Eu sou um entusiasta de Pokémon GO. Não apenas porque gosto da série como um todo, mas pela proposta por trás do aplicativo. Usar a realidade aumentada para trazer ao nosso mundo a ideia que permeou o imaginário de gerações de crianças é algo sensacional e que pode ditar o futuro da tecnologia como um todo. Porém, não é disso que quero falar. Neste primeiro momento, o que mais me impressiona e cativa é o quanto o jogo conseguiu fazer com que as pessoas se reconectassem à cidade à sua volta.
Além da ideia de fazer com que o jogador saia por aí caçando monstrinhos, Pokémon GO traz os chamados Pokéstops, que funcionam como uma espécie de ponto de recarga. São lugares aleatórios espalhados pela cidade que vão dar desde itens até novos Pokémon. Em tese, funciona quase como um pit-stop na sua jornada.
É aí que a coisa fica realmente interessante. Em países como Estados Unidos e Reino Unido, esses Pokéstops estão localizados dentro de restaurantes, cafeterias e outros estabelecimentos comerciais, mas aqui a situação foi um pouco diferente. No Brasil, essas paradas acabaram sendo posicionadas a objetos aleatórios dentro das cidades, desde uma escultura na frente de um prédio a um grafite em um beco. E isso é fantástico.
Para quem mora há muito tempo em uma cidade, é comum que o olhar se torne viciado ao mundo ao seu redor. Você faz sempre os mesmos caminhos, olha sempre para o mesmo lado e quase nunca para e observa o que cada um desses cenários oferece. Somos tão acostumados àquela realidade que quase nunca reparamos no que ela realmente esconde. E Pokémon GO vem ajudando a quebrar essa barreira e fazendo com que as pessoas redescubram o lugar em que vivem.
Desde que o aplicativo foi lançado, no último dia 3 de agosto, passei a fazer caminhos diferentes daquele que eu costumava tomar. Seja procurando um Pokéstop ou mesmo caçando um Pokémon na vizinhança, comecei a explorar mais o bairro onde vivo há mais de 10 anos e percebi o quanto eu o desconheço. O jogo me mostrou uma estátua grega que nunca tinha percebido e me revelou a grande quantidade de jardinetes próximos à minha casa. E, por mais que minha rota esteja sendo pautada por um game, ela vem sendo recheada de descobertas.
A própria arte urbana passou a ser mais valorizada com Pokémon GO. O que antes era apenas mais uma pichação entre os prédios passou a ganhar forma. Ir a um Pokéstop não se resume apenas a girar o painel, pegar seus itens e ir embora. É encontrar um lugar ao lado da sua casa que você não conhece e ir até lá para conferir e fazer novas leituras da sua própria cidade. No fim, o maior mérito do game foi nos fazer criar novas relações com o lugar em que vivemos.
Reconquistando a cidade
Outro crédito enorme que deve ser colocado na conta de Pokémon GO é que ele fez com que as pessoas voltassem a ocupar o espaço urbano. A paranoia da violência fez com que as pessoas se desconectassem da cidade, se isolando em condomínios e áreas seguras. Em compensação, praças e parques acabaram sendo abandonados — o que acaba criando um ciclo vicioso para a próprio violência.
Assim como aconteceu em outros cantos do mundo, Pokémon conseguiu fazer aquilo que muitos prefeitos nunca tiveram sucesso e fez com que as pessoas voltassem a ocupar esses espaços. Desde o lançamento do aplicativo, passei a ver muito mais pessoas na rua, com celulares em punho, avançando em busca de um ginásio ou Pokéstop. E, o mais importante, sem ter medo do outro.
Não é difícil encontrar fotos de ruas e praças lotadas de jogadores. Pessoas que nunca tiveram por hábito sair à noite para visitar esses lugares estão se sentindo encorajadas a explorar o local em que vivem, mesmo em horários que poucos recomendariam. Essas pequenas aglomerações causadas pelo surgimento de um Pokémon raro ou porque alguém usou um item que vai atrair mais criaturas cria uma sensação de segurança em que todo mundo se sente confortável em andar com um smarpthone caro em plena noite.
Mais do que isso, Pokémon GO conseguiu ainda revitalizar áreas até então ignoradas pelas pessoas. É óbvio que uma Avenida Paulista ou um Parque Ibirapuera vão lotar, mas o jogo conseguiu fazer com que aquele pequeno jardim público na esquina da sua casa ganhasse vida nova. Aquela pracinha voltou a ser frequentada porque há um Pokéstop ali. De uma forma ou de outra, o jogo conseguiu mudar a percepção dos cidadãos sobre esses espaços e para melhor.
É claro que isso não quer dizer que a violência urbana foi embora e hoje vivemos em uma sociedade utópica. Ainda é preciso tomar vários cuidados e já tivemos vários casos de jogadores que foram assaltados. A violência ainda é um problema nas cidades e não tem jogo que vai resolver isso. Porém, o simples fato de as pessoas andarem em grupo ou se reunirem em um ponto mais movimentado já minimiza muito as ocorrências em áreas antes mais problemáticas.
Nunca sozinho
Eu sou de Curitiba, uma cidade nacionalmente conhecida como fechada. E não há como culpar esse olhar externo, já que o curitibano realmente não costuma conversar com estranhos, nem que seja para dar bom dia. Porém, na hora de jogar Pokémon GO, parece que os gentílicos acabam sendo deixados de lado.
Com Pokémon, a Nintendo sempre desejou fazer com que os jogadores interagissem mais. A ideia de você trocar seus monstrinhos com amigos ou de disputar um campeonato sempre foi uma desculpa para que você conhecesse pessoas e fizesse novas amizades. De certo modo, funcionou, mas Pokémon GO foi quem melhor alcançou esse objetivo.
Com a reocupação do espaço urbano, não é difícil encontrar jogadores sentados em uma praça ou rindo na porta de um prédio. E todos eles se reconhecem de imediato, principalmente pelo celular na mão. Em alguns casos, há apenas um olhar tímido ou um risinho, mas há aqueles que perguntam seu nível, seu time ou onde você encontrou determinado Pokémon. Por mais absurdo que pareça ser, o jogo conseguiu abrir uma cidade tão fechado quanto Curitiba.
E aí que está a verdadeira diversão de Pokémon. Não se trata de capturar o maior número de monstrinhos, ter o mais forte e nem conquistar todos os ginásios. O que realmente faz com que Pokémon GO seja o fenômeno que é hoje é a nova vida que ele deu às cidades e o quanto as pessoas estão fazendo uso disso. Compartilhar experiências ou mesmo se juntar a um desconhecido para procurar um Pokémon é o que torna tudo diferente daquilo que a gente já viu.
Por isso tudo é estranho ver quem reclama sobre o jogo nas redes sociais ou mesmo quem usar hacks para avançar mais rápido. Essas pessoas claramente não entenderam qual a proposta do jogo e o potencial existente nele. De novo, não se trata de capturar monstrinhos coloridos ou ser o mais forte, mas de resignificar o ambiente em que a gente vive e reocupar o espaço urbano. É ter um novo olhar sobre a cidade para que possamos sair de nossas próprias Pokébolas.