Em nosso último texto dessa série, que elucidou o mundo dos DLCs, expansões e as diferenças entre um e outro, nossa atenção foi chamada para o fato de que as microtransações não foram citadas. Seriam elas, também, um conteúdo para download? Como funciona esse sistema de pagamentos pequenos, principalmente em jogos de preço cheio? E porque ele causa tanta polêmica?
Como sempre, vamos por partes. Assim como os DLCs, as microtransações são fruto de uma era de jogos muito mais conectados, que usam e abusam da estrutura online. Por meio dela, elementos que vão além do pacote final podem ser entregues rapidamente, e de uma vez só para todos, quase sem defasagem e atrasos. E nesse meio, veio também uma chance de lucrar um pouco mais.
Mas, na realidade, a tentativa de cobrar pequenos valores por itens ou vantagens especiais surgiu nos celulares, com a onda dos jogos free-to-play. Estes, como o nome já diz, são “gratuitos para jogar”, uma definição um tanto interessante que os diferencia daqueles que são de graça para valer. Aqui, sim, você tem acesso ao jogo e suas funções principais. Mas a experiência completa, de alguma maneira, só pode ser liberada por meio de pagamento.
Um dos casos mais reconhecidos por todos é Candy Crush Saga, um game que utiliza vidas como tíquetes de entrada em cada uma das fases. Com o fim delas, é preciso aguardar um determinado período de tempo para continuar jogando, recebe-las dos amigos ou então compra-las. E é nesse último aspecto que estão as tais “microtransações”.
Elas recebem esse nome, também, por normalmente se relacionarem a valores pequenos. Jogos em caixinha ou digitais completos para consoles, por exemplo, costumam custar US$ 59,99 nos Estados Unidos. Aqui, porém, os valores cobrados são de poucos dólares, muitas vezes centavos, de forma a propiciar a continuidade da jogatina ou a obtenção de poderes ou vantagens especiais.
Mas se engana quem pensa que esse tipo de modelo se aplica apenas a jogos de celular. Títulos para PC, como Team Fortress ou Counter-Strike, por exemplo, também contêm sua bela cota de armas ou itens estéticos para serem adquiridos. Nos consoles, por exemplo, Grand Theft Auto V trouxe para seu modo online a “transformação” de dinheiro real em virtual para compra de artigos para decorar a casa ou customizar o personagem.
O que diferencia as microtransações dos DLCs são que, muitas vezes, os itens comprados não são efetivamente baixados, já que podem se referir à liberação de funções ou de itens que também podem ser conseguidos com horas de jogo. Mais uma vez, como falamos no artigo anterior, trata-se de uma evolução do próprio termo – muitas vezes, extras como DLCs podem ser comprados por meio de microtransações, mas elas podem não envolver um download propriamente dito.
Pequenos valores, grandes negócios
Quem olha os valores muitas vezes irrisórios cobrados pelas empresas por artigos online pode até pensar que se trata de um mercado pequeno e de pouca importância. Mas como diz o velho ditado, é de grão em grão que a galinha enche o papo. Desde 2013, por exemplo, dados de especialistas de mercado indicam que o faturamento de jogos free-to-play, como o já citado Candy Crush e tantos outros exemplos, já ultrapassou o de títulos “premium”, aqueles que você compra na loja com um preço cheio.
Em 2014, por exemplo, o faturamento total dos títulos free-to-play, apenas no PC, foi de US$ 8,65 bilhões, com expectativa de chegar a US$ 9,4 bilhões até o final deste ano, segundo os dados da Statista. E mostrando porque é hoje um dos maiores jogos do mundo, League of Legends foi o campeão das microtransações no ano passado, com nada menos do que US$ 946 milhões em itens comprados pelos jogadores e expectativa de ultrapassar fácil a marca do US$ 1 bilhão em 2015.
Na sequência, está Crossfire, com US$ 897 milhões e também se aproximando do US$ 1 bi, seguido por Dungeon Fighter Online, com faturamento de US$ 891 milhões em 2014. Outros grandes nomes, como World of Warcraft, Counter-Strike: Global Offensive, DotA 2 e Hearthstone também estão na lista dos 10 maiores nomes free-to-play dos PCs. Os dados são da Super Data Research, publicados pelo Engadget.
O que causa tanta polêmica é o conceito conhecido popularmente como “pay-to-win”. A ideia, tão execrada pelos jogadores, se refere àqueles jogos que, apesar de poderem sim serem baixados e jogados de graça, são tão rasos que não conseguem sobreviver sem a compra dos “extras”. Ou, então, daqueles títulos que dão vantagens tão grandes para os usuários pagantes que tornam miserável a experiência daqueles que não desejam investir dinheiro.
Um exemplo recente desse tipo de prática foi Tom Clancy’s Ghost Recon: Phantoms, da Ubisoft. Como todo free-to-play de tiro, armas e itens melhores são habilitados na medida em que os jogadores conseguem sucesso e vão avançando, mas claro, tais artigos podem ser comprados de imediato caso o usuário queira pagar por isso. E é justamente aqui que ficou formado o grande nó que afastou muita gente do título, lançado em 2014.
O desbalanceamento entre jogadores pagantes ou não transformou a jornada de quem queria conseguir melhorias pelo próprio esforço um sufoco. Além disso, as granadas, um item essencial para todo jogo de ação, principalmente aqueles que se apoiam em um elemento tático, também são pagas com créditos in-game, obrigando os usuários a gastá-los e dificultando ainda mais a progressão. É um ciclo que se alimenta de si mesmo e que, em vez de incentivar, acaba frustrando.
É por causa de questões desse tipo – e também de uma ideia geral de que as empresas seriam “gananciosas” ao cobrar microtransações em um game AAA – que a ideia de tais aspectos em um jogo normalmente é tratada com cautela. Qualquer fagulha é capaz de detonar uma sequência de impropérios, muitas vezes, de jogadores que preferem falar primeiro e pensar jamais.
Mudando de contexto
Com o tempo, as microtransações deixaram de se referir apenas a itens e artigos especiais para se tornarem algo muito maior, chegando até mesmo a perder o seu caráter de micro. Assim como todo termo que se torna padrão na indústria, ele acaba evoluindo, nesse caso, passando a se referir a todo tipo de compra que é feita dentro do ambiente de um título.
Resident Evil Revelations 2, por exemplo, passou a ser citado como parte da indústria como um game free-to-play quando, recentemente, a Capcom liberou gratuitamente seu primeiro capítulo e baixou os preços dos quatro restantes. O mesmo vale, por exemplo, para République, que também foi liberado de graça no iOS, mas apenas em sua primeira etapa.
São, porém, valores que ultrapassam a dezena de dólares e, sendo assim, não constituem transações tão “micro” assim. No fim das contas, a palavra acabou mudando um pouco de sentido e, com o tempo, também seu caráter negativo, na medida em que as empresas aprendem o que cai bem junto aos jogadores e estes entendem que, em muitos casos, as compras in-game acabam sendo apenas opcionais. A expectativa é sempre de uma conta bem feita, aqui, mas ninguém deixa barato quando isso não acontece.
A série “O que é” vai, periodicamente, elucidar termos técnicos e nomenclaturas usadas na indústria de games, mas nem sempre claras para os fãs. Quais são suas dúvidas e o que você acha que deve aparecer por aqui? Responda nos comentários e ajude a gente a definir as próximas pautas. 😉