O processo de desenvolvimento de No Man’s Sky foi repleto de reviravoltas, mistérios e especulações. Começando com um ousado plano Indie e um início de projeto promissor, a Hello Games chamou a atenção da Sony com seu jogo ousado e acabou caindo nas graças da companhia. Com grana no bolso e um sonho, Sean Murray e sua equipe levaram oito anos de suas vidas construindo a promessa de um universo maior do que nossas imaginações, construído proceduralmente por cálculos e intenções matemáticas, levando todos nós a tentarmos mensurar quanto é 18 quintilhões.
Esse é o número de planetas em No Man’s Sky. Esse número só foi possível de alcançar pois o sistema de processamento do jogo é de 64 bits e, com esse poder de processamento, é possível criar exatamente 18,446,744,073,709,551,616 locais. Se você fosse contar carneirinhos para dormir, levando um segundo em cada carneirinho, sua vida acabaria e você não teria chