Já início essa análise dizendo que ela é tendenciosa, afinal, adoro puzzles e sei bem que não é o gênero favorito de muita gente. Além disso, The Witness é um jogo introspectivo, que precisa muito da vontade do jogador para acontecer. Por mais que seja absurdamente bem feito, praticamente uma aula de game design, ele deixa bem claro que quem irá jogar será você e não um guia, um NPC ou, mesmo, haverá um mapa informando o que você deve fazer. Se você não fizer nada, nada irá acontecer.
The Witness te propõe a liberdade em um mundo semiaberto, incentivando a explorar e descobrir essa ilha absurdamente linda e repleta de mistérios. E essa promessa de liberdade é um dos pontos altos e baixos do jogo, sobre os quais falarei mais adiante.
Jonathan Blow (acima), a mente responsável por The Witness, já havia trazido para a luz do mundo Braid, um dos revolucionários jogos da gloriosa era Indie. Esse é um de seus primeiros grandes sucessos, e nele já víamos alguns pontos de introspecção, com referências a clássicos como Mario, mas com aquele toque a mais, uma arte mais arrojada, um jogo que se enquadra nos novos tempos. Aqui, novamente, ele parece pegar carona em outro clássico, Myst, com uma proposta bem semelhante, mas como no antecessor, que traz uma roupagem a mais de arte e estética moderna para os novos tempos e novos jogadores.
The Witness começa te obrigando a entender o jogo, usar as setas para se movimentar, e já te coloca um puzzle ultra simples para resolver. A porta se abre para uma sala escura com uma luz amarelada na esquerda, obrigando a entender que se usa o mouse para mover a câmera, e mais um enigma na sequência. Agora, você sai dessa área escura para um mundo lindo e colorido e, já adiante, mais um desafio, desta vez, levemente mais complexo que os outros. Essa simplicidade é o coração do game, você fará isso o tempo todo e por muito e muito tempo.
Falar de The Witness é complexo, da mesma forma que é difícil falar de uma obra de arte que atinge aquele nível de abstração onde cada um vê ou sente algo diferente. Deixe-me fazer entender: Wilson Fisk (da série “Demolidor”, do Netflix) enxerga algo de fundamental importância para si mesmo naquele quadro branco, algo que outras pessoas não conseguem ver ou entender bem.
O game de Jonathan Blow, para mim, parece ter esse mesmo apelo: vejo nele um jogo importante, que gostaria que todos jogassem e vivessem ele para não ser incomum perguntar “como você percebeu isso?”, “como ou quando você concluiu isso?”, “você viu aquela parte?”, “o que achou daquele momento?”.
The Witness não é para todos. O jogo não quer somente te divertir, talvez nem queira fazer isso de forma alguma, ele quer ensinar algo.
O jogo possui frases e citações diversas espalhadas em lugares levemente escondidos. São botões amarelados em lugares estranhos que, quando apertados, fazem com que uma voz comece a falar. São encontros meio raros, e dá para encontrar desde citações de Einstein até da Bíblia. Elas são interessantes e se encaixam com o que está acontecendo no jogo, mas mais que isso, dão sentido ao todo.
Sentido, aliás, é algo que percebo ser a grande crítica daqueles que não gostaram da proposta. Afinal, o que você faz no jogo? Resolve problemas. Soluciona puzzles. Se isso não é motivação suficiente, à medida em que você explora, mais elementos são encontrados no jogo, mas o principio é esse: você precisa explorar.
Existe uma série de vídeos que se acaba descobrindo dentro do universo do game, e eles sem dúvida explicam tudo. Mas não como aquela fadinha do Zelda, mas sim, levantando mais questões e motivando o jogador a seguir em frente. Encontrá-los acabou se tornando meu objetivo dentro do título.
O jogo propõe a ser de exploração e liberdade. Explorar é entender, vencer e evoluir. Nada acontece se você não estiver em movimento. Contudo, às vezes, eu gostaria de poder pular, me abaixar e de um pouco mais de ação. Alguns lugares parecem tão possíveis de se alcançar dessas maneiras que eu aperto os botões clássicos para que essas ações acontecem, e nada acontece. Isso frustra um pouco. Essa inação em um game que faz parecer que isso é possível parece errada e incompleta.
