Embora fosse uma tragédia que viesse se anunciado há tempos, ninguém esperava uma porrada como aquela dada pela Nintendo na última sexta-feira. O anúncio de que a empresa iria encerrar a distribuição de jogos e consoles no Brasil pegou todo mundo de surpresa e mostrou a fragilidade do nosso mercado, mesmo com todo mundo o vendendo como uma das maiores promessas para os próximos anos.
Embora a presença da Sony e Microsoft por aqui, assim como o lançamento e seus novos consoles na mesma data do restante do mundo, tenha nos dado a impressão de que as coisas iam bem, a súbita saída da Big N revelou que ainda temos um teto de vidro e muitos problemas pela frente. Não é à toa que a notícia surpreendeu a todos, incluindo a própria imprensa internacional.
E, enquanto ainda digerimos essa nova realidade, as dúvidas começam a surgir. Afinal, a decisão da empresa foi realmente acertada? Como as coisas chegaram a esse ponto e, o mais importante, como será a indústria nacional a partir de agora?
Vou ali comprar um cigarro e já volto
A explicação dada pela empresa para o duro golpe é aquela velha desculpa que ouvimos há anos: os altos impostos. Em entrevista ao site Nintendo World, o diretor e gerente geral para a América Latina da Nintendo of America, Bill van Zyll, explicou que o mercado brasileiro único e complexo, sobretudo por conta da alta carga tributária – o que todos nós sabemos muito bem.
E foi exatamente por isso que, segundo ele, o modelo atual adotado pela empresa foi considerado insustentável. O resultado disso é o que ele chama de um “recuo estratégico”. E, para tentar amenizar a péssima impressão deixada em um primeiro momento, o executivo disse ao G1 que o encerramento das atividades da empresa no país é “algo temporário” e que a Nintendo “não está desistindo do Brasil”.
No entanto, essa desculpa é realmente válida? Não há como negar que somos conhecidos como um dos mercados com os maiores impostos sobre video games, o que sempre dificultou o lançamento de produtos oficiais por aqui – como o PS4 a R$ 4 mil não nos deixa esquecer. Só que parece ter outro fator bastante crucial nessa equação maldita para justificar esse passo para trás: má vontade.
Promessas vazias
Como o jornalista Fernando Mucioli apontou em seu perfil no Twitter, outras companhias estão atuando no Brasil sob as mesmas condições (e taxas) e nem por isso elas compartilham dessa visão de que o nosso mercado é inacessível. Sony, Microsoft, Ubisoft, Capcom e tantas outras que se aventuraram pelo mercado nacional encararam os mesmos desafios e, apesar de todos os contratempos, conseguiram se estabelecer de um jeito ou de outro por aqui. Então por que somente a Nintendo recuou?
Talvez a resposta esteja exatamente na postura da Big N de falar mais do que fazer que há anos víamos por aqui. “Eu trabalho cobrindo games faz quase 10 anos. Faz 9 que eu escuto a Nintendo dizendo que o Brasil é muito importante pra ela”, escreve Mucioli. E esse discurso se repetiu na última sexta-feira, quando van Zyll disse ao UOL Jogos sentir muito pela saída da empresa de nosso mercado.
É claro que não podemos ignorar as tentativas da empresa de realmente valorizar o país e seus fãs. O lançamento de Pokémon X/Y, Bayonetta 2, Mario Kart 8 e Super Smash Bros. for 3DS simultaneamente (ou quase) com o restante do mundo mostrava um aumento no interesse da companhia. Até mesmo a chegada tardia do Wii U foi vista com bons olhos, mesmo com a inexistência da eShop nacional.
Por outro lado, outros títulos permaneciam apenas na promessa. Pokémon Alpha Sapphire/Omega Ruby eram incógnitas, Captain Toad: Treasure Tracker simplesmente não teve distribuição oficial e a própria Nintendo pediu para que os jogadores ficassem conferindo nas lojas para ver se a versão de Wii U de Super Smash Bros chegaria ou não, já que nem mesmo ela tinha informações concretas sobre seu maior lançamento daquele ano. A impressão que tínhamos era de que a Big N estava perdida — ou simplesmente jogando a toalha aos poucos.
Só que a bagunça não para por aí. Questões mais importantes sempre ficaram em aberto. A chegada da loja digital do Wii U, o lançamento dos amiibos e até mesmo a localização de seus títulos sempre foram questões que a empresa não sabia responder. Em uma tentativa de entrevista que fiz durante a última E3, um representante da companhia na América Latina apenas respondia que “ainda não havia planos” para nenhuma das questões acima.
Te amo, mas não tanto assim
Antes que você comece a culpar a situação de nossa economia ou comece com aquela polarização política que não leva a lugar algum (você realmente acha que video games seriam prioridade em algum governo?), vale lembrar que a principal responsável por isso tudo é a própria Nintendo, que simplesmente queria atuar por aqui, mas sem correr qualquer tipo de risco.
Como Fernando Mucioli aponta, todas as demais empresas que se aventuraram no mercado brasileiro tiveram algum tipo de resultado — mas, antes disso, tiveram de se arriscar. A Microsoft investiu na fabricação do Xbox One na Zona Franca de Manaus para reduzir custos, a Sony produz seus jogos aqui e a Ubisoft abraçou o público com conteúdo localizado e uma participação intensa em redes sociais e todas elas parecem estar contentes com o desempenho dessas investidas até agora.
