Recentemente, li alguém falando nas redes sociais que, quando criança, costumava enfiar o cabo do controle do video game embaixo da televisão e fingir que estava jogando os filmes e programas que passavam nela. Não existe forma melhor de definir a experiência com South Park: The Stick of Truth já que, mesmo nos momentos de jogabilidade, a impressão que dá é que se a série tivesse um episódio inspirado em RPGs clássicos, ele seria exatamente assim.
Mas não ache que a inspiração em jogos antigos desse gênero é um empecilho, muito pelo contrário. Palavra de quem não gosta de temas medievais e não tem paciência com RPGs. South Park: The Stick of Truth vai além disso, feita sob medida para qualquer fã da série e plenamente jogável e entendível até mesmo por quem nunca assistiu a nenhum episódio. E, acima de tudo, é uma experiência extremamente divertida.
Apesar de não contar com a tradicional abertura, The Stick of Truth começa exatamente como um episódio de South Park. Acompanhamos a história de um personagem sem nome, que chega à cidade como portador de um grande segredo, escondido dele até mesmo pelos próprios pais. Assim que termina a mudança, ele é incentivado a fazer amigos e, bem rapidamente, acaba envolvido no RPG que está sendo jogado por Cartman e sua galera.
Durante todo o tempo, e mesmo durante os combates, os gráficos retratam exatamente aquilo que pode ser visto todas as semanas na televisão. E é aqui que está o primeiro grande acerto da desenvolvedora Obsidian Studios, que não cometeu o mesmo erro de jogos anteriores da franquia, tentando aplicar perspectivas tridimensionais ao título.
Como se já não bastasse o respeito e integração ao folclore da série, The Stick of Truth faz questão de respeitar também o universo em que South Park está inserido.
Se você está acostumado a assistir aos episódios da série em alta definição, sabe exatamente o que vai encontrar aqui. South Park: The Stick of Truth carrega exatamente os mesmos visuais da televisão, investindo o tempo todo em temas e elementos facilmente reconhecíveis que aparecem desde o desenho dos personagens até elementos do cenário e ambientação.
O envolvimento do South Park Digital Studios, aberto pelos próprios criadores da série para lidar com projetos de games da franquia, também é um grande ponto positivo. Não apenas o roteiro é de autoria de Trey Parker e Matt Stone, como toda a criação e desenvolvimento foi supervisionada por eles de forma a garantir autenticidade total.
O conhecimento de personagens, elementos e da cultura do show como um todo permitiu a utilização de sacadas tão fenomenais quanto cruéis, exatamente como vimos na televisão. Só a mente transtornada de Parker e Stone poderia inventar ideias como a de usar Jimmy como o Bardo da aventura ou pensar em um toroço – traduzido no Brasil como badalhoca – como arma.
E é justamente esse tipo de quesito que nos leva ao segundo ponto alto do jogo. Como se já não bastasse o respeito e integração ao folclore da série, The Stick of Truth faz questão de respeitar também o universo em que South Park está inserido. Aqui, nada de distorções de realidade, tudo se passa no “mundo real” da franquia.
Isso se traduz em uma história, batalhas e itens que existem apenas na imaginação dos personagens. Biscoitos e um nacho mexicano servem como poções de cura ou ressurreição, enquanto água mineral e café funcionam como elixires que curam estados especiais de dano ou garantem ataques extras. Peidos são magias e adultos funcionam como invocações especiais, como summons ao melhor estilo Final Fantasy.
Até mesmo as armas e armaduras usadas pelos protagonistas são feitas de objetos domésticos, encontrados no dia-a-dia. Não fosse a perversão constante de South Park, daria para dizer até mesmo que Stick of Truth tem um clima pueril. Afinal de contas, na infância, quem nunca pegou dois pedaços de pau e brincou de lutinha com os amigos?
A ideia de estar diante de RPGs normalmente traz uma série de conceitos ligados a ela, como a busca constante por itens, o gerenciamento de inventários e modificações para equipamentos, além da busca constante por níveis de experiência maiores. Tudo isso está presente em South Park: The Stick of Truth, mas foi trabalhado pela Obsidian de forma a permitir que até mesmo os novatos ou haters do estilo gostem do game.
O jogador, por exemplo, não vai perder um tempão enfrentando inimigos menores de forma a acumular pontos de experiência para enfrentar ameaças mais fortes. O jogo é totalmente focado na progressão e os níveis de seu personagem servem apenas para liberar novas habilidades e dar novos poderes a ele, variando a jogabilidade e sempre adicionando novidades ao seu estilo de luta.
Mas isso não significa que os combates sempre serão fáceis. A desenvolvedora investe nos tipos mais diferenciados de oponentes para garantir que um combate seja diferente do outro. Apesar da inteligência artificial nem sempre significar que eles tomarão a melhor decisão em relação às duas habilidades, o sistema de South Park: The Stick of Truth contribui para que o usuário tenha que constantemente mudar sua abordagem e aprenda a tratar cada inimigo de forma diferente.
O jogo é totalmente focado na progressão e os níveis de seu personagem servem apenas para liberar novas habilidades e dar novos poderes a ele, variando a jogabilidade e sempre adicionando novidades ao seu estilo de luta.
Os itens variados e modificações de armas também estão lá, mas aparecem com apenas um atributo, relacionado à força ou defesa, e de forma bastante simplificada. O mesmo vale para as modificações, aqui chamadas de remendos, que têm descrições simples e apresentam melhorias claras. Brincar de misturar tais itens pode render vantagens especiais no combate e te tornar quase invencível perante os elfos que querem roubar o “pau da verdade”.
O problema é que esse aspecto do game, bem como a localização por meio do mapa, a seleção de companheiro de combate e também o gerenciamento de itens acontece por meio de uma interface bastante complicada e suja, de pouca usabilidade. Uma parte integrante do game é conquistar amigos por South Park e o jogo faz isso por meio de um sistema semelhante ao Facebook. O problema é que não apenas o visual foi emprestado da rede social, mas também sua complexidade de utilização.
São muitos menos unidos em uma única interface e a mudança entre eles apresenta delays de carregamento, já que diversos elementos precisam ser exibidos de uma só vez. Em uma tentativa de resolver isso, a desenvolvedora criou atalhos que utilizam os direcionais digitais do controle, igualmente pouco intuitivos e difíceis de decorar. O resultado é a abertura quase constante de opções erradas até que você, finalmente, decore o que cada opção representa.
Esse problema de jogabilidade se estende também aos combates, que utilizam não apenas a estratégia e a calma das batalhas por turnos, mas também a rapidez e agilidade dos QTEs. Em outros momentos da aventura, será preciso usar habilidades especiais adquiridas pelo protagonista ou seus amigos.
A impressão que fica, com tudo isso, é que a Obsidian quis criar mais elementos e funções do que os controles atuais são capazes de suportar.
A questão é que diferentes personagens possuem diferente ataques e a utilização dos botões também varia. Um pum bem sucedido envolve movimentos sincronizados dos dois analógicos, enquanto o botão para controlar seu parceiro, disparar flechas ou utilizar a sonda anal, por exemplo, são os mesmos.
A impressão que fica, com tudo isso, é que a Obsidian quis criar mais elementos e funções do que os controles atuais são capazes de suportar. O resultado são vários botões diferentes sendo usados para atividades semelhantes e pressionamentos errados e confusos estragando o que poderia ser um combate perfeito.
Estes são fatores que, aliados aos problemas dos menus, podem acabar afastando alguns jogadores e minando justamente o trabalho realizado para tornar o jogo acessível e simples. Por outro lado, essa é uma dificuldade com a qual vale a pena lidar já que, mesmo com suas falhas, South Park: The Stick of Truth constitui um dos melhores jogos de 2014 até agora e, com certeza, um dos RPGs mais divertidos dos últimos tempos.