Antes de colocar as mãos em Grim Fandango Remastered, eu não me lembrava a última vez em que havia travado em um game, sem saber o que fazer a seguir nem como progredir. Alguns leitores me lembraram sobre a jogatina de P.T., onde eu efetivamente abandonei o game antes de terminá-lo, mas isso aconteceu devido às loucuras de seu criador e não de uma inabilidade própria. Foi isso que a remasterização da Double Fine me proporcionou, uma volta ao passado, não apenas a um dos melhores adventures de todos os tempos, mas também a uma época em que games realmente nos desafiavam.
E não se trata simplesmente de um inimigo difícil demais, ou de alguma cena com desafio alto. Quem jogou qualquer adventure do passado sabe que, neles, morrer é impossível e o jogador conta apenas com sua capacidade de dedução, investigação e, porque não, imaginação para seguir adiante na história. É uma fórmula que, infelizmente, quase não existe na indústria atual, mas que mostra ainda ter todo o fôlego do mundo.
A escolha de remasterizar especificamente Grim Fandango, e não outros clássicos (superiores) da LucasArts como The Dig ou Full Throttle faz todo um sentido. Ele é o primeiro adventure tridimensional da empresa e, nesse sentido, nem mesmo seria correto chamá-lo de point and click, já que, aqui, não existem setas na tela. Toda a ação acontece de forma mais “tradicional”, com direcionais, botões e interação direta do personagem com os elementos do cenário.
É, também, uma jogabilidade que permite uma maior aproximação com as ofertas de hoje. Jogadores que babam por títulos como The Walking Dead ou The Wolf Among Us se sentirão totalmente em casa com os controles, enquanto os mais veteranos podem mudar a orientação da movimentação e jogar Grim Fandango ao melhor estilo tanque, como no original.
Os gráficos também recebem um belo de um tapa para se adequarem aos sistemas e visuais de hoje. Nada foi alterado, mas praticamente todas as texturas – como exceção das cutscenes, sempre elas – foram refeitas. Isso significa que temos aqui uma remasterização propriamente dita, e não um mero esticamento ou aplicação de filtros, como muitas vezes vemos por aí.
Esse trabalho, porém, tem seus pequenos problemas e eles aparecem nas falhas de performance que rolam aqui e ali. Em alguns momentos, Grim Fandango Remastered deixa perceber uma clara queda na contagem de quadros por segundo, enquanto em outros, pode chegar até mesmo a travar, como aconteceu em um recente gameplay aqui do NGP. Algo que pode atrapalhar grandemente a experiência, principalmente quando se fala de um game à moda antiga, sem salvamos automáticos de progresso.
Quem nunca jogou Grim Fandango não vai estranhar, e quem já havia terminado a aventura poderá perceber novos detalhes. Na história, o agente de viagens Manny Calavera embarca em uma trama de conspiração enquanto busca por uma cliente desaparecida. Ele é responsável por fazer a ponte entre os recém-falecidos e o descanso eterno, vendendo pacotes de acordo com a bondade de cada pessoa em vida. Rapidamente, porém, ele descobre que essa avaliação pode não estar sendo tão justa assim e que, mesmo no mundo dos mortos, o interesse financeiro ainda fala mais alto.
Toda essa saga é pontuada por visuais fortemente inspirados no folclore mexicano, com influências noir. Dessa mistura inusitada fazem parte monstros, caveiras, mafiosos, hipsters e, claro, mocinhos e bandidos. Descobertas estão ocultas a cada diálogo e não há personagem chato, insosso ou pouco interessante. Todos têm seu espaço e, muitas vezes, dá vontade de ficar conversando eternamente com eles.
Mas é preciso seguir em frente e o bate-papo não apenas vai te dar as dicas do que fazer a seguir, mas também entregar os troféus que todos nós adoramos colecionar. Como se precisássemos de incentivos adicionais para ficar conversando com Eva ou ouvindo as declarações ingênuas de Glottis…
Em seu menu de opções, a Double Fine mostra também porque é uma das desenvolvedoras mais conectadas aos anseios dos fãs no mercado atual. É claro, o grande destaque de Grim Fandango Remastered são seus gráficos repaginados e a trilha sonora regravada, mas quem quiser, também pode desligar tudo isso e aproveitar o game em sua montoeira de pixels, polígonos e pouco tratamento de cor que o tornaram clássico.
Mais do que isso, e em um aspecto que será comemorado apenas pelos fãs brasileiros, o título também traz a dublagem clássica, do lançamento nacional distribuído pela Brasoft. O áudio também aparece remasterizado, mas tão divertido como sempre, com todo o sotaque empolado digno da Sessão da Tarde e o cuidado primoroso com adaptação que tornaram a extinta companhia reconhecida e lembrada com carinho até hoje pelos jogadores.
Aqui, temos mais um exemplar de game que vale a pena ser jogado do começo ao fim em português, e um exemplo de dublagem bem feita diretamente de uma época em que esse tipo de coisa era uma regalia, e não uma obrigação, como muitos gamers com poucos anos de idade insistem em espernear.
Em teoria, Grim Fandango Remastered é parte integrante da onda re remasterizações que vêm deixando a geração atual com cara de era passada. Mas colocá-lo no mesmo nível que games como Tomb Raider Definitive Edition ou The Last of Us: Remastered não apenas seria injusto, como simplesmente errado.
Como se não bastasse termos aqui um game completamente repaginado e disponível em plataformas que nunca o receberam antes, temos aqui novidades que mais do que justificam jogá-lo novamente. Grim Fandango Remastered vem como um presente para fãs e como um título que deve ser experimentado pelos iniciantes, seja por sua carga clássica, pelo enredo instigante ou, simplesmente, por trazer uma inteligência que quase não existe na indústria atual.
Este game foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Sony.