A criação de mundos pós-apocalípticos no entretenimento não é novidade nenhuma, principalmente nos últimos anos. Com nomes como The Last of Us, “Eu Sou a Lenda”, “The Walking Dead” e outros sendo grandes representantes desse universo, pode parecer difícil imaginar o que de diferente e novo pode ser feito nesse sentido. Foi justamente por isso que, ao criar The Division, a Ubisoft decidiu seguir por um caminho fora do usual e mostrar uma crise ainda em andamento.
O jogo se passa nos momentos seguintes a uma grande infecção viral, que atingiu a cidade de Nova York durante a Black Friday e transformou a Grande Maçã em apenas uma violenta lembrança daquilo que era antes. E você está no meio de tudo isso, representando não apenas o lado mais humano (ou não) dessa história, mas também a frágil esperança dos habitantes de que ainda exista civilidade.
É justamente esse um dos grandes pontos do game para Tommy Alvarez, o artista responsável por alguns dos cenários que atravessaremos em The Division. Eles, por si só, são uma estrela, quase tanto quanto a crise que se instaurou na cidade, e desempenham um papel importantíssimo não apenas na jogabilidade, mas também na forma como essa história é contada.
Como lidar com um mundo que, mesmo ainda não tendo acabado, parece se aproximar perigosamente do fim? Foi justamente sobre esse tipo de coisa e as influências da obra do saudoso Tom Clancy que conversamos com o designer durante a Brasil Game Show 2015, um papo que você confere agora:
- New Game Plus: Nas histórias de Tom Clancy, temos uma tradição de militarismo e realismo, com armas de verdade e histórias bem plausíveis. Como isso funciona em The Division, e de que forma vocês mantiveram a verossimilhança ao mesmo tempo em que apresentam uma visão de futuro para o jogador?
Tommy Alvarez: Como tudo quando se fala em Tom Clancy, temos uma história que não é real, mas que poderia ser. The Division é uma metáfora do quão frágil é nossa sociedade, temos um sistema extremamente complexo, mas que também é como um castelo de cartas – tire uma e tudo pode acabar ruindo. No game, o vírus se espalha na Black Friday, o dia mais consumista do ano, e é transmitido por meio do dinheiro, algo que é possível de acontecer. Um dos objetivos do jogo é saber quem causou tudo isso e por que.
Desde o começo sabíamos que, por ser um game baseado nas histórias de Tom Clancy, tínhamos que manter um pé muito firme na realidade. Mas também pensamos que liberdades criativas, principalmente quando trazem apelo para os jogadores, são necessárias. Isso se aplica principalmente a equipamentos como armas, por exemplo, que são recriados de forma extremamente realista mas possuem algumas adições tecnológicas.
Temos, por exemplo, uma metralhadora montada que pode ser carregada pelo jogador e colocada em qualquer lugar para proteção. Temos drones e outros equipamentos que trazem vantagens no combate. É altamente tecnológico, mas não super futurista, e já vemos algumas coisas assim por aí.
- NGP: Todo esse trabalho contou com consultoria militar?
TA: Contamos com especialistas em situações de caos e emergência, gente que esteve envolvida diretamente nos trabalhos durante o atentado de 11 de setembro, por exemplo. Eles explicaram como funcionaria, por exemplo, um esforço de evacuação de uma cidade e por onde as pessoas sairiam. Em uma infecção, mostraram quais áreas seriam fechadas em quarentena e quais os locais seguros para os habitantes saudáveis. Esse trabalho foi muito importante na construção do mundo.
- NGP: Em The Division, todo o mundo está diferente e bem próximo do fim. Mas, ao mesmo tempo, o jogo é altamente focado em combate. Além de munição, vamos cuidar também do gerenciamento de recursos como comida e água?
TA: Não pensamos neste mundo como “pós-apocalíptico”, pois isso traz uma impressão de que tudo está perdido. Estamos no meio de uma crise e o jogador é chamado como agente com a missão de tentar restabelecer Nova York em meio a todo o caos. Muita gente morreu, outros tantos estão doentes, mas ainda existe esperança. Mercenários e bandidos tomaram conta da cidade e sua principal missão é recuperá-la.
Na história, todos os serviços básicos não funcionam mais. Não há água, quase não temos eletricidade e a comida está acabando. Ao longo do jogo, você terá sim que lidar com esses recursos, mas não de forma hardcore. Você não morrerá se ficar sem comer, por exemplo, mas fazer isso recuperará sua energia.
- NGP: A Ubisoft continua com uma grande tradição em jogos de mundo aberto. Em The Crew, mais especificamente, vimos uma grande fidelidade ao mapa dos Estados Unidos. Esse aspecto também foi trazido para The Division?
TA: Posso dizer com toda a certeza que estamos criando a versão mais detalhada da cidade de Nova York já vista em um jogo. Mas não se trata de reprodução completa. Além de menor em termos de escala, tomamos algumas liberdades criativas, como, por exemplo, abrir uma rua onde não existe nada na vida real para criar situações melhores para os jogadores.
- NGP: Um dos aspectos que mais me chamou atenção na demo de The Division apresentada aqui na BGS foi sua variação, com pontos altos e baixos ao longo dos cenários. A cidade inteira é desse jeito?
TA: Há muita verticalidade neste jogo. Você anda não só pelas ruas, mas também pelos metrôs e diferentes níveis acima e abaixo da cidade. Recriamos Nova York de uma forma realmente grande, incluindo seu subterrâneo. Além disso, você pode entrar em lojas e prédios, que também adicionam uma profundidade maior a isso.
- NGP: Qual o tamanho desse mundo, por exemplo, em relação aos mapas vistos em Far Cry 4 ou Assassin’s Creed Unity?
TA: É difícil falar em comparação, principalmente com Far Cry, devido ao terreno aberto. The Division pode ser menor em termos de área, mas temos diferentes níveis dentro disso. É complicado dimensionar desta maneira, mas dá para afirmar que a cidade é gigantesca e eu mesmo ainda me perco nela.
- NGP: Como balancear as missões secundárias com a história em um mundo tão grandioso assim?
TA: Temos ótimos roteiristas, que são especializados com esse tipo de cenário e mestres em guiar o jogador pela trama ao mesmo tempo em que entregam diversas opções. Eles sempre te darão uma missão principal, que o fará progredir na história, mas ao mesmo tempo, existem diversas oportunidades para exploração. Toda a experiência de The Division é baseada em te dar um rumo, mas também diversas alternativas do que fazer.
- NGP: Teremos apenas o modo multiplayer em The Division?
TA: O game tem uma arquitetura 100% online e incentivamos os jogadores a se unirem, principalmente por causa da diversão que isso proporciona. Se for um “lobo solitário”, você pode jogar sozinho, mas isso torna a experiência extremamente difícil. Alguns inimigos são extremamente fortes e lidar com esse mundo de forma solitária pode ser bastante complicado.
The Division é, acima de tudo, um RPG. Os personagens evoluem, ganham novos equipamentos e armas, e se você estiver acompanhado, isso acontece de forma muito mais rápida. Na Dark Zone (o trecho mostrado na demonstração da BGS), por exemplo, o modo PvP está habilitado e cabe a cada um decidir se vai colaborar com os outros na busca por itens ou atacar outros jogadores pelo mesmo motivo.
Isso gera um clima de paranoia e traição que torna tudo muito mais empolgante, principalmente quando se encontra um outro jogador de maneira extremamente próxima. Temos um sistema que permite ao usuário conversar o tempo todo com seus companheiros de equipe, mas ao mesmo tempo, quando estiver perto de um membro de outro time, também é possível falar com ele. Um sistema de emoticons também serve para demonstrar intenção e dar o tom dos encontros.
- NGP: Com todas essas possibilidades, quanto tempo alguém levaria para terminar The Division?
TA: Não posso revelar muito sobre isso, mas estamos construindo uma experiência de longo prazo. A campanha principal é imensa e, mesmo depois de seu fim, você pode voltar à Dark Zone para procurar recursos, novas possibilidades e continuar tendo essa experiência de tensão. Ao longo do jogo, nem todas as perguntas terão respostas e a experiência é altamente expansível.
- NGP: Teremos então um The Division 2, talvez em São Paulo?
TA: Quem sabe? Todos os sistemas estão fora do ar, então nunca fica claro exatamente até onde esse vírus se espalhou. Será que ele está isolado a Nova York ou atingiu outros lugares? Depende do jogador descobrir essas respostas.