Não fosse a tecnologia, você não estaria lendo estas palavras neste momento, e provavelmente, você jamais leria um texto meu. Provavelmente eu nem mesmo seria um jornalista se não fosse pela rede, pois foi ela que me permitiu começar a escrever, e hoje, seguir uma carreira em tecnologia e jogos. E só por aí, já dá para agradecer ao criador, Tim Berners Lee, por isso e todo o progresso que a web nos trouxe em suas mais diferentes formas.

Esse potencial, entretanto, pode ser usado para o mal, e isso também vai muito além daquele malware que tenta postar fotos pornográficas no seu Facebook. Vivemos em um mundo cada vez mais conectado, com desde os celulares que carregamos nos bolsos até toda a rede elétrica de uma cidade conectadas a sistemas que podem, muito bem, se tornarem alvos a qualquer momento. A batalha virtual entre hackers e sistemas de segurança é constante, e acontece de forma invisível, enquanto, muitas vezes, mesmo quem está controlando tais tecnologias também tem muito a ganhar com elas.

Dessa mistura de interesses, inovação, cultura e um estilo de vida conectado é que saiu Watch Dogs 2. A aguardada continuação de um dos jogos mais hypados – e para muita gente, frustrantes – dos últimos anos chega para tirar o gosto amargo da boca de muitos, ao mesmo tempo em que leva adiante aquilo que agradou e chamou a atenção em seu primeiro episódio.

É um tema fresco e pertinente a todos, por mais que as revoluções aconteçam a cada minuto. E foi sobre todo esse trabalho que nos sentamos para conversar com Danny Belanger, diretor de design em Watch Dogs 2, durante a Brasil Game Show 2016. Confira:

Danny Belanger

New Game Plus: Muita gente está dizendo que Watch Dogs 2 pode ser, para a franquia, o que Assassin’s Creed 2 representou para a saga dos assassinos. Vocês também trabalham com esse ideal em mente?

Danny Belanger: Uau, esperamos que sim, mas no fim das contas, são os jogadores que decidem isso. Demos o nosso melhor e ouvimos o que os fãs do primeiro jogo tinham a dizer, e também falamos com eles. Agora, as expectativas são corretas e eles sabem o que esperar, então, para nós, é muito mais fácil trabalhar no jogo. Muita coisa foi melhorada – temos uma nova cidade, movimentação inédita, modo cooperativo – e esperamos agradar.

NGP: O que vocês estão fazendo agora que é diferente do game anterior, e de que forma o feedback dos fãs influenciou isso?

DB: Os fãs queriam algo maior e temas mais fortes. Então, [em Watch Dogs 2], colocamos Marcus Holloway em São Francisco, o que o leva ao Vale do Silício. Então, não estamos falando apenas de hacking, mas também de redes sociais, ferramentas de busca e o centro de toda tecnologia. Existem múltiplas maneiras de invadir alguém e tudo o que está conectado pode ser acessado, como carros e a própria infraestrutura da cidade.

Empresas e histórias reais também serviram de inspiração para o jogo. A tecnologia é fantástica, mas pode ser mal utilizada. É aí que nossa história cresce, queremos lançar luz sobre os perigos e os riscos, para que as pessoas possam pensar sobre o assunto.

NGP: E na jogabilidade, o que mudou?

DB: Queremos que o jogador seja um hacker melhor, e pois isso, adicionamos uma mecânica chamada “Network Hacking”, que revela todos os pontos de interação no cenário, pois de nada adianta ele ter todo esse poder se não souber o que fazer. Alguns usuários também acharam a pilotagem do primeiro Watch Dogs difícil, então mexemos nesse aspecto para torna-lo mais acessível, sem perder as diferenças de performance entre veículos.

O tom também foi alterado e o jogo se tornou mais vibrante e colorido. São Francisco tem muitos vales e colinas, é uma ótima cidade, e com isso, veio uma grande história. Marcus não está sozinho, ele faz parte de um grupo chamado DedSec, e isso nos permitiu criar um modo cooperativo. Se você estiver andando pela cidade e encontrar outro membro, basta o toque de um botão para unir as partidas e tornar a experiência mais social.

Watch Dogs 2

NGP: O multiplayer do primeiro jogo, onde você podia hackear outro jogador ou caçá-lo, também retorna, ou agora temos apenas o modo cooperativo?

DB: Essas invasões eram muito populares e também estão em Watch Dogs 2. Além disso, temos um modo Bounty, que transforma o jogo em uma caça de gato e rato, com um jogador contra três. Se um usuário causa problemas demais, ele fica marcado como perigoso para outros, que podem persegui-lo usando as mesmas ferramentas que ele tem para fugir.

