Until Dawn

Until Dawn

por Felipe Demartini

Responsabilidade total

De todos os meios de entretenimento, os video games são os que mais possuem potencial para envolver o jogador de verdade. Cinema e literatura são meios passivos – por mais que a história seja fantástica, você está apenas observando de fora, sem qualquer tipo de interação possível com o que está acontecendo na tela, além daquilo que acontece dentro de sua própria cabeça. Nos jogos, é diferente, e para que a trama se desenvolva é preciso que você, o jogador, tenha uma certa habilidade e consiga superar os desafios.

Foi justamente por isso que, pouco a pouco, e com a chegada de gerações mais recentes, os games começaram a assumir um caráter mais cinemático. Afinal de contas, por que não entregar aqueles mesmos tipos de sensações que vimos nas telonas, só que deixar o desenrolar nas mãos do próprio jogador? Títulos como Uncharted, por exemplo, fizeram isso, enquanto a Quantic Dream foi além dando ainda mais caráter de filme aos jogos. E agora, Until Dawn leva isso às últimas consequências, e com um patamar de qualidade inesperadamente elevado.

O título, que deveria ter sido lançado para o PS3 e aproveitar as capacidades do Move, chega agora ao PS4 anos e diversas mudanças no desenvolvimento depois. Pelas mãos da Supermassive Games, entramos diretamente no centro de uma história cheia de ramificações, onde cada uma de nossas decisões pode significar a vida e a morte de alguém. É uma responsabilidade gigantesca, mesmo que virtual, e capaz de nos deixar tensos do começo ao final do game.

(Quase) tudo importa

Em Until Dawn, a desenvolvedora aplica um conceito de “efeito borboleta”, mas excluindo a ideia da viagem no tempo de Life is Strange, por exemplo, ou do filme de mesmo nome. Aqui, a noção de pequenas mudanças gerando grandes consequências é simplificada – mesmo uma pequena ação, como escolher um caminho em vez de outro, ou carregar ou não uma arma consigo, pode ter grandes implicações no futuro da história. Ou não, já que nem todas as escolhas geram consequências.

Tudo isso com uma pitada de caos, já que, muitas vezes, o jogador é incapaz de ter a menor ideia do que pode acontecer no futuro a partir daquela decisão. Algumas decisões são mais óbvias, como correr ou se esconder do assassino, por exemplo, enquanto outras são baseadas única e exclusivamente na intuição. Ou não, já que em determinados momentos, a escolha não importa, o que só ajuda a tornar o título ainda mais tenso. Tudo para gerar aquele sentimento de culpa em quem está controlando, algo que o título faz de maneira primorosa.

O andamento do sistema de decisões aparece no menu do jogo e é um aliado importante para sabermos como poderíamos ter evitado aquele desenrolar. A Supermassive Games faz questão de mostrar, por exemplo, que sua brincadeira com um item no começo do jogo o retirou de um lugar apropriado para que, mais tarde, ele pudesse ser usado como defesa por outro personagem, agora perseguido pelo assassino. E isso causou a morte dele. E a culpa é inteiramente sua.

Until Dawn merece sua atenção. A proposta, de um exclusivo menor, acabou se tornando um dos games mais divertidos e envolventes do ano.

É justamente isso que diferencia Until Dawn da maioria dos outros games baseados em decisão, como os adventures da Telltale, ou os já citados jogos da Quantic Dream. Aqui, toda resposta é imediata, ou quase isso. Você tem uma noção clara de como suas ações interferem no mundo e não se sente apenas pressionando botões ou cumprindo QTEs para permitir que a história continue seu caminho.

Em Until Dawn, a morte do personagem que você controla não encerra o jogo, e ainda tem consequências nas vidas dos outros. O massacre de todos os protagonistas não gera uma tela de “game over”, mas sim, é um final possível para a história. É um sistema que coloca o jogador constantemente em um jogo de gato e rato, testa suas convicções – com a ajuda de um psicólogo que precisa urgentemente de ajuda – e bota sua moral em jogo.

Until Dawn

Esse método também privilegia o fator replay. Until Dawn não é um game muito longo e pode ser terminado em cerca de sete horas. Em minha primeira experiência, consegui escapar do pesadelo com apenas um único personagem, mesmo trabalhando ativamente para que todos sobrevivessem até o final. Não gostei nada disso e, após alguns minutos estudando as ramificações de minhas escolhas, iniciei o game novamente de forma imediata, quase como em um seriado daqueles que você abre mão de mais uma horinha de sono para ver o episódio seguinte.

