Da Acrópole ao Coliseu
Os grandes impérios surgiram e caíram por milênios, assim afirma a história. Dentre os diversos apogeus, dois, em especial, habitam o imaginário coletivo da sociedade contemporânea, ora pela arte, ora pelas formas de governar. As antigas Grécia e Roma, por assim dizer, são os berços da sociedade contemporânea. A democracia, esporte, filosofia, religião, literatura, exército e a Arte, como um todo, são elementos marcantes dessas duas civilizações.
Os livros didáticos, em sua maioria, cometem o equivoco de colocar Roma substituindo a Grécia em uma ordem cronológica e linear, como se uma suprisse a outra. Na verdade, quando Roma antiga conquistou militarmente a Grécia antiga, um processo inverso também ocorreu, pois a Grécia antiga acabou conquistando culturalmente Roma. Embora similares em uma primeira visualização, os regimes e estilos de vida acabaram por se diferenciar, principalmente quando Roma fortaleceu a sua própria cultura com elementos que a tornara tão marcante, como por exemplo, o Coliseu.
Da ascensão ao filho de Roma
O mundo dos jogos, como que em uma coincidência, está repetindo esse momento histórico. Nesse período de transição entre as gerações das plataformas, dois jogos exclusivos se destacam. O representante da Grécia antiga “God of War: Ascension”, exclusivo para PS3, e o seu contemporâneo, porém para a nova geração de consoles, o representante da Roma antiga “Ryse: Son of Rome”, exclusivo para Xbox One. Embora ambos os jogos sejam superficialmente parecidos, até mesmo pelo fato de retratarem civilizações similares culturalmente, conceitualmente, eles se distanciam. Enquanto God of War: Ascension retrata os primeiros atos de Kratos em busca de sua vingança contra os deuses, Ryse: Son of Rome apresenta Mário Tito (Marius Titus no original), soldado romano, em busca de represália contra os bárbaros que assassinaram a sua família.
Tragédia grega
God of War: Ascension é uma típica tragédia grega. Embora esse jogo tenha sido o último lançando de sua franquia, ele, na verdade, se passa cronologicamente antes de todos os jogos da série. É a história da origem e ascensão de Kratos.
O personagem, em um momento pontual, se viu diante de uma situação ‘Deus ex machina’ para vencer um combate, ou seja, uma inesperada solução divina para destruir os seus inimigos. Como em uma típica tragédia grega, aquilo não representou um fim definitivo e uma série de acontecimentos levou o soldado espartano a se voltar contra os deuses que outrora o ajudaram. A aventura homérica do espartano pela mitologia grega se inicia quando ele é engado por Ares e acaba assassinando a própria família.
Roma não se fez num dia
Ryse: Son of Rome acompanha a história do soldado romano Mário Tito em busca de vingança pela morte de sua família, ao mesmo tempo em que quer defender a honra e a glória de Roma. A trama acompanha o crescimento do personagem ao longo de sua carreira.
Certo dia, regressando do seu treinamento como soldado e reencontrando com sua família, Mário Tito é testemunha de uma invasão de vândalos, godos e bárbaros em sua cidade. Como um bom guerreiro romano, ele vai combater os invasores, todavia, não esperava que sua família fosse assassinada durante o atentado. Nesse momento, ele começa a sua vingança pessoal. Anos depois, com uma patente mais elevada, se vê novamente em uma invasão a Roma e precisa proteger o imperador e defender a honra de Roma.
Apolíneo e Dionisíaco
Para o filosofo alemão, Friedrich Nietzsche, “o progresso da arte está ligado à duplicidade do Apolíneo e do Dionisíaco”. Enquanto, em sua definição mais simplória, o Apolíneo estaria ligado à uma idealização de uma realidade perfeita, centrada, como se houvesse uma cortina estética que criasse uma ilusão sobre os aspectos negativos. Todavia, o Dionisíaco é a contradição e o terror. A embriaguez e luxuria faz apagar aquela luz de um mundo perfeito, com isso surge o nascimento da volúpia, a desintegração do eu, que seria a junção do homem com a realidade, deixando claro que na verdade o Apolíneo não passa de uma ilusão.
Ryse, como um bom épico, conserva os valores e moral de uma figuração romana Apolínea. Sua busca por glória e honra de um Estado perfeito e que está sendo invadindo por vândalos, os mesmos de quem o protagonista quer se vingar, só reafirma a idealização de uma Roma antiga. Do outro lado, God of War traz a aura do espirito Dionisíaco, como se pode destacar a lascividade do seu protagonista seminu em sua vingança contra deuses traidores, injustos, blefadores, mentirosos, entre outras definições negativas ambientada em um Estado falido.
Enquanto Ryse é centrado em uma trama que se propõe em ser o mais verossímil possível, dentro de suas competências, God of War esbanja da liberdade poética em um mundo mitológico que denuncia os males de sua civilização sem cobrir o que há de mais terrível em uma sociedade.
As maravilhas do mundo antigo em alta definição
A cada geração de consoles, uma das melhorias mais esperadas pelo público consiste nos gráficos. A transição do PSOne para PS2/XBox foi algo visível graficamente e a passagem dessa geração para o PS3/Xbox 360 foi ainda mais notória. A partir dessa era de plataformas, os jogos passaram a ser rodados em alta definição. God of War: Ascension, como um dos últimos títulos lançados antes da atual transição, trouxe um jogo graficamente belíssimo, sendo esse um de seus principais atrativos.
Ryse, por sua vez, foi um dos pioneiros da nova geração de consoles que consiste nas plataformas PS4 e Xbox One. O jogo do soldado romano impressiona pela sua capacidade gráfica, entretanto, comparando com a geração anterior, esse jogo – talvez essa geração como um todo – pouco impressione. A diferença nas texturas, cores, entre outras, se destacam, todavia a atual era não causou a mesma impressão que as anteriores causaram quando estrearam.
Brados de Guerra
Atualmente, o mercado brasileiro de jogos tem recebido muita atenção. Muitos títulos estão sendo lançados com legendas em português ou até mesmo dublados. É o caso de God of War: Ascension e Ryse: Son of Rome, cuja versão brasileira conta com algumas liberdades, tais como a já citada mudança de nome do protagonista de Ryse, de Marius Titus para Mário Tito.
Ricardo Juarez, um dos principais nomes da dublagem brasileira, é o responsável por dublar as vozes nacionais de Kratos como também a de Mário Tito. Embora ambos os personagens tenham o mesmo ator no Brasil, a forma de atuação é bem diferente. Vale ressaltar que a versão americana conta com um intérprete para cada personagem e eles se diferenciam muito em suas atuações para os respectivos protagonistas.
As edições nacionais desses títulos merecem destaque por estarem muito bem feitas e não deverem em nada à dublagem original, que também é muito bem construída. Todos os envolvidos, do protagonista aos NPCs, estão muito à vontade e em momento algum causam estranheza. Isso é verdade principalmente no caso de God of War, que já teve cinco títulos lançados apenas com o áudio original e mesmo assim, jogando a versão nacional de Ascension não há um sentimento de perda. Pelo contrário, o jogo não parece que foi localizado e sim que a dublagem original é a brasileira.
Guerras Púnicas
O fator de maior controversa nessa análise é o fato de que os jogos pertencem aos principais concorrentes do mercado de consoles. God of War: Ascension é um jogo exclusivo para o PS3, da Sony, enquanto Ryse: Son of Rome é um jogo exclusivo para Xbox One, da Microsoft. Contudo, o foco consiste em considerar as gerações e não necessariamente a plataforma especifica dos respectivos games, até porque seria simplista reduzir um jogo por ser superficialmente similar a outro.
A proposta de Ryse se diferencia e muito da de God of War. Talvez a confusão se dê por elementos de composição de cenário, como esculturas de deuses, acrópoles, vestimentas, entre outros, mas isso é totalmente aceitável, pois as ambientações que são retratadas em seus respectivos jogos compartilhavam essas características. Dessa forma, é natural que sejam parecidos nesse sentido. Ryse e God of War, apesar de concorrentes, são muito bons no que se propõem. Cada ambientação com suas particularidades e algumas semelhanças na jogabilidade. Mas, principalmente, que cada título oferece uma experiência única, diferenciada, prazerosa e divertida.
Fonte
- O nascimento da tragédia, de Friedrich Nietzsche. 2007, Editora Companhia das Letras.