A impressão que fica é que a Big N simplesmente quer entrar em uma disputa em que seja virtualmente impossível perder, baseando-se apenas em sua enorme base de fãs. O problema é que isso também a impede de ganhar.
Esse tipo de posicionamento já é sentido em uma escala global, mas parece ser ainda mais intenso no Brasil, onde ela simplesmente se nega a tomar medidas para tornar as coisas mais competitivas. Tanto que, quando questionado pela Nintendo World sobre a possibilidade de voltar a fabricar seus lançamentos por aqui, como acontecia nos anos 90 com a Gradiente, Bill van Zyll explica que, apesar de a possibilidade ter sido considerada como uma alternativa ao encerramento total da distribuição, a execução não foi analisada por “falta de tempo”.
No entanto, a imprensa e os próprios jogadores questionam há anos o porquê de manter o sistema de importações mesmo com a alta carga tributária e as inconstâncias do dólar. Ainda assim, ela prefere continuar sem uma representação. E até mesmo sua projeção para o futuro segue essa linha “segura”, já que mantém a parceria com a panamenha Juegos de Video Latinamérica (ou seja, ainda importando produtos) em vez de fazer as coisas por aqui.
Já ao G1, o executivo foi mais direto e afirmou que a implantação de uma fábrica é algo caro, complexo e que, no fim das contas, o custo-benefício disso não seria a melhor saída. Então a melhor solução é simplesmente colocar a mochila nas costas e voltar pra casa? A gente sabe que algo desse porte não é barato, mas faz parte das regras do jogo. É preciso aceitar riscos e parece que a Big N não está disposta a isso, preferindo ficar somente no discurso. De novo.
Afinal, apenas sorria e acene.
Como ficam as coisas daqui para frente?
Já que a Nintendo não está disposta a jogar com incertezas, a bomba acaba caindo no colo dos fãs, que começam 2015 sem saber o que vão encontrar daqui para frente. Afinal, o que muda com a saída da empresa do mercado nacional?
A primeira grande questão diz respeito aos preços. Sem uma representação da Big N, voltamos a ficar à mercê de importadoras. Por mais que você não comprasse seus games em uma revendedora oficial, o valor cobrado por elas é visto como uma espécie de teto, o que ajudava a baratear nas lojas que traziam os jogos de fora.
Essa indefinição pode fazer com que os preços cobrados variem bastante daqui para frente. Por mais que o mercado não seja o mesmo do início dos anos 2000, quando realmente éramos reféns desse modelo, o aumento significativo no preço dos novos jogos é uma possibilidade, principalmente em tempos de dólar em alta. É claro que a convenção de “lançamento a R$ 199″ vai ajudar a frear essa inflação, mas a variação da moeda americana e até mesmo a “raridade” do item em questão podem pesar no fim das contas – como aconteceu com The Legend of Zelda: Wind Waker HD, que atingiu a marca de R$ 250 antes de a Nintendo trazê-lo de vez para o país.
O mesmo acontece com os amiibos, que são vendidos por aqui a partir dos R$ 100 sem uma representação oficial. Por mais que todos saibamos que o preço final não seria muito diferente disso, a dificuldade de importar os pequenos bonecos, aliado ao encerramento na produção de alguns deles, pode fazer com que o preço de algumas peças comece a galopar. A lógica deve ser a mesma das edições especiais do 3DS que nunca são lançadas no Brasil e chegam custando pequenas fortunas em comparação aos modelos básicos.
Outro ponto crucial e que segue na indefinição é a ausência de uma loja digital para o Wii U, o que deve tornar as coisas um pouco mais complicadas. Isso porque, quem possui uma conta brasileira não terá outra opção além de ir à caça em lojas na tentativa de encontrar aquele game — e, novamente, sem saber o que esperar do preço. O “lado bom” é que, no caso do 3DS, pouca coisa deve mudar.
Por outro lado, há a esperança de que as coisas não sejam tão drásticas assim. Afinal, apesar de o cenário parecer estar retrocedendo aos anos 2000, o consumidor não é mais tão ingênuo e vulnerável quando há uma década. Não só pelo valor considerado de tabela, mas também porque as opções para contornar isso tudo são várias. Em outras palavras, muita gente vai migrar com certeza para a loja canadense.
Porém, o que antes era apenas uma alternativa de muita gente para encontrar preços mais convidativos pode se tornar a única opção para encontrar determinados títulos. A gente realmente espera que os lojistas mantenham o bom senso, mas já é possível ver pessoas procurando um Wii U ou mesmo um 3DS antes que os estoques atuais acabem e o preço aumente.
Em um ano que tinha tudo para ser bem feliz para os fãs da Nintendo, 2015 começou bastante amargo. Por mais que estejamos empolgados com o novo The Legend of Zelda, Star Fox, Splatton, Xenoblade Chronicles X ou Majora’s Mask 3D, vai ser difícil esquecer esse golpe.
Por mais que a presença da empresa no Brasil não fosse aquilo tudo que esperássemos, ainda era alguma coisa – e o suficiente para atrair a atenção do consumidor. E, se mesmo assim ela considerou o mercado complexo e difícil demais para continuar atuando, não é preciso ser nenhum analista ou guru para prever que as coisas não vão melhorar em nada daqui para frente com o Mario nos dando as costas.
Pelo visto, os bonequinhos do McDonalds foram as últimas provas desse amor bandido que a Nintendo diz ter por nós.