e marketing, obviamente, não são revelados ao público, portanto, é impossível precisar de forma mais acertada quanto Resident Evil 6 custou.

5 milhões de decepcionantes vendas

Levando tais números em conta, é possível entender melhor por que as cerca de cinco milhões de cópias vendidas de RE6 foram consideradas uma decepção para a Capcom. Ainda não existe um padrão definido para a indústria de jogos, mas no cinema, um filme é considerado sucesso quando acumula três vezes o que custou nas bilheterias. Vamos adotar parâmetro semelhante aqui.

De volta às calculadoras. 5 milhões de cópias comercializadas a US$ 59,99 cada uma (preço padrão de um game nos Estados Unidos) = US$ 299,9 milhões. De acordo com nossas estimativas, que não levam em conta o pessoal terceirizado, Resident Evil 6 lucrou pouco mais do que a metade de seus custos de desenvolvimento. É pouco para um game dessa magnitude.

Resident Evil 6 ganha imagens oficiais

É claro, nossas contas não levam em consideração elementos secundários, como a grande quantidade de DLCs liberados para o game ou o licenciamento da marca do game para produtos como action figures, por exemplo. Tais fontes, porém, são adicionais e o grande fluxo de dinheiro que é levado em conta na hora de classificar um game como sucesso ou fracasso são as vendagens totais do título.

Os números da indústria dos games hoje são equivalentes aos da indústria de cinema, senão maiores. Enquanto a nossa estimativa de custos para Resident Evil 6 foi de US$ 194,4 milhões, Resident Evil 5: Retribuição custou US$ 65 milhões. “Os Vingadores”, um dos maiores filmes do ano passado, saiu por US$ 220 milhões.

Tal fenômeno também explica o sucesso dos jogos independentes e porque eles são muito mais lucrativos que os grandes blockbusters. Títulos como Fez ou Super Meat Boy, por exemplo, envolvem pouquíssimas pessoas em sua produção, muitas vezes trabalhando de casa e com salários quase inexistentes. 50 mil cópias vendidas, nesse caso, é um sucesso absoluto. Caso o mesmo acontecesse com Resident Evil 6, causaria o fechamento da franquia.

É claro, os números apresentados acima são o extremo do extremo. Resident Evil 6 foi escolhido por representar uma tendência comum da indústria atual de games, além de ainda ser um motivo de discussão entre os fãs. Além disso, é um dos poucos games da série cujas informações de desenvolvimento estão disponíveis, possibilitando que esse tipo de conta seja realizada.

Pense antes de falar

Os milagres de Resident Evil 2 para Nintendo 64

O que acontece quando você pega uma imagem em baixa resolução e, em qualquer programa de edição gráfica, edita para que ela fique com três vezes seu tamanho original? Faça a experiência agora mesmo e tenha uma foto feia, esticada e desproporcional nas mãos. O que, então, te faz pensar que seria fácil para a Capcom fazer com que os cenários pré-renderizados de Resident Evil 2 aparecessem em alta resolução na tela do seu PS3?

Esse processo, provavelmente, exigiria um redesenho de cenários e modelos de personagens, envolvendo diversos funcionários durante um determinado período de tempo. Será que tal trabalho vale a pena para relançar um game que teria apelo apenas aos fãs hardcore, comprovadamente uma pequena parcela do mundo gamer?

Que fique claro: a intenção desse artigo não é defender a Capcom ou justificar suas muitas decisões consideradas erradas. A ideia, aqui, é disseminar o conhecimento e mostrar que, em uma grande corporação, nada é fácil e simples como nas nossas cabeças.

Fontes

Este texto foi publicado originalmente no Resident Evil SAC. Aqui, ele aparece com algumas alterações.

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