NGP: E tudo isso acontece no mundo aberto, de forma transparente?

DB: Você nunca vai precisar passar por menus e telas de carregamento para sair da história e jogar o multiplayer, ele simplesmente “acontece”. Um hacker tenta roubar dados de você em uma invasão, ou o jogador se encontra com um amigo e segue junto com ele. Tudo é muito natural e a progressão não muda nunca – tudo o que for feito no cooperativo permanece no single player, e nada é exclusivo de um modo só.

Quem quiser pode jogar Watch Dogs 2 completamente sozinho e desativar todas essas opções que comentei, e não existe nenhuma punição por isso. Porém, acreditamos que muito da diversão é perdida se você pelo menos não tentar jogar o multiplayer e o modo cooperativo, pois existem muitas variações interessantes nas missões que podem acontecer por conta disso.

NGP: Um aspecto bastante interessante da apresentação feita na E3 foi a variedade de abordagens em uma mesma missão. Isso se aplica a todas elas e há algum tipo de recompensa caso o jogador escolha ser, por exemplo, mais furtivo em vez de sair atirando em todo mundo?

DB: Não queremos dizer ao usuário como ele deve jogar. Todos os nossos desafios podem ser resolvidos de mais de uma forma. Se você gosta da ação, de se esconder ou o que chamamos de “trickster”, aquele que faz muito uso da tecnologia e das ferramentas de Marcus, tudo isso funciona. Não vamos punir alguém por escolher uma determinada forma de agir.

A liberdade e a criatividade são muito importantes para nós. A missão da E3, por exemplo, era cooperativa, e um jogador poderia invadir o prédio sorrateiramente enquanto outro marca os inimigos com um drone, por exemplo. Também dá para jogá-la sozinho ou agir como quiser.

NGP: Todas as missões do jogo podem ser jogadas no modo cooperativo?

DB: As operações principais são apenas para o modo single player, enquanto todo o restante pode ser acessado por mais de um usuário ao mesmo tempo. Ambos recebem as mesmas recompensas. Existem também missões pensadas para a cooperação, que até podem ser jogadas por uma única pessoa, mas isso as tornarão bem mais difíceis.

Watch Dogs 2

NGP: A tecnologia está sempre mudando. A cada dois ou três meses, tudo está diferente, e o que é velho desaparece. Como vocês garantem que um título que leva anos para ser desenvolvido chegue ao mercado sem estar datado?

DB: Watch Dogs 2 começou a ser desenvolvido assim que finalizamos o primeiro. Sempre queremos falar de tecnologia moderna – analisamos o que está disponível no momento e pensamos em como alguém poderia perverter tudo aquilo. Além disso, tentamos imaginar como será o mundo dali a alguns anos, e a partir daí, criamos o enredo.

O jogo é uma obra de ficção, mas às vezes, essas histórias são reais. O carro hackeado na demonstração da E3, por exemplo, é verdadeiro, mas não sabíamos que isso ia acontecer. Quando imaginamos o jogo, pensamos que esse tipo de tecnologia poderia ser perigoso, e aí está.

NGP: Vocês trabalham com consultores e especialistas em tecnologia para construir a trama?

DB: Sim, especialmente hackers. Eles nos ajudam a enxergar o que há de novo nesse setor e quais dispositivos apresentam vulnerabilidades e podem ser invadidos. Claro, temos aqui um jogo de ação, então tudo precisa ser dinâmico. Ninguém quer passar dez horas trabalhando em códigos para tomar controle de um sistema. As situações são reais, mas estão adaptadas para o jogo.

Mr. Robot

NGP: Se Watch Dogs se tornasse uma série, ela seria “Mr. Robot”. Vocês já tiveram algum contato com os criadores da série?

DB: Jogos levam muito tempo para serem desenvolvidos, e Watch Dogs 2 foi idealizado muito antes da estreia de “Mr. Robot”. Mas não é uma coincidência que estamos falando das mesmas coisas. Tecnologias como Big Data, [a análise de dados dos usuários em grande escala], e a Internet das Coisas, [dispositivos conectados como termostatos, cafeteiras e geladeiras], vão mudar nossas vidas, e é normal que os criadores pensem sobre isso.

NGP: As nossas cidades não são exatamente conectadas, mas você acredita que exista alguma chance de um Watch Dogs no Brasil?

DB: Você sabe que não posso dizer, se existe [risos]. Sempre existem muitas opções de lugares na hora de criar um jogo. Para este, São Francisco era o ambiente certo por causa do tom da história, a contracultura, as empresas e a tecnologia. Mas claro que pensamos em outros para o futuro.

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