Depois de inúmeras tentativas de transpassar as histórias de renomadas franquias de jogos para as grandes telas de cinema, o termo “adaptações de games para longa-metragem” praticamente se tornou um sinônimo de fracasso. Quando não são filmes em que os fãs da série original criam uma completa aversão, acabam sendo por vezes apenas obras medianas que conseguem passar pelo severo julgamento da fanbase e ao mesmo tempo entretém a grande massa, mas não emplacam nem como um grande sucesso de bilheteria, tampouco surpreendem a crítica especializada.

Não é como se a indústria de video games tivesse essa obrigação de deixar sua marca também em Hollywood, não. Particularmente, eu estou relativamente satisfeita com o mercado atualmente no que tange as produções de séries de jogos; e muitos games, inclusive, já fazem bom uso de uma narrativa mais voltada à mídia cinematográfica para nos contar uma história. O cinema casa muita bem com o desenvolvimento de um título, mas o contrário não ocorre, porque é preciso adaptar a mídia interativa repleta de códigos e variantes, para algo mais palpável, visualmente falando.

Quando se trata de cinema, temos que absorver as informações com os olhos e os ouvidos, assimilar a história que está sendo contada, e deixar fluir as emoções que tais técnicas podem nos causar, conforme simpatizamos com os personagens e/ou com o enredot apresentado. Quando o assunto é video games, nós usamos tudo isso e mais um pouco: as mãos para controlar os personagens e explorarmos nós mesmos o desenrolar da trama, diferentes funções cognitivas para solucionar enigmas, e quando há escolhas a serem feitas, muitos de nossos ideais podem ser colocados à prova. É uma mídia interativa muito mais complexa.

É necessário que adaptações sejam feitas, mas quando elas o são, quase sempre se tornam memoráveis, mas pelos motivos completamente errados – péssima atuação dos atores, escolhas de roteiro convenientes (ou completamente viajadas), efeitos especiais feios, mudanças radicais (sejam estas na trama ou sobre um personagem), etc., etc. Aqui, com “Assassin’s Creed”, infelizmente, mais uma vez o ciclo este repete.

Visão de águia

Sendo bem direta ao ponto: o filme de Assassin’s Creed é mediano. Não é ruim, nem de longe, mas também não é bom. E, antes que você ache que eu estava com expectativas altas demais, lhe digo que não. Minha relação foi como a que tenho com qualquer outro quando é anunciado: assisto a um trailer, no máximo dois, e depois aguardo para ver e, se possível, me surpreender com o produto final. Apenas isso: nada de buscar imagens do set de filmagens, ler detalhes revelados, consultar conteúdo vazado, sneak peeks ou promos. Entrevistas e curiosidades de produção, somente após ter consumido o filme.

E foi assim com “Assassin’s Creed”. Eu vi dois trailers, e só. E após ter enfim assistido ao filme, posso defini-lo como anticlimático demais. Sabe quando você abre o champanhe, mas a tampa não estoura e, portanto, não espuma? Mesmo assim, você bebe para comemorar, e, convenhamos, nem sempre o gosto é bom. É isso.

Nada é verdadeiro, tudo é permitido

Em questão de adaptação de roteiro, acredite, a história de Assassin’s Creed foi bem transportada para a telona. Temos incontáveis elementos dos jogos presentes: A Abstergo, a Animus, a sincronização com antepassados através do DNA, a Maçã do Éden, os Templários, a Ordem dos Assassinos, fatos históricos retratados (os flashbacks se passam durante a Inquisição Espanhola). Tudo está lá. Os personagens, obviamente, são outros, mas a base para tudo está presente. O que pode ter dado errado então?

Comecemos com o elenco, que é grande e renomado, mas que infelizmente deixa a desejar no que diz respeito à atuação. Michael Fassbender interpreta o protagonista Callum Lynch, e não impressiona em momento algum, no máximo arranca risos cantarolando. Marion Cotillard interpreta a doutora Sofia Rikkin, e mais parece estar morta durante boa parte do filme. Jeremy Irons, Brendan Gleeson e Denis Ménochet também estão lá, e isso é tudo que você precisa saber.

Assassin's Creed

Nenhum dos personagens principais consegue criar uma conexão com o telespectador (e olha que houveram tentativas), e eu ainda não tenho certeza se uma boa direção sobre eles resolveria este problema, ou se os atores apenas não estavam à vontade em seus papéis mesmo. No elenco de suporte, porém, três papéis brilham mais, ainda que infelizmente, a grande parte de suas cenas tenha sido em batalha: Michael K. Williams como Moussa, Ariane Labed como Maria e Michelle H. Lin como Lin (!).

Como já comentado, as cenas do passado remetem ao período da Inquisição Espanhola, e todas as cenas mostradas nesse meio tempo contém ação. O vislumbre do cenário dessa época é, portanto, muito breve, o que torna a imersão no período passado muito rasa.

A fotografia do filme como um todo é muito bela, e para criar uma boa transição entre as épocas apresentadas no filme, os realizadores usaram tons de paletas contrastantes: o passado é sempre regido por tons alaranjados, e o futuro é sempre torneado em cores azuis. É uma técnica muito boa, sutil e visualmente bela.

Assassins Creed

Dado isto, me pergunto porque há tantos takes parecidos no filme quando ocorrem as mudanças de tempo. Apenas para exemplificar, sempre que o protagonista sincroniza com seu antepassado (o assassino Aguilar de Nerha), é mostrado uma águia sobrevoando a região onde ele está, o que é legal e traz uma boa referência dos jogos, mas que se torna cansativa após a terceira ou quarta vez que é mostrado.

As cenas de ação também, em sua grande maioria, possuem cortes bruscos, o que quebra a adrenalina e torna toda a coreografia impossível de ser devidamente apreciada. A montagem do longa como um todo, também é bem confusa, e faz parecer que a narrativa é complexa quando na verdade é simples (ou deveria ser). Há ainda algumas escolhas que atribuem furos ao roteiro, e shots desnecessários, mas nada que prejudique a experiência, caso você não ligue para estes aspectos mais técnicos. A trilha sonora cria uma boa atmosfera e realmente transporta o telespectador para a ambientação mostrada, mas não é nada extraordinária também.

Assassin's Creed

Por fim, há algumas referências aos jogos no filme que realmente me fizeram vibrar, mesmo que por alguns segundos, o que pode fazê-lo questionar se essa história é canônica ou não na cronologia da franquia. A sequência final do longa também me impressionou por realmente parecer que eu estava assistindo a um jogo da série no cinema, e ainda deixou pontas soltas para suas duas possíveis continuações. Resta saber se, mesmo com as reações não tão positivas assim do público e da crítica, ainda assim a Ubisoft irá ignorar a “maldição do número 1” em suas obras, e irá dar a volta por cima e produzir uma continuação.

“Assassin’s Creed” estreia no Brasil em 12 de janeiro de 2017 e possui 1h55 de duração. A direção ficou por conta de Justin Kurzel (do mais recente “Macbeth”), e foi produzido pela Ubisoft. Se você é muito fã da série de jogos, vale a pena conferir para tirar suas próprias conclusões e, principalmente, se deliciar com as referências embutidas ao longo do filme. Se você não é, provavelmente vai achá-lo apenas mais um bom filme de aventura e ação.

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