É sobre a humanidade. Sobre a sensação de que as pessoas não são mais curiosas, não se questionam e não têm mais interesse em saber e entender mais.
De certa forma, isso parece fazer parte do game, a necessidade de haver limitações, obstáculos intransponíveis, de forma a dar motivação para achar um caminho até o outro lado, algo que, em um jogo tradicional, bastaria pular a janela para alcançar. No entanto, isso parece ferir a ideia de que se é livre.
Junto disso, é importante falar que é muito comum se sentir perdido. Às vezes o jogador nem sabe mais o que fazer ou onde estão as coisas, e a falta de qualquer orientação faz achar que se está jogando errado. Comumente, é necessário fazer jornadas enormes no sentido contrário, tentando ver se não esquecemos nada, e por mais que o jogo seja belo , é chato ter que ficar rodando o cenário tentando se encontrar.
Outras questões que valem a pena citar é a exigência técnica do jogo, que necessita de um computador melhor do que a média para funcionar completamente, com a beleza que vemos nos trailers. The Witness é lindo, mas não muito em um PC que não o rode nas configurações máximas.
Para mim, The Witness é sobre a humanidade. Ele fala da sensação de que as pessoas não são mais curiosas, não se questionam e não têm mais interesse em saber e entender mais. Ciência não é um sistema de crença, não é uma religião, por mais que pareçam questões de fé aceitar a existência de buracos negros, por exemplo. E o próprio game parece colocar as duas coisas lado a lado. Mesmo assim ciência, trata-se de um método investigativo, é solucionar problemas. Puzzles.
Os próprios enigmas parecem ser um discurso claro disso. Alguns muito simples, com muitos tutoriais explicando, e até senti que o jogo estava me chamando de burro. “Por que me fazer perder tanto tempo aprendendo isso? Entendi de primeira e esse que você diz ser difícil, o último da fila, é ainda mais simples!” Outros, no entanto, são mostrados sem explicações nem nada. Somente um puzzle absurdamente difícil, daqueles que você queria muito que houvesse um guia ali.
O game é lindo, mas não muito em um PC que não o rode nas configurações máximas.
Alguns começam de uma forma, seguem de maneira natural e, de repente, é preciso aprender de novo a achar os elementos para solucioná-los, ora olhando novamente o próprio enigma, ora o mundo ao redor. Isso começou a me fazer mensurar que o que está sendo mostrado é o processo cientifico.
Primeiro, aprendemos a somar e diminuir, matemática simples, tabuada e blablabla ridículos. Multiplicações e divisões. Nada que exija muito de você. Logo, aparecem raízes, logs, álgebra, aritmética, geometria, teoria do caos.
Hoje, descobrimos que existem ondas gravitacionais e que o universo se tornou mais interessante e perigoso. Não se chegou a relatividade sem criatividade, raciocínio logico e trabalho duro.
Os puzzles simples são ferramentas para entender os mais complexos, e se você achou um puzzle que não consegue resolver, mantenha a calma, logo irá entender que pesquisando e explorando o mundo, encontrará a solução. Tudo está conectado. Literalmente. Às vezes, aplicar a solução de algo teórico (os puzzles das telinhas) no mundo real (ilha) funciona, e isso, essa forma simples de entender isso… é o que me fez amar esse jogo.
Sem dúvida, The Witness não é para todos. A arte maravilhosa pode enganar aqueles que esperavam interagir mais com esse mundo. Para aqueles que esperavam mais um Braid com uma história mais clara e vilões interessantes, vão ver algo muito diferente. O fato da crítica ter amado o jogo pode fazer acreditar que amaram pelo mesmo motivo que gostam de Assassin’s Creed, Fallout, The Witcher. The Witness é diferente, é outra coisa, beira a arte e aulas de filosofia.
O jogo não quer somente te divertir, talvez nem queira fazer isso de forma alguma, ele quer ensinar algo, te mostrar um caminho. The Witness é um jogo para esse século que se aproxima, onde, se sobrevivermos aos próximos 100 anos, estaremos vivos para sempre.
O jogo foi analisado no PC.