Alien: Isolation

por Jessica Pinheiro

Uma prova de superação e resistência

Quando o diretor criativo de Alien: Isolation, Alistair Hope, veio ao Brasil em uma festa promovida pela Sega, eu lhe disse sem delongas que jamais havia assistido a um filme da franquia sequer. Ele me olhou espantado e respondeu graciosamente que desejou muito naquele momento estar na minha pele para que pudesse sentir toda uma nova experiência quando fosse jogar o mais recente título de Survival Horror em primeira pessoa, produzido por ele e pela equipe da Creative Assembly.

Antes de comentar qualquer coisa sobre o game, preciso elogiar o quão competente a equipe de desenvolvimento foi, ao executar três itens: 1) os belos gráficos muito bem casados com um design que remete instantaneamente a filmes futuristas do final dos anos 70 (tal como o primeiro filme, Alien, de 1979); 2) os efeitos sonoros que deixam o jogador em estado de alerta 100% do tempo, desconfiando até mesmo de uma goteira próxima, além é claro, da fantástica trilha sonora e; 3) a excelente inteligência artificial do Xenomorfo e o quão randômico suas aparições podem ser, tornando-o assim uma criatura onipresente que caça a protagonista 70% do tempo ao longo do jogo.

Dito isto, parece que não há nada de errado com o jogo. Na verdade, em teoria parece funcionar bem. Mas na prática… Foi uma ótima experiência de superação e resistência, isso é certo. Entretanto, isso não quer dizer que essa experiência tenha sido necessariamente boa.

Quem é Amanda Ripley?

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Para quem nunca assistiu a nenhum filme da franquia, Amanda foi mencionada pela primeira vez em Aliens (1986). Ela nunca apareceu em cena, mas sua mãe e também protagonista de todos os filmes, Ellen Ripley; se entristece muito ao descobrir no segundo filme que ela já faleceu, tendo morrido de causas naturais aparentemente.

Uma jogada de mestre dos desenvolvedores utilizar então, a filha de um dos maiores ícones femininos da indústria de filmes até os dias de hoje. Afinal, o que será que a Amanda fez enquanto Ellen estava vagando pelo espaço após o final do primeiro longa-metragem?

Amanda trabalha como engenheira no mesmo setor onde a nave cargueira de sua mãe, a Nostromo, desapareceu misteriosamente 15 anos antes.

A saída foi bem simples: na história de “Alien: Isolation”, Amanda recebe, através do andróide Samuels, a notícia de que a caixa-preta da Nostromo foi recuperada e enviada para a estação Sevastopol. A protagonista do game faz seu trajeto até o local em questão, apenas para encontrar um lugar aparentemente abandonado e sofrendo de mau funcionamento.

Logo, ela descobre que as comunicações foram danificadas, isolando a estação no espaço, e além de recorrentes rebeliões entre rebeldes e militares que tentam tomar a Sevastopol, ela também cruza com um ser alienígena extremamente letal e que está assassinando a todos em seu caminho.

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Durante toda a jogatina, foi incrível ver como Amanda possui muitas características de sua mãe: ambas são guerreiras determinadas e conseguem se manter focadas, mesmo sob constante pressão. A filha, porém, possui sua própria personalidade, sendo muito mais fria e até certo ponto rebelde, em muito por conta de sua agressividade e de sua sinceridade.

Outro ponto que brilha em Amanda é o fato dela nunca desistir e sempre se forçar a continuar mesmo quando tudo parece perdido. Isso a torna um pouco menos humana, sim, mas também a faz uma personagem inspiradora.

Do mesmo jeito, por ser passível de erros e incrivelmente destemida, os demais personagens que ela encontra durante sua aventura na estação espacial acabam se tornando miseravelmente descartáveis.  É triste ver como muitos deles são inúteis e servem apenas para atrapalhar em algumas circunstâncias.

Unida ainda à mecânica de construção de itens (um Crafting System semelhante ao que vimos em jogos como The Last of Us), Amanda se mostra notoriamente engenhosa ao conseguir também montar diversas parafernálias diferentes, como por exemplo, um produtor de ruídos cujo o intuito é desviar a atenção do Alien e fazer o jogador conseguir uma brecha no caminho para continuar; ou até mesmo desestabilizar momentaneamente os andróides através de ondas EMP e conseguir destruí-los mais facilmente ou fugir deles. Pela protagonista ser uma engenheira, esta mecânica que o jogo apresenta torna-se totalmente plausível, mas só é possível construir tais itens a partir do momento em que você encontra projetos de fluxogramas esquemáticos (Blue Prints) espalhadas pelos cenários e, coleta produtos específicos para então construí-los.

