Life is Strange

Life is Strange: E03 - Chaos Theory

por Durval Ramos

Desejo e reparação

Ninguém está preparado para a perda. Seja de algo que temos ou mesmo de alguém querido, lidar com a ausência é algo que machuca e incomoda. É um sentimento dolorido e que se torna ainda mais impactante quando você se considera responsável por aquilo. A culpa é algo que nos corrói constantemente, mas que quase nunca conseguimos evitar.

E o novo episódio de Life is Strange traz exatamente o debate sobre a difícil tarefa de seguir em frente quando algo importante vai embora. Como encarar o mundo quando algo importante se foi e que mostrou o quanto você foi incapaz de evitar aquilo? Ou pior, como conviver com a ideia de que a culpa por tudo aquilo é sua?

Life is Strange

São essas as respostas que Max tenta encontrar em Chaos Theory. Afinal, independente de como o episódio anterior terminou, o sentimento de derrota e impotência foi uma constante para todos os jogadores e a tarefa deste novo capítulo é juntar o que restou de nós para seguir em frente — mesmo que, para isso, tenhamos de encarar muitas das verdades de que tentamos fugir.

A dor que nos une

Após o incidente com Kate, muita gente se questionou se o jogo não havia alcançado seu clímax cedo demais. Embora ainda hajam muitas perguntas a serem respondidas, a impressão era de que o game chegou ao seu ponto mais alto muito rápido e parecia pouco provável que teríamos algum momento tão impactante quanto vimos anteriormente. Só que, com Chaos Theory, a Dontnod nos surpreende novamente.

Life is Strange

A partir da dor e da perda, Chaos Theory trabalha a culpa existente em cada uma das personagens e as formas como cada uma delas lida com tudo isso. E essa fragilidade é o que as aproxima de nós.

Contudo, desta vez, o tom da trama é um pouco diferente. Com um clima um pouco mais leve, o novo episódio é como aquele momento de respiro que às vezes precisamos após um grande choque. A água com açúcar logo depois de um susto. E, embora pareça estranho imaginar essa descontração após tudo o que vimos, faz todo o sentido vermos as personagens fugindo por um instante para processarem o que houve e se situarem dentro da reviravolta em suas vidas.

Por isso, Chaos Theory funciona muito mais como um capítulo intermediário do que uma continuidade direta. E, nesse entreato, Life is Strange encontra a oportunidade ideal para aprofundar as relações entre Max e Chloe, assim como alguns pontos importantes da personalidade de cada uma dela.

Dar uma pausa no frenesi da trama para destacar a amizade entre as duas protagonistas se revela o grande charme do episódio. A humanidade de seus personagens já tinha sido um ponto que chamava a atenção no jogo, mas ainda faltava algo que estabelecesse uma conexão de verdade entre as duas e que ligasse tudo isso com o jogador. E é exatamente isso que Chaos Theory faz.

Life is Strange

A dupla aproveita a calmaria que sucede a tragédia do episódio anterior para rever não apenas os recentes acontecimentos, mas também o que elas fizeram com suas vidas. E nada une mais as pessoas do que a dor — e é aí que a gente conhece um pouco mais sobre os fardos que cada uma delas carrega, a culpa que se esconde por trás dos comportamentos impulsivos e o arrependimento que se transforma em introspecção.

Depois de todas as reviravoltas do episódio anterior, life is Strange traz um momento de calmaria para processar informações e aprofundar relacionamentos. Um entreato para respirarmos — mas por pouco tempo.

Com isso, Life is Strange se aproxima mais uma vez de nós a partir de nossa fragilidade. Max e Chloe são tão quebradas e fracas quanto qualquer pessoa, repletas de demônios interiores e de sentimentos que as consomem. E cada uma delas lida com isso de uma maneira, o que é melhor trabalhado ao longo do episódio. Assim, não é difícil se identificar com a fuga ou com o isolamento que cada uma delas cria para lidar com seus problemas.

Mais do que isso, a Dontnod trabalha a ideia de como todos nós vivemos baseados em frágeis incertezas. Construímos nossa própria realidade a partir de pequenas mentiras para que seja mais fácil lidar com a culpa e, consequentemente, seguir em frente. E o que acontece quando somos confrontados por aquela incômoda verdade?

Life is Strange

E é diante desse questionamento que Chaos Theory alcança seu auge. Se a impotência diante do inevitável era avassaladora, o que dizer do extremo oposto disso? E se a sua tentativa de arrumar as coisas apenas piorarem tudo de maneira irreversível?

Recomeçar?

Enquanto Out of Time caminhava para uma tragédia previsível — mas igualmente chocante —, Chaos Theory prepara uma armadilha que pega o jogador de surpresa no último minuto. Ele reforça vínculos e cria novos para cortá-los de maneira brusca e ainda mais impactante. Tanto que é impossível você não terminar o capítulo sem um sonoro xingamento.

Life is Strange

Chaos Theory é o melhor episódio de Life is Strange até agora. Ele resume todos os acertos da Dontnod tanto em termos de evolução de personagem, desenvolvimento da trama e uso de mecânicas.

Life is Strange vem se provando como um dos melhores títulos do ano e este episódio é a maior prova disso. Ele resume todos os acertos da Dontnod, seja com o desenvolvimento de seus personagens, as reviravoltas e significados da trama ou pela jogabilidade que realmente faz sentido dentro da propostas e ajuda a contar a história. Tudo ali tem uma razão de existir e de se comunicar com o jogador.

No entanto, o grande mérito está em não tentar dar respostas ou tratar de maneira piegas as questões humanas que o jogo levanta. Merdas acontecem e, na maioria dos casos, não há nada que possa ser feito. A culpa nos corrói e a tentativa de saná-la quase sempre nos leva a piorar toda a situação. E o game teve, até agora, a coragem de tratar isso sem aquela aura de auto-ajuda.

No fim das contas, Life is Strange nos lembra que a dor nos une tanto quanto qualquer outro sentimento e se aproveita dessa relação para contar sua história da melhor forma possível. Às vezes, a gente não procura redenção e nem uma forma de esquecer nossos erros, mas apenas alguém com quem compartilhá-los — mesmo que seja do outro lado de uma tela.