Apesar de sempre trazer bons jogos, a série Mafia carrega consigo o incômodo peso da comparação com GTA. E não sem razão. As duas franquias se baseiam em mundo aberto na hora de contar histórias sobre o submundo do crime, exploram as diversas faces de suas cidades e, de quebra, ainda coexistem debaixo do mesmo guarda-chuva da Take-Two. No entanto, mesmo compartilhando tantas semelhanças, os dois jogos se preocupam em seguir por caminhos bem diferentes.
No caso de Mafia III, a principal diferença está na ambientação. O game tem um cuidado enorme de recriar um período histórico específico e tudo o que vemos, da cidade à relação entre os personagens, é originado a partir desse contexto. É o tipo de coisa que não vemos na série da Rockstar, mas que ganha contornos muito relevantes por aqui. E é por isso que o título vem se tornando cada vez mais interessante.
Desde o seu anúncio até a última demonstração apresentada durante a E3, tudo o que vimos foi um excelente trabalho de reprodução de um período bastante conturbado. Da trilha sonora ao clima de desconfiança que tomou conta dos Estados Unidos em sua paranoia anticomunista, tudo está ali para dar um tempero a mais a Mafia III, fazendo com que ele se distancie o máximo possível de qualquer comparação.
É fácil ver o quanto a série quer conquistar sua identidade e como a Hangar 13 e a 2K estão trilhando o caminho certo para isso.
Caçada ao outubro vermelho
E essa ambientação é mais do que fundamental para entender tudo o que Mafia III tem a oferecer. A começar pelo local onde tudo se passa, a cidade fictícia de New Bordeaux. Inspirada na New Orleans da década de 1960, a cidade é um reflexo da loucura da Guerra Fria, quando ao EUA viveu a loucura do macarthismo e passou a perseguir comunistas em todas as esferas da sua sociedade. O problema é que, quando você passa a caçar inimigos invisíveis, os verdadeiros se aproveitam para atacar.
É aí que vemos todo o crescimento da máfia italiana na região sul do país. Enquanto o governo se preocupa em encontrar os “malditos vermelhos”, os verdadeiros criminosos ampliam sua rede de influencias e passam a dominar todo o submundo do crime organizado na região — uma história familiar, não? E é no meio desse caldeirão que o jogador é colocado.
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Ao assumir o papel de Lincoln Clay, você se depara com a dura realidade de New Bordeaux. Embora seja um veterano da Guerra do Vietnã, essa experiência militar não impede o protagonista de ver seus amigos serem mortos pela mão dos mafiosos, o que o coloca na rota da vingança — mesmo que, para isso, ele tenha de se aliar a pessoas tão perigosas quanto aquelas que ele está enfrentando.
E o ótimo trabalho de ambientação envolve até mesmo essas características pessoais de Clay. Como estamos falando de um veterano de guerra, esse passado e expertise são pontos aparentes na personalidade do protagonista. Ao mesmo tempo, ele também precisa lidar com dilemas internas, sobretudo relacionados à essa entrada no mundo da máfia.
Tanto que, mesmo sem aprofundar nada o enredo, a apresentação de Mafia III na E3 explica alguns pontos da história do personagem e como ela influencia o desenvolvimento do próprio enredo. Ao contrário de GTA, em que a cidade tem um influencia muito maior sobre quem são os protagonistas, o novo Mafia separa seu personagem de New Bordeaux — ao menos em um primeiro momento, visto que a relação entre essas duas realidades tende a ficar bem mais próxima.
Cara a cara com a máfia
Porém, o que os jogadores realmente querem saber é como todos esses elementos vão se relacionar na jogabilidade. E a relação entre personagem e cidade é muito bem construída de modo que haja uma dinâmica bastante peculiar entre eles.
A começar pelo próprio modo como Clay age. Sua experiência em um campo de batalha faz com que suas ações sejam bem menos impensadas e mais estratégicas, o que torna a realização de missões mais variada. Mafia III oferece diferentes tipos de abordagens, do stealth ao tiroteio desenfreado, o que já gera uma variedade interessante.
Os próprios cenários valorizam essas características. Em determinado missão mostrada no evento, o protagonista precisa ir atrás de um dos chefões da máfia de New Bordeaux que está realizando uma orgia em um bordel. E o jogador pode decidir se vai chegar dando tiro para todos os lados, causando um pânico generalizado e muito tiroteio, ou se vai se aproveitar da bagunça para se esconder de cômodo em cômodo para chegar ao seu alvo silenciosamente.
Um pouco mais à frente, a própria geografia do lugar ajuda nesse sentido. Assim como acontece em New Orleans, a cidade é rodeada de pântanos e a vegetação desse tipo de terreno também podem ser ótimas formas de se esconder — afinal, para quem lutou no Vietnã, se esconder na lama e nas plantas não é nada.
Como em muitos jogos de mundo aberto, Mafia III possui um sistema interessante de áreas de influência. New Bordeux é separada em vários setores, cada um sob o comando de um mafioso, e o jogador precisa realizar missões específicas que vão diminuindo o poder daquele inimigo na região. À medida que eliminar traficantes, fecha bordéis e interrompe a produção de drogas, Clay fica mais perto desses chefões do crime.
O problema, no entanto, é o que vem depois disso.
Briga pelos espólios
De tudo o que a 2K mostrou de Mafia III, o mais interessante está na parte que vai além da exploração e do combate. Estamos falando do mundo do crime e, aqui, o mais importante não é como você atira, mas quão bem você se relaciona com os outros.
Em sua cruzada contra a máfia, Clay acaba se aproximando de outros três criminosos: Cassandra, Burke e Vito Scaletta. Eles ajudam o herói em vários momentos, mas também vão cobrar sua lealdade em diversos momentos. E é aqui que as coisas ficam bem curiosas.
Como apresentado durante o evento, logo após conquistar uma área e eliminar um dos cabeças da máfia de New Bordeaux, Lincoln precisa decidir para quem entregar aquele território. E não se trata apenas de escolher quem vai ser o novo chefe da área, mas ter de lidar com as consequências de sua escolha.
Na demonstração, Vito faz uma oferta tentadora, mas Burke e Cassandra relembram Clay de uma aliança feita no passado. É uma negociação delicada, recheada de ameaças e promessas. E, ao decidir apoiar o italiano, somos logos emboscados e é preciso escapar em meio a uma chuva de balas — o que deixa claro como nada é simples nesse mundo do crime.
Identidade própria
Esses pequenos elementos ajudam a criar a identidade própria que Mafia III tanto busca. É claro que não há como esconder as influências de GTA, mas o game carrega tantos elementos próprios que essa comparação acaba caindo para segundo plano.
É claro que ainda há muito o que melhorar. A inteligência artificial ainda é bem limitada, deixando os inimigos cegos ao avanço do personagem, assim como a própria dinâmica das missões parece variar pouco. Você tem várias maneiras de realizar aquele desafio, mas acaba sempre limitado às mesmas tarefas de sempre.
Ainda falta um bom tempo até o lançamento, no dia 7 de outubro, mas esses são pontos fundamentais para garantir que Mafia III seja realmente tudo aquilo que ele se propõe. Para deixar a sombra de GTA para trás, ele precisa ser igualmente bom ou melhor — e essa não é uma tarefa fácil.