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Atenção é a palavra-chave

“Então, teoricamente tudo é sobre fugir ou se esconder?” e eu respondo: exatamente. O jogo revive a chama do gênero survival horror puro, onde a essência é sobreviver. E por sobreviver me refiro aqui a fugir e despistar os inimigos se for possível, ou se esconder e aguardar o perigo passar para então prosseguir. Diferente dos survival horrors mais recentes e que possuem uma pitada do gênero ação, Isolation segue contra o fluxo e não há nenhum segmento onde é preciso utilizar armas de fogo para atirar aos quatro ventos e então derrotar os inimigos e por fim fugir da estação.

A munição é bem escassa e não é recomendado utilizar as armas de fogo a menos que seja realmente necessário. Digo isto pelo seguinte fato: qualquer ruído atrai a atenção do Alien.

Existem sim armas de fogo no título e pelo menos uma delas é obrigatória coletar (o lança-chamas). Todavia, isso não quer dizer que a partir do momento que você coletá-las será possível encontrar munição em abundância ao vasculhar cada gaveta de escritório ou maleta abandonada ao chão.

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Combinado aos corredores claustrofóbicos da estação isolada no espaço, a escuridão e os caminhos traiçoeiros que existem na nave e o fato de nenhum tipo de armamento surtir grande efeito no Xenomorfo, a tensão que se sente é constante e se agrava ainda mais com a sensação de estar sendo caçada a todo instante. Isso é ótimo para criar o clima opressor e aterrorizante do jogo, mas para quem tem problemas de saúde; é recomendado passar longe de uma experiência assim.

A inteligência artificial do alienígena é alta e ele possui faros aguçados.

Apesar de aparecer obrigatoriamente em algumas cenas do game, ele também aparece de forma randômica muito constantemente. Por exemplo: se você demorar muito em qualquer lugar, ele vai eventualmente aparecer e andar vagarosamente por todo o local. Se você se esconder em armários por muito tempo, ele vai farejar dentro de cada um deles (ou até mesmo andar na ponta do pé para você pensar que ele foi embora e quando você sair ele conseguir te abocanhar).

Se você constantemente se locomover através dos tubos de ventilação, ele vai passar a te perseguir ali dentro também. Se você correr através de muitos corredores, ele vai descer de um dos dutos e vai começar a te perseguir implacavelmente. E caso se canse de andar agachado e levantar próximo de um duto ou passar correndo por debaixo de um quando não há nenhum sinal do Alien, é bem provável que ele te puxe sem nenhum aviso prévio.

Até mesmo utilizar a lanterna pode ser um problema. Depender excessivamente do motion tracker também não é recomendado, pois o barulho do aparelho também atrai a atenção da criatura. Há ainda momentos em que você irá checar o localizador e ele não vai mostrar o Xenomorfo se aproximando, mas é muito possível que você escute algo ou alguém se locomovendo pelos tubos, ou ainda uma baba escorrendo por algum duto próximo.

Tudo acontece em tempo real e se você não tomar cuidado, isso vai mais atrapalhar do que ajudar.

Os Save Points não são necessariamente localizados muito longes um do outro, mas é importante se atentar ao fato de que 99% da jogatina acontece em tempo real. Logo, tudo acontece sem pausas: cutscenes, acessar o menu para construir os itens, utilizar itens de cura e especialmente salvar seus dados. Isso significa que o Alien pode atacar a protagonista até mesmo enquanto você estiver em meio ao processo de guardar seus dados; coisa de cinco preciosos e demorados segundos.

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Dica importante: guarde seus dados sempre que possível.

O que mais pode enfurecer os jogadores acostumados com checkpoints é justamente o fato de Isolation não possuir um sistema de guardar os dados automaticamente. Então se você morrer no game, Amanda não irá retornar de uma localidade próxima ao ponto em que você morreu, como acontece em grande parte dos games hoje. Ao invés disso, existe apenas a possibilidade de carregar os dados a partir da última vez que você usou o Save Point.

Esse constante alarme de que o Alien está próximo ou pode aparecer a qualquer momento é um tanto desgastante às vezes. Afinal, se ele te ver será muito difícil despistá-lo e uma vez pego, é one hit kill. Outros inimigos, como humanos armados ou andróides corrompidos podem facilmente acabar com a existência de Amanda também.

Todos os inimigos são letais e isso pode aborrecer e frustrar em determinados momentos.

