O trabalho de dublagem de jogos no Brasil ainda é cercado de muitos mistérios. Quem é entusiasta e/ou conhece um pouco do processo, sabe que infelizmente, o negócio funciona de uma maneira bem diferente do que é vista em filmes ou séries de TV. E profissionais da área são o que não faltam, mas muitas vezes as empresas acabam optando por envolver artistas famosos que não têm experiência alguma com isto. Isto acaba funcionando bem no que se refere a angariar certo marketing em cima do título, mas em contrapartida, negativa ainda mais a visão a cerca da dublagem de jogos como um todo.
Talvez seja por isso que tantos fãs – seja de animação, de games, ou da própria arte de dublar em si; lançam projetos de dublagem na internet. São inúmeros os casos assim, não há como negar. Mas e se um grupo de dubladores, que em sua maioria já trabalham na área, se reunisse para emprestar suas icônicas vozes a personagens de franquias renomadas? Falo por mim (e creio compartilhar o mesmo desejo com muitas pessoas), mas desde que me conheço por gente, sempre quis ver um Resident Evil ou até mesmo um Tales Of dublado em nosso idioma, por profissionais da área.
Esta mesma ideia ocorreu a William Viana, profissional de dublagem, idealizador e organizador do canal “E se fosse dublado?”, onde ele divulga seus trabalhos ao lado de outros talentos da área de atuação vocal. Apesar de já ter alguns trabalhos não-oficiais de jogos lançados, a atenção só lhe foi devidamente dada com o recente “Episódio Duscae” de Final Fantasy XV, onde William se juntou com um time de vozes conhecidas e, juntos, dublaram as principais cenas da demonstração do aguardado RPG da Square Enix.
https://www.youtube.com/watch?v=YcCLIM3Rv-k
Eu sinceramente estou na torcida para que o projeto dê muito certo e com isso, a dublagem de jogos no Brasil possa crescer e começar a ser levada a sério, afinal, o trabalho feito em cima do vídeo acima tem arrancado elogios por onde é publicado, e não é para menos. Aproveitando então a deixa (e pegando carona no entusiasmo pelo hype gerado, rs), resolvi entrevistar William, e em retorno ele nos contou um pouco como funciona o processo de dublagem, além de comentar sobre o feedback que está tendo dos fãs. Confira!
NGP: Como foi montado o “E se fosse dublado”? Nos conte um pouco da história do projeto!
William Viana: Bom, era um Sábado de Agosto, e vendo trailers e footages de Final Fantasy XV em inglês e em japonês eu (William) pensei: “poxa, seria muito legal se tivéssemos jogos como Final Fantasy em português, esses rpgs longos, com tanta história na nossa língua”, e naquele momento, em um dia fizemos o trailer da TGS 2014 (tradução, gravação, edição que no caso englobou recriação de efeitos por não possuímos a M&E da faixa de música e efeitos e a mixagem) e postamos esse primeiro vídeo. Gostamos muito do resultado e decidimos dar continuidade.
NGP: Como foi o processo de juntar dubladores pra fazer algo que podia não dar um retorno?
William Viana: Eu já trabalho dublando aqui em São Paulo, e já tenho contato com as pessoas do mercado há vários anos, e fiz o convite explicando exatamente o que eram. Vídeos para mostrar para as pessoas como seriam se determinados jogos/animações fossem dublados (tem mais coisas para saírem ainda) fiz o trabalho de direção com todos, e tivemos esse resultado, que sinceramente me agradou muito.
NGP: E todos que estão no grupo, individualmente fazem parte de algum grande estúdio?
William Viana: Todos são profissionais, mas nem todos trabalham na área ainda. Quanto a parte de “fazer parte” de estúdio deixa eu explicar como funciona a dublagem hoje: atualmente não existe vínculo empregatício entre dubladores e estúdios, somos todos autônomos, e recebemos por hora, no caso de jogos, por arquivo. Mas trabalhamos em vários estúdios, mas sem ser funcionário de nenhum deles. Cada dublador faz parte das produções nesses vários estúdios, ajudando a fechar essa “colcha de retalhos” das vozes que compões o trabalho final.
NGP: Como vem sendo a abordagem de vocês em torno das grandes publishers e/ou desenvolvedoras?
William Viana: Ainda não tivemos nenhum feedback de grandes empresas de forma direta. Mas seria muito legal.
NGP: E vocês imaginavam essa repercussão na internet? Como está sendo isto para vocês?
William Viana: No primeiro vídeo não, definitivamente. Foi feito entre profissionais, mas sem uma pretensão. Depois do feedback que recebemos do primeiro, que não teve um grande número de views, mas teve um bom retorno de crítica, decidi dar segmento com o mesmo elenco e acrescentar algumas outras vozes mais conhecidas do público em geral, e acho que tivemos um resultado que agradou.
NGP: Como vocês vêem o cenário de dublagem de jogos atuais?
William Viana: A dublagem para jogos por si só já é feita de forma diferente de filmes e séries. E ela foi ter um desenvolvimento de fato lá por 2011, 2012, então acho que ela ainda está engatinhando. E como dublagem de jogos é feita as cegas, sem imagem, só com áudio, acho que pra dirigir dublagem de jogos acima de tudo você tem que conhecer videogame. E acho que por isso muitos jogos não tem dublagens tão boas quanto deveriam, nem por conta de falta de dubladores, mas sim por carência de diretores de dublagem com esse conhecimento específico de games, dá pra contar nos dedos.
NGP: Quais outros games vocês gostariam de dublar?
William Viana: Sinceramente, gostaria muito de dirigir/dublar jogos de RPGs, jogos com muitos diálogos longos. Jogos de guerra (como um Killzone) em tese são jogos onde se ganham dinheiro mais rápido, por ter muitas falas em time loose (não precisa seguir o tempo exato do original) ou time constrict (que precisam começar e terminar juntos, mas não precisam seguir as pausas), porém, eu acho muito mais divertidos jogos com HISTÓRIA, com personagens mais profundos, com nuances, que te permitem um maior trabalho como ator. É mais desafiante.
Gostaria muito de dirigir um “Xenoblade”, “Final Fantasy”, “Persona”, algum “Tales of”.
NGP: Na internet, há muitos trabalhos de fãs que se saem melhores que as de grandes estúdios… Qual a opinião de vocês sobre isso?
William Viana: Acho que um fator que pesa ai é justamente isso, o fato de serem fãs. Eles conhecem o produto de fato, e quando não conhecem o produto, pelo menos tem noções da franquia. Fora o fator do tempo a favor, no estúdio tudo tem que ser feito com um certo ritmo, velocidade, não se tem tempo a perder. E como já citei anteriormente, acho que pra se dirigir dublagem de games, você tem que conhecer, pois é um processo totalmente feito as cegas.