Quando o cientista decidiu dar vida à sua criatura, em Frankenstein, ele tinha a melhor das intenções. Como um pesquisador, ele sabia o que fazia com que aquele corpo fosse humano e o que era preciso para que ele respondesse e funcionasse como o de qualquer outra pessoa. No entanto, mesmo com seu experimento sendo inicialmente um sucesso, ele logo percebeu que alguma coisa havia dado errado. Apesar de ter seguido todos os procedimentos, faltava algo: o monstro não tinha alma.
E, assim como acontece na literatura, a Ubisoft também caiu na armadilha de se apegar a uma cartilha para criar algo que, embora funcione no conceito, ainda parece sem vida. Tecnicamente, Assassin’s Creed Chronicles: China é impecável e traz todos os elementos necessários tanto para renovar a série quanto para fazer com que aquela proposta diferenciada funcione muito bem. Só que ele não consegue ser divertido.
Desse modo, a tão esperada estreia da série no Oriente fica aquém do que os fãs esperavam. Mas não porque o jogo é ruim ou problemático. O estúdio simplesmente não se preocupou em manter a essência da série na equação, tirando aquilo que tornava a franquia única. Assim, por mais que tenhamos belos visuais e uma mecânica muito boa, Chronicles: China se desenvolve de maneira insossa e sem o charme que nos conquistou até aqui.
O mais curioso diss tudo é que, na teoria, o novo Assassin’s Creed tinha tudo para ser um sucesso. Ele é um grande aglomerado de boas ideias que, surpreendentemente, não empolga. Olhando de maneira completamente objetiva, Chronicles: China era tudo o que a série precisava, mas não consegue chegar lá.
E um dos principais pontos para esse deslize está exatamente no modo como o jogo é conduzido. O estilo plataforma 2.5D funciona muito bem para reinventar a série e cria situações bem interessantes — principalmente pelo uso de perspectiva para criar um cenário bem complexo —, mas algumas mudanças feitas para adaptar o game a essas novidades não funcionam tão bem.
Exemplo disso é a própria jogabilidade. Chronicles: China se aproxima muito mais de um jogo de portátil do que um de console. E isso faz com que ele fique completamente sem identidade e deslocado nos sistemas para os quais foi lançado.
Dividido em capítulos curtos e totalmente pensado para ser jogado em partidas breves, ele segue uma dinâmica que funciona muito mais em um Vita ou 3DS do que no PS4, Xbox One ou PC. Ao trazer uma experiência fragmentada, ele simplesmente não se desenvolve da forma como deveria, o que faz com que o jogo não empolgue em momento algum. Ele até tenta criar momentos mais impactantes, mas essa quebra é tão forte que você não consegue sair do marasmo no qual o título se afunda.
Isso afeta também o desenrolar da história. Como o enredo só pode ser trabalhado no início e no final de cada fase, o novo Assassin’s Creed não consegue se aprofundar em nada, fazendo com que a trama que tinha tudo para expandir o universo da série se torne algo banal. Tanto que nem mesmo a ligação com Ezio e o curta Assassin’s Creed: Embers consegue fazer com que as coisas fiquem mais interessantes.
Mais do que isso, Chronicles: China tropeça naquilo que mais marca a franquia: o apelo histórico. Embora a saga de Shao Jun esteja vinculada à invasão dos mongóis à China no século XVI, isso está presente na trama apenas de maneira superficial e é pincelado somente em momentos bem pontuais, a ponto de você às vezes se esquecer de quando o game se passa.
Por outro lado, não há como ignorar os acertos que o jogo tem. A mecânica de exploração do cenário 2,5D é o grande destaque, principalmente por se encaixar muito bem na proposta que valoriza muito mais o stealth do que ação propriamente dita. O foco aqui não é sair matando todo mundo, mas permanecer invisível ao longo de todo o nível e se aproveitar de todos os itens e acessórios disponíveis para distrair os inimigos. Tanto que o próprio sistema de combate é punitivo o suficiente para fazê-lo ficar longe qualquer confronto desnecessário.
Porém, esse foco em mortes silenciosas acaba sendo levando tão à risca que ele está presente até mesmo os momentos em que ele não deveria. Dependendo da forma como você avança, Chronicles: China conclui a batalha contra os chefes com um único botão. Apesar de a história se desenvolver muito mal, você ainda espera enfrentar os Templários de igual para igual, principalmente após todas as cenas que os mostram como uma grande ameaça — o que acaba se provando uma grande piada.
Já em termos visuais, não há nem o que comentar. Essa nova linha de Assassin’s Creed vem com uma pegada visual bem diferente dos gráficos da série principal e o resultado é bem positivo. A ideia é recriar a arte chinesa a partir de um efeito de aquarela que deixa tudo muito bonito e ajuda a construir a ambientação que o jogo não consegue fazer na parte narrativa.
No fim das contas, Assassin’s Creed Chronicles: China é uma ótima ideia executada de uma forma bem medíocre. Ele não é um jogo ruim, mas se contenta em ficar limitado à própria mediocridade. Sem altos e baixos de destaque, ele prefere nadar no raso e não se arriscar do que apostar naquilo que ele tem de novo e de diferente, sendo algo sem graça.
E isso afeta aquilo que há de mais importante em um jogo: a diversão. De nada adianta juntar um monte de elementos que funcionam muito bem na teoria, mas não ser capaz de juntar tudo isso com algo que realmente anime o jogador.
No fim das contas, ao mesmo tempo em que a Ubisoft falhou ao repetir o erro de Frankenstein, seu erro foi exatamente o de não ter tentado ser como o cientista. Ainda que ela tenha seguido a cartilha para criar algo diferente, faltou coragem para ousar e criar algo realmente único e não apenas um amontoado que, no papel, funciona. Faltou coragem para fazer com que sua obra realmente tenha vida.