E foi aqui que, novamente, caí em uma armadilha imposta pela desenvolvedora. Mesmo sabendo tudo o que aconteceria e de que maneira cada um dos meus amigos virtuais morreram, ainda assim me vi, em uma segunda jogada, revendo o massacre, que agora, acontecia de outras maneiras. Mesmo preparado, e com uma intenção ainda maior de ver todo mundo vivo, muitos acabaram morrendo. Na segunda vez, três sobreviveram. E eu continuava me sentindo mal por isso.

Seguindo a tradição de boa parte dos exclusivos do PlayStation 4, Until Dawn apresenta um dos visuais mais bonitos da plataforma até agora.

Mesmo da metade para o final, quando se transforma mais em um jogo de habilidade do que de consequência, Until Dawn consegue manter a tensão. Temos aqui um nível de envolvimento como poucos, e que nos coloca na torcida para que mais e mais propostas tão imersivas assim cheguem aos novos consoles.

Conhecido, porém, inédito

O aspecto de filme não se aplica apenas à jogabilidade de Until Dawn. Temos aqui uma história que apresenta clichês e situações bem básicas que todo fã de filme de terror já está acostumado. Os personagens são o típico grupo de adolescentes que retorna ao local de uma tragédia, isolado e escuro, um ano depois que ela aconteceu. É o tipo de situação que ninguém, em sã consciência, se meteria. Mas sem ela não teríamos ação, não é verdade?

Until Dawn

Ao longo da trama, o título vai misturando conceitos como armadilhas, jump scares, amores adolescentes reprimidos, misticismo, sobrenatural e uma pitada de hormônios à flor da pele. Tem elementos de “Pânico”, “Jogos Mortais” e “Cemitério Maldito” aqui, tudo junto e misturado de uma forma que, impressionantemente, faz bastante sentido.

Aqui, Until Dawn escapa de uma das grandes armadilhas de qualquer game baseado em clichês – ele não é previsível. Quase como abraçando o espírito dos filmes das décadas de 80 e 90, o game joga conceitos reconhecíveis do mais profundo nada e surpreende o jogador mesmo com situações manjadas. Fruto da já citada jogabilidade e, também, de um grupo de produtores que sabem o que estão fazendo.

A morte do personagem que você controla não encerra o jogo, e ainda tem consequências nas vidas dos outros. O massacre de todos os protagonistas não gera uma tela de “game over”, mas sim, é um final possível para a história.

Seguindo a tradição de boa parte dos exclusivos do PlayStation 4, Until Dawn apresenta um dos visuais mais bonitos da plataforma até agora. Produzido com a mesma engine usada em Killzone: Shadow Fall, mas aproveitando-se dos desenvolvimentos que aconteceram na plataforma desde seu lançamento, o game traz visuais imersivos, um som de qualidade, iluminação aprimorada e, acima de tudo, personagens críveis.

Ajuda muito o fato de a maioria deles serem rostos conhecidos. O elenco é encabeçado por Hayden Panetierre, de “Heroes”, Brett Dalton, de “Agents of S.H.I.E.L.D.”, e Peter Stormare, de “Prison Break”. Todos entregando adaptações dignas de cinema, com vozes, aparência e, acima de tudo, expressões faciais que, muitas vezes, dizem mais sobre o que está acontecendo do que as próprias falas dos protagonistas.

Until Dawn

Vale a pena citar ainda a ótima dublagem nacional que brinca com os clichês tanto quanto o próprio game. Enquanto na versão original, Until Dawn brinca com roteiros canastrões com alta qualidade de dublagem, o inverso acontece em português, com os atores adotando o estilo Sessão da Tarde na hora de gravar. Dá para perceber que se trata de uma opção consciente, que só adiciona ao conjunto divertido e instigante do título.

Haja coração!

Com tudo isso, Until Dawn acabou se tornando um preferido de quem faz e assiste a gameplays ao vivo, algo que pode ser percebido até mesmo aqui no NGP. E o jogo merece por trazer uma história instigante, situações engraçadas e ao mesmo tempo tensas e, acima de tudo, uma jogabilidade completamente voltada para quem joga, e não o contrário.

Until Dawn merece sua atenção. A proposta, de um exclusivo menor, acabou se tornando um dos games mais divertidos do ano, capaz de competir em termos de envolvimento, pelo menos, com nomes como The Last of Us e Life is Strange. Chegar ao fim da aventura é um alívio, mas como já dito, pode não ser daqueles que fará acabar o frio na sua barriga.