Mirror's Edge Catalyst

Mirror's Edge Catalyst

por Felipe Demartini

Beleza, agilidade e revolução

Ao contrário do que demonstram filmes e até mesmo dicionários, uma revolução não acontece de uma vez só. Apesar do fator épico demonstrado no cinema, em que um herói, sozinho, tem um momento de iluminação e acaba alterando os rumos das coisas em um evento decisivo, não é bem assim que as coisas funcionam. Mudar um governo, um sistema, o mundo ou até mesmo a vida de cada um é algo que acontece aos poucos, aspecto a aspecto, parte a parte, até que o todo esteja diferente.

Apesar de existirem controvérsias, principalmente do ponto de vista ideológico, revolução é também um movimento para a frente. É mudança em seu estado puro, mas acima de tudo, é um momentum que não pode ser alterado, que se torna mais veloz, dinâmico e impossível de se restringir na medida em que caminha adiante.

Não é à toa que, em Mirror’s Edge Catalyst, o parkour e a agilidade são as armas dos personagens envolvidos na luta contra o corporativismo em uma sociedade cada vez mais higiênica. Tudo é muito branco, certinho e em seu lugar. Ao passar correndo por cima de um prédio, saltando sobre as mesas de um restaurante futurista ou usando os ombros de um guarda inimigo como impulso, você não está apenas usando uma forma criativa de seguir em frente. Está, também, mostrando que não faz parte daquilo, e que quer mudança.

Uma fábula criticada em saltos e socos

É nessa sutileza, nas mensagens misturadas, comunicações sutis e, principalmente, na luta incansável, que está a grande beleza de Mirror’s Edge Catalyst.

Mirror’s Edge Catalyst segue como um jogo convencional, com cenas de corte intercaladas a à jogabilidade, contando a história, expondo personagens e a trama central. Estamos no papel de Faith, uma runner recém-saída da cadeia depois de quase colocar a perder toda a operação que transforma os telhados da cidade em campo livre para transmissão de informações e propagação de ideias revolucionárias.

Do outro lado, está o Conglomerado, uma coalizão de empresas que controlam todos os aspectos da existência. Elas estão nos aparelhos e móveis das casas das pessoas, nos alimentos consumidos ao longo do dia e na diversão de final de semana, assim como na segurança que patrulha as ruas com mão de ferro e nas carteiras de trabalho que obrigam todos a terem um emprego.

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Como se não bastasse estarem às margens da sociedade por si só, os runners entram na mira da Kruger Sec, o braço armado do Conglomerado, quando Faith acaba de posse de um item do mais alto interesse para Gabriel Kruger, CEO da companhia. Começa, então, um jogo de gato e rato que coloca o destino da rebelião, de cada indivíduo e também desta distopia, em jogo.

Apesar dessa trama, é nas entrelinhas que se desenrola a maior riqueza do roteiro de Catalyst e, principalmente, as verdadeiras nuances desse mundo. A todo lado, temos questionamentos que são exagerados nesse mundo futurista, mas que servem muito bem para a nossa realidade atual. Você realmente precisa de tudo isso que tem em casa? Acha que é livre para ir e vir? O que acontece com os dados que você está emitindo nesse momento, enquanto lê esta análise? A publicidade está do seu lado ou trabalha contra você?

Mirror's Edge Catalyst

Acima de tudo, até que ponto o que você tem te define? O seu trabalho é realmente o que torna você um indivíduo na sociedade e te coloca em “seu devido lugar”? Se você trabalhar bastante, será que chegará “lá” mesmo, ou essa é só uma forma de te manter ligado ao sistema, alardeada pelos alto-falantes, enquanto gira a rodinha como um hamster, sem sair de onde está?

Aqui, vale uma nota pessoal, que não depõe contra a qualidade do título, mas o tornaria ainda melhor. Mirror’s Edge Catalyst sofre bastante com a ausência de uma dublagem em português pelo simples fato de que correr pelos cenários e olhar adiante para plataformas e pontos de apoio não é tão fácil enquanto se tenta acompanhar a trama por meio de legendas. Ouvir o que acontece no mundo, apenas, seria uma ajuda e tanto não apenas para os não fluentes no inglês, mas também para ajudar a compreender o todo apresentado pela DICE.

Nunca parar

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A ideia de quem é o verdadeiro inimigo se confunde o tempo todo, enquanto guardas batem em pessoas inocentes (ou não) nas ruas e o Conglomerado executa um grande ataque. Momentos de tensão se alternam com situações em que a calma e a plasticidade da cidade de Vidro prevalecem, apesar de ela não ser tão transparente quanto o nome indica. A sensação, sempre, é de um castelo de cartas pronto para desabar, mas que se mantém, de alguma forma, belo e de pé.

Até que ponto o que você tem te define? Se trabalhar bastante, será que chegará lá mesmo, ou essa é só uma forma de te manter ligado ao sistema enquanto gira a rodinha como um hamster?

E você ali, sempre seguindo em frente, e sempre com algo para fazer, seja em termos de missões da campanha, que levam a trama adiante, ou em side quests que envolvem atos cotidianos, como entregar um presente de amor, ou sabotar outdoors e praticar outros atos de rebeldia. Aqui, algumas coisas também chegam a se confundir, e se perde, muitas vezes, o ideal da luta, e nos aproximamos dos “reles mortais” dos quais o game sempre faz questão de nos diferenciar.

Às vezes, batemos em muros invisíveis, dificuldades imprevisíveis. Em outras, nos vemos deixados na mão pelos próprios guias que pareciam indicar tão diretamente o caminho, e pareciam tornar simples uma tarefa das mais complicadas. São falhas que podem complicar a vida, afinal de contas, em Mirror’s Edge Catalyst, sempre se está correndo contra o relógio, e a maioria das missões, principalmente as secundárias, trazem pouca ou nenhuma margem para erros.

Mirror's Edge Catalyst

E sempre que errar, o jogador estará diante de um loading, um incômodo frequente, mas também uma chance para refletir sobre os erros que cometeu e fazer melhor da próxima vez. Irritante, mas necessário, levando-se em conta que o mundo aberto está sempre carregado.

É nessa sutileza, nas mensagens misturadas, nas comunicações sutis e, principalmente, na luta incansável, que está a grande beleza de Mirror’s Edge Catalyst. É um combate contra a opressão e a tirania, mas principalmente, contra o status quo. Qualquer um que já passou por fortes mudanças na vida, sejam elas planejadas ou não, terá pelo menos um pouco a se identificar. Como na existência de cada um de nós, neste game, a única opção inexistente é ficar parado.