E combinado ao fator de que, o máximo que você poderá fazer será: 1) afugentar o Alien momentaneamente com o lança-chamas; 2) ou utilizar algum cacareco com ondas EMP para desnortear os andróides; 3) ter que emboscar os humanos atraindo o Xenomorfo para eles ou; 4) silenciá-los para sempre em stealth no melhor estilo Assassin’s Creed… No decorrer de aproximadamente dez horas de jogo, todo esse combate furtivo e esse pique-esconde com o Alien acaba sendo frustrante.

Altos e baixos constantes

Embora o que direi a seguir não tenha me chateado muito, é bom repassar a experiência: o jogo foi testado por mim no PlayStation 3 e logo de cara, mesmo com o jogo sendo baixado e instalado no disco rígido do console, me deparei com loadings demorados, além de uma inexplicável queda na taxa de quadros por segundo a cada nova área aberta no mapa. São aspectos técnicos que eu prezo por saber se também acontecem na atual geração (PS4/XOne), mas que na anterior podem chatear os jogadores mais exigentes.

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Deixando isso de lado, e já pegando carona na questão do mapa do jogo, aqui vai uma das minhas principais reclamações: ao acessar a representação do cenário, ou o mapa se preferir; o jogo automaticamente pausa, sendo este o 1% do jogo onde você poderá parar, respirar e repensar com calma as suas táticas e quais caminhos seguir. Todavia, se guiar unicamente pelo mapa é uma faca de dois gumes. Primeiro porque apesar das plantas mostrarem nitidamente em qual direção Amanda deve seguir para cumprir seu objetivo, não há como saber como chegar lá. Como já disse por aqui, os caminhos são traiçoeiros.

Com um Xenomorfo soprando a morte no seu cangote, fica difícil (e até maçante muitas vezes) procurar por rotas alternativas.

Aliás, o backtracking é absurdamente chato. Não me levem a mal, eu gosto de retornar a locais, explorar tudo que for possível, e em especial, achar itens que mais tarde servirão para abrir um caminho que eu havia visto anteriormente. Isso tudo é muito lindo na teoria, só que não funciona na prática em Isolation.

Tudo bem que a iluminação não ajuda, mas os corredores da Sevastopol são por demais todos iguais, e aí fica aquela impressão de que você está dando mais voltas do que deveria. Sem contar que, somado ao fato do jogo ser longo demais e o mapa ser confuso às vezes, o backtracking torna a jogatina repetitiva.

Os upgrades que Amanda consegue em seus equipamentos e as armas que são coletadas ao longo da jornada ajudam a tornar tudo um pouco mais fácil. Mas há um certo desbalanceamento na dificuldade do jogo. Tentando exemplificar sem dar spoilers: no começo Amanda mal tem com o quê se defender, mas a partir do momento que você toma posse do lança-chamas, é possível se arriscar mais e se defender momentaneamente do Alien.

O jogo te dá um doce que parece delicioso, mas o gosto dele ainda é um tanto amargo na boca.

Isso não é ruim, de forma alguma! Até porque ainda não há solução definitiva para se livrar dele… Ou ao menos o jogo te faz pensar assim. E isso casa com a narrativa bem estruturada do game, deixando o jogador de certa forma ansioso pelo que está por vir. Afinal, se agora tem como espantar o Alien, o que pode acontecer de pior? Você está, mesmo que por instantes, seguro, certo? Errado. E se por um lado funciona bem para a narrativa, este aspecto quebra um pouco a dificuldade do jogo.

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Sobrou algo bom?

Nem tudo é esse labirinto de emoções onde minha pressão foi colocada em risco em diversos pontos.

Um dos pontos que mais gostei em Isolation é a narrativa do título. Todo o trajeto da protagonista se passa 90% dentro da Sevastopol, e no fim, é gratificante ver como tudo se amarra, sem deixar pontas soltas e principalmente, de forma coerente com o quê aquele universo permite. A forma como a trama é contada se mostra então bem objetiva como um todo, e mesmo que no começo pareça um tanto arrastada, a partir de determinado ponto (digamos 35% da jogatina total), a trama permanece sempre se cozinhando, mantendo o jogador preso ao que vem em seguida. As surpresas e recompensas não desapontam. E reforço aqui o fato de que joguei sem ter assistido aos filmes e gostei muito do que o game me mostrou.

A história do jogo ainda possui complementos muito legais a partir de arquivos de áudio que podem ser encontrados e ouvidos em gravadores antigos ou em terminais de acesso. Aliás, estes terminais possuem não só arquivos de som, como também relatórios, acessos, cartas e muitos outros documentos que complementam ainda mais a trama. Embora seja complicado de acessá-los, já que o Alien pode lhe surpreender enquanto você examina o computador; vale a pena conferir estes terminais. Alguns deles podem ter até mesmo a chave para prosseguir durante o jogo.

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Algo que gostei muito também é a forma como existem diferentes formas de resolver os puzzles. Ainda que pareçam semelhantes, eles requerem atenção às instruções, e principalmente paciência. Em muitos momentos eu realmente precisei respirar fundo, contar até dez e só então tentar resolver o enigma do Acess Tuner, para conseguir por fim hackear a porta à minha frente, antes que o Xenomorfo desse o ar de sua graça.

Novamente, deixo o elogio à trilha sonora e à montagem de som que foi feita. A música principal do jogo inclusive relembra por demais o tema do primeiro filme. Isso porque alguns dos membros da orquestra trabalharam com o compositor original no primeiro longa.

Há certos momentos em que a música se altera de acordo com o que está acontecendo próximo da protagonista. Exemplo disso é quando o Xenomorfo desce de um dos dutos. Além de conseguir ouvir os passos da criatura, a música de fundo alterava-se progressivamente conforme ele se aproxima ou se afasta. Os efeitos de som também são um show a parte. Amanda pode estar andando normalmente e ouvir diversos ruídos longínquos. O mistério ao lado do desconforto causado por estes sons faz com que o jogador imagine milhares de possibilidades.

Se algo atravessa os tubos de ventilação bem acima de sua cabeça… Você vai imaginar imediatamente que é o Alien. Mas o silêncio que se segue segundos depois é no mínimo atormentador.

E os tiros que vêm daquela direção, será que são sobreviventes seguindo até onde eu estou? Mais importante do que isso: será que eles são amigáveis ou será que são inimigos? Isso que eu vi foi a cauda da criatura ou são cabos de condução de energia? A porta ativada do meu lado ou atrás de mim foi eu mesma quem ativei ou tem alguém ou algo vindo aí? Aquilo é realmente uma goteira de água ou é a baba do Xenomorfo? E assim seguem as eternas dúvidas ao se espreitar na escuridão, esperançosamente aguardando não ser vista por nada ou ninguém.

Além de tudo isso, a estação Sevastopol é praticamente uma Nostromo, só que muito maior. Há diversas referências à nave cargueira do primeiro longa-metragem na estação onde se passa o game. E para completar o pacote nostalgia para fãs de longa data, há ainda os conteúdos extras para download onde é possível jogar com a equipe da Nostromo e reviver alguns dos acontecimentos do filme.

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Veredito

Eu vou confessar que eu quase desisti de jogar em diversos pontos do jogo. E muitas pessoas que conheço (e amigos de amigos também) desistiram logo no começo da jogatina. Mas é inegável como o título se torna, surpreendentemente, uma nova esperança para o gênero de survival horror, trazendo a temática em sua pura essência novamente à luz do sol.

“Alien: Isolation” acertou em cheio na fórmula ao reviver a sensação de terror e de sobrevivência do primeiro filme da franquia. Na verdade o jogo acertou em vários pontos, só exagerou em muitos outros, de uma forma não muito positiva.

A dificuldade aqui não é o problema, e sim a quão desbalanceada ela chega a ser. O excesso de imponência da protagonista torna tudo muito real, como um survival horror realmente deve ser, mas devido à jornada ser muito longa, a experiência acaba por ser frustrante e arrastada.

Sem dúvidas, a Creative Assembly conseguiu fazer com que a série saísse da sombra maligna de “Alien: Colonial Marines” (2013) nos videogames. E já falo de antemão que em Isolation, tudo culmina para uma continuação! Então ainda há a chance de melhorar alguns dos aspectos criticados e trazer uma experiência que ainda seja assustadora, a ponto de fazer você sentir que vai ter um infarto a qualquer momento; mas que não seja exageradamente longo (e por longo, entenda demorado e arrastado) e nem desestimule o jogador a continuar.

Por último, mas não menos importante, a versão nacional do game foi lançada em 17 de outubro e conta com dublagem e legendas em português. Então se você está com medo de não entender tão bem a história, que foi um dos pontos que mais gostei no título; não se preocupe, porque foi feita toda uma adaptação para as terras tupiniquins.

O jogo foi analisado no PlayStation 3 e em cópia cedida pela SEGA.