Games no pulso não são exatamente uma novidade. Se você já está se aproximando da casa dos 30, como eu, deve se lembrar dos relógios com joguinhos que existiam em meados dos anos 90, trazendo títulos simples e bem mais básicos do que os vistos nos portáteis da época. Enquanto uns tinham Super Mario Bros. no GameBoy, quem optava pela união de video game e relógio ficava com premissas como guiar um carro desviando de obstáculos ou, no máximo, algum clone de Tetris.
A ideia, claro, não deu muito certo, e os relógios com games foram renegados a um ostracismo que nem mesmo o Angry Video Game Nerd, notório escarafunchador de coisas que ninguém se lembra, fez muita questão de citar. Duas décadas são capazes de mudar muita coisa, mas aparentemente, não esse aspecto específico, pelo menos pelo que não mostrou a Apple em um evento nesta segunda-feira (09).
Na apresentação ao vivo, a companhia anunciou para o dia 24 de abril o lançamento do Apple Watch, seu relógio inteligente que, como vimos, parece pouco mais do que um acompanhante para seu celular. Se você tem preguiça de tirá-lo do bolso, agora poderá atender chamadas, responder mensagens, ler a agenda do dia e acompanhar seus exercícios físicos pelo pulso. Essa “comodidade”, claro, vai custar algumas centenas de dólares – ou milhares de reais, quando chegar ao Brasil.
Mas, ao contrário do que vimos em praticamente todos os eventos recentes da Apple, os games não deram as caras por aqui. Em acontecimentos recentes, os joguinhos foram destaque, principalmente para exibir o poder de processamento dos aparelhos novos. Teve até MOBA exclusivo para celulares e tablets sendo anunciado, mas no caso do Watch, o que tivemos foi um silêncio absoluto sobre esse tipo de questão.
Mundos virtuais como os que já existem hoje
A primeira e mais óbvia ideia é utilizar os sensores voltados para a prática de exercícios e localização também para games. Isso é algo que já existe hoje, por exemplo, em títulos como Zombies, Run!, um jogo para iPhone que pega a já batida ideia de um apocalipse zumbi e torna o cooper diário dos usuários mais instigante, com sons dos mortos-vivos e uma busca incessante por suprimentos.
Temos também os títulos de realidade aumentada, como Father.io, que tenta transformar os celulares das pessoas em armas de um FPS do cotidiano. Aqui, existem possibilidades um pouco mais interessantes: um título ao estilo Watch Dogs no qual o relógio inteligente seria usado como ferramenta de espionagem para roubo de dados em locais do mundo real, ou então uma guerra de facções em eventos cheios de gente.
Mas a única diferença real, aqui, seria que os jogadores poderiam acompanhar as estatísticas, progresso e itens coletados pelo pulso, em vez do celular. Nada de novo seria trazido pelo novo dispositivo, ou seja, a mesma ideia que todos, nas redes sociais, estão tendo do próprio Watch – ele é nada mais do que um acessório de luxo para o iPhone, e uma nova maneira de interagir com ele, mas pouco (ou nada) mais do que isso.
É o caso, por exemplo, da Electronic Arts, que estaria preparando em uma extensão de Real Racing 3 para o Apple Watch. Pelo pulso, o jogador poderia mandar carros para o conserto, acompanhar os tempos de amigos ou conhecer detalhes sobre novos eventos, marcando os de interesse para que eles sejam realizados mais tarde, no celular ou no tablet.
É esse tipo de proposta que, conforme publicou o site 9to5 Mac, deve permear a oferta de games do Apple Watch. De acordo com fontes ouvidas pelo site, o ecossistema de títulos do iOS estará bem representado no lançamento do relógio, mas em sua maioria, os apps serão apenas novas formas de interagir com títulos free-to-play, principalmente. Afinal de contas, todos estamos muito empolgados para pedir vidas aos amigos pelo relógio, não é verdade? (não).
Vale a pena falar ainda sobre a coroa do Apple Watch, que serve como um botão físico no aparelho. Seria uma forma de controle, claro, mas não dá para imaginar muita inovação de um “joystick” que gira para cima e para baixo. Com certeza, serve para controlar melhor um Pong ou Space Invaders da vida, mas está longe de ser suficiente para fundamentar uma revolução.
Por outro lado, imagine se o Apple Watch pudesse ser usado como uma segunda (ou terceira?) tela. Em Alien: Isolation, por exemplo, o sensor de movimentos da personagem principal poderia estar, literalmente, nas mãos do jogador, deixando a interface do próprio game ainda mais livre e ampliando a imersão. Temos aqui, claro, mais uma ideia de extensão, só que uma bem mais interessante
Fábrica de sonhos
É claro que, como o iPhone e no iPad, a ideia da Apple é dar todo o poder aos desenvolvedores. Foram eles que fizeram a fama de tais aparelhos e, agora, devem realizar o mesmo com o relógio. A diferença é que, enquanto de um lado a criatividade imperou baseada nas funcionalidades dos próprios produtos, agora, tirando uma ou outra ideia genial, os eventuais jogos para o Watch devem cair na mesmice de serem nada mais do que extensões do que já fazemos no celular.
O que não contamos, por outro lado, é com o poder absurdo da Apple em criar necessidades e transformar algo que nem sabíamos querer em um objeto de desejo gigantesco. Ninguém precisava de tablets há alguns anos, afinal de contas, já tínhamos os smartphones, e antes disso, ainda, telas sensíveis ao toque eram péssimas e estavam longe de se tornarem uma base da indústria. Avance a fita para os dias de hoje e veja como tudo mudou com o toque da Maçã.
A expectativa de muitos especialistas é de sucesso. A consultoria BMO Capital Markets, por exemplo, prevê que serão 19 milhões de Apple Watches vendidos apenas no primeiro ano do aparelho nas lojas. Esse número deve chegar a 36,5 milhões até o final de 2016, colocando o relógio em muitos mais pulsos do que os modelos que já estão no mercado e, mais do que isso, levando muito desenvolvedor a olhar a plataforma com mais carinho, seja para ganhar mais dinheiro com suas soluções ou levar suas ideias para mais gente, em um meio diferente.
E é justamente dessa liberdade que devem surgir aquelas ideias que nós, reles mortais, nem conseguimos imaginar. Quem diria que a obra de M.C. Escher se tornaria um dos games mais fantásticos dos últimos tempos? Ou que um dia as pessoas estariam tendo seus dias estragados por um passarinho meio feio que voa no meio dos canos? Ou que os celulares e tablets estariam bem próximos de se equiparar, em importância e qualidade, aos jogos de PC e consoles? Fica a dúvida: será que vamos falar a mesma coisa sobre o Apple Watch daqui a alguns anos?