Em uma sacada que vem sendo quase tão elogiada quanto criticada pelos fãs, o jornalista Marcelo Rezende aparece apresentando um comercial de Battlefield Hardline, que você pode ver acima. Intercalando sua imagem e seus jargões a cenas do game. O apresentador aparece anunciando a pré-venda digital do game, que também está acontecendo no Brasil por meio das redes PSN, Xbox LIVE e Origin, e pela cara, deve ser exibido no YouTube antes dos vídeos escolhidos, como estamos acostumados a ver.
Mas a genialidade da escolha – contrastando com as recentes decisões equivocadas quanto aos elencos de localizações para português – vai bem além da presença de um apresentador de um programa policial para anunciar um game justamente sobre o assunto. Afinal de contas, estamos falando de um jornalista que, há pouco menos de dois anos, estava na televisão ao vivo falando isso aqui:
Para quem não se lembra, Rezende estava falando do caso Pesseghini, no qual Marcelo, de apenas 13 anos, matou os pais, a avó e a tia-avó. A investigação controversa, com ares de conspiração, ficou ainda mais complicada para nós, os gamers, quando descobriu-se que o garoto utilizava uma foto de Ezio, um dos protagonistas de Assassin’s Creed, como seu avatar no Facebook.
Rapidamente, e como já aconteceu antes, a mídia se apressou em associar a violência do caso aos jogos, com o próprio Rezende afirmando que toda a ação, para Marcelo, pode ter sido “como um joguinho”. A declaração teve o endosso de uma especialista, que falou na existência de uma influência nociva dos games e da banalização da morte. Todo o comentário é cheio de desinformação. Nós sabemos disso, mas a maioria do público que estava assistindo, não, e o desastre estava feito.
Nas redes sociais, rapidamente, a TV Record se transformou em inimiga dos gamers e se acumularam os vídeos em resposta às falas veiculadas pela Record. A Ubisoft respondeu, na época, mostrando solidariedade à família das vítimas e sendo categórica, afirmando que não existem estudos que associem atos de violência a obras de ficção, sejam elas de qualquer tipo.
Dias depois, o próprio Rezende fez uma retratação ao vivo, em seu programa, e admitiu que estava errado. “Tem crianças pelo mundo jogando [Assassin’s Creed], e nem por isso temos uma quadrilha de crianças matando. A questão é um pouco diferente”, começa ele, antes de chamar o psicanalista Jacob Goldberg para falar um pouco mais sobre o game e os motivos que teriam levado Marcelo a cometer o crime.
https://www.youtube.com/watch?v=nTs0nIKbN5s
Falando o que o mercado quer ouvir
Como bem disse Rezende, o buraco realmente é mais embaixo. E não, não tem a ver com as pesquisas sobre os reflexos de jogos violentos na vida de crianças e adolescentes, nem com a possibilidade de eles serem ou não o motivador para crimes. No final das contas, a questão acaba se resumindo a dinheiro – mas não de forma que muita gente está comentando, sobre como o jornalista “se vendeu” ao fazer o comercial. A questão toda, na realidade, tem mais a ver com o mercado em si.
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos e Europa, por exemplo, os jogos estão longe de serem considerados uma mídia mainstream. Lá, temos prédios transformados em outdoors gigantescos de GTA, paradas de ônibus com pôsteres de Middle-Earth: Shadow of Mordor, e por aí vai. No Brasil, porém, o máximo que temos são anúncios online em sites de entretenimento ou aqueles cubos de papelão em cantos específicos de lojas de departamento ou livrarias. É um mercado gigantesco, para nós, e com grande influência, sabemos disso. Mas a questão é que apenas nós, os gamers, temos conhecimento disso, e não o público em geral.
Por mais que a gente comemore o fato de jogos em português terem se tornado padrão por aqui, ainda temos uma indústria que começa a dar seus passos. Para o público em geral, os jogos não são aquele segmento que gera mais dinheiro que o cinema, mas sim, aquela “brincadeira” com a qual você perde algumas horas do seu dia. Não traz histórias épicas, mas sim, apenas desenhos que só andam pela tela ou batem sem parar uns nos outros. Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu algo desse tipo de um familiar.
Sendo assim, e levando em conta a tendência ao sensacionalismo e polêmica dos quais programas do “mundo cão” sobrevivem, é muito fácil traçar um paralelo entre a ação de Pesseghini, sua foto no Facebook e a série Assassin’s Creed. Ao falar sobre o game, Rezende estava fazendo mais do que apenas emitir uma opinião equivocada – ele também estava falando o que o público gostaria de ouvir, e acima de tudo, o que os patrões, donos da TV Record, também querem que seja veiculado.
Tudo mudaria, porém, caso vivêssemos em uma situação como a que descrevi logo acima. Todo mundo sabe que veículos de comunicação, seja quais forem, dependem de publicidade para sobreviver. E que televisão, em sã consciência, emitiria opiniões tão vazias e errôneas sobre um anunciante? Com que cara, por exemplo, ficaria o apresentador caso sua fala sobre Assassin’s Creed fosse seguida por uma propaganda da Ubisoft? Nenhuma, pois ele simplesmente não faria isso, ou pelo menos, faria com mais propriedade e pesando os dois lados de toda a questão.
É isso que acontece lá fora. Temos, sim, os políticos, apresentadores e organizações que advogam contra os games e acham que tudo deve ser proibido por serem nocivos à juventude. Ao mesmo tempo, também temos programas como o do apresentador Conan O’Brien, que com o quadro “Clueless Gamer”, mostra em horário nobre o lado divertido de tudo isso. Comerciais de Call of Duty aparecem logo depois de propagandas de detergente, e antes do reclame sobre o jogo de futebol americano da semana. Todos tem sua opinião, os pontos de vista são mais levados em conta.
O mercado, esse sim movido pelo dinheiro, modifica tudo. Altera a abordagem do noticiário, a forma como as coisas são ditas no ar e, nesse caso, também a postura de um apresentador que já havia, antes, admitido estar errado, e agora, chega a evidenciar o bem nisso tudo afirmando que jovens estão acabando com quadrilhas usando o controle. E é justamente aí que está a grande genialidade da proposta da Warner Games do Brasil com tudo isso – mais do que uma grande ironia, a contratação de Rezende pode acabar mudando a forma como as engrenagens de todo esse sistema giram.
É bastante ingênuo pensar que tudo vai ser melhor a partir de agora, porque provavelmente não vai. Mas com certeza, estamos em um cenário mais positivo hoje do que estávamos ontem, e isso, por si só, já é algo louvável.