Em tempos de vacas magras e crise, como o que estamos passando no momento, existe uma concepção geral de que tudo o que é supérfluo acaba sendo cortado. As famílias não deixam de assistir à televisão, mas cortam a TV a cabo. Ninguém para de comer, mas o delivery e as idas ao restaurante diminuem bastante. Mas no mundo gamer, aparentemente, esse tipo de corte nas gorduras não vem acontecendo, e mesmo o setor de acessórios continua de vento em popa, apesar da economia difícil.
É essa a noção que temos ao bater um papo com representantes tanto da HyperX quanto da Razer, duas das maiores companhias desse tipo em atuação no Brasil. Para ambas, a noção é de que a crise chegou em um momento crítico, seja de ampliação nas margens ou solidificação de marca, e vai incomodar sim. Mas, por outro lado, não deve frear o fluxo de crescimento que vem sendo experimentado pelas duas ao longo dos últimos anos.
Diante de um inimigo comum, a alta do dólar, porém, as experiências e abordagens de ambas são um tanto quanto diferentes. É o que explica o diretor da Razer para a América Latina, Vitor Martins, mostrando que a linha da marca para este ano é mais enxuta e focada em evoluções de iniciativas já reconhecidas pelos fãs, além de bundles com teclado e mouse que representam produtos de entrada, mais baratos e capazes de atrair mais clientes.
Em vendas, o DeathAdder é o maior produto da Razer no Brasil. (Foto: SuicideCircle / DeviantArt)
Com um domínio de 60% a 70% das vendas do mercado de acessórios, a Razer não parece ter medo de crise e, cada vez mais, se posicionada como uma companhia “100% gamer”, apesar de propostas como o Forge TV, por exemplo, romperem essa barreira e focarem também no mundo do entretenimento.
Na visão de Martins, aumentos de preço são inevitáveis na atual situação econômica, mas não repercutiram em uma queda nas vendas. Segundo o executivo, claro, houve redução nas margens de lucro, mas ao mesmo tempo, a perspectiva não é nem um pouco negativa.
A ideia de que o crescimento poderia ser bem maior do que o atual também vem permeando a operação da HyperX no Brasil. Só que em vez de focar nos equipamentos mais populares, a empresa preferiu expandir sua participação de mercado. Em sua quarta BGS, a empresa apareceu pela primeira vez no pavilhão principal, contando também com o maior estande já levado para o evento.
O grande destaque ali eram os headsets, a categoria líder em vendas no país, e principal responsável pelos números que vêm dobrando a cada ano. Para Paulo Vizaco, diretor geral da HyperX no Brasil, isso é fruto não apenas da força da marca Kingston, que aparece por trás de todos os produtos, mas também de um trabalho feito justamente para que os gamers não sentissem os efeitos da crise.
Esse trabalho foi, basicamente, de adaptação, com um destaque maior aos produtos de entrada – responsáveis por trazer novos adeptos para a marca – e também em uma severa redução nas margens de lucro. Assim, a HyperX conseguiu fazer com que seus dispositivos quase não subissem de preço e, acima de tudo, deu a seus clientes atuais e futuros uma noção de que ainda é possível investir em produtos de alta qualidade para jogar.
Indo para a galera
O trabalho da HyperX, porém, não parou por aí. Ao mesmo tempo em que reduzia suas expectativas de lucros, a empresa investia pesado em marketing para criação da campanha “Mythological Gamers”, cujas peças apareciam com destaque no estande da BGS e passavam a ideia de que, utilizando os equipamentos da marca, todo jogador é capaz de “mitar”.
Isso caminha lado a lado com um investimento já bastante antigo, que coloca a HyperX como uma das primeiras empresas a apostar no e-sport brasileiro. “Ver que o profissional usa nossos produtos dá uma segurança para o usuário amador”, afirma Vizaco, que também cita os criadores de conteúdo para o YouTube como uma grande âncora para que mais e mais jogadores se tornem clientes da marca.
O apoio de grandes nomes do esporte eletrônico também é importante para a Razer, obviamente, mas Martins atribui o domínio atual do mercado mais a um trabalho que vem sendo realizado há mais de uma década. Para o executivo, a marca já se tornou sinônimo de qualidade e acessórios gamers, algo que era evidenciado a todo momento durante a entrevista, enquanto fãs, do lado de fora do estande, gritavam incessantemente o nome da empresa.
Equipe de Battlefield 4 da Santos Dexterity (Foto: Reprodução / UOL Jogos)
Ele ressalta o patrocínio de grandes equipes dos e-sports, como paiN Gaming e Santos Dexterity, mas por outro lado, faz uma dura crítica aos YouTubers. “No Brasil, não fazemos esse trabalho [de apoio] devido aos custos surreais cobrados pelos criadores”, explica, falando em pedidos de cachê que, muitas vezes, ultrapassam R$ 20 mil. Dinheiro que, de acordo com ele, pode ser usado em outras ações com potencial de retorno muito maior.
Na comparação com o que acontece lá fora, a situação se torna ainda mais bizarra. Martins cita o exemplo de PewDiePie, o maior YouTuber do mundo, que segundo ele, não apenas não cobra nada para exibir produtos Razer em seus vídeos como o faz por ser fã da marca. É claro, ele recebe as novidades da empresa em primeira mão, mas não transforma esse tipo de promoção em uma forma de lucrar mais.
Mesmo com estratégias diversas, existe um ponto em comum que une tanto a HyperX quanto a Razer: o preço. E, aqui, os executivos de ambas as companhias concordam que estamos falando do grande diferencial para que as coisas funcionem. Brasileiros gostam de produtos de qualidade e com valores baixos. A existência destes dois fatores acaba fazendo com que nem mesmo a crise seja realmente relevante, enquanto com a ausência deles, não existe YouTuber ou atleta digital capaz de transformar uma marca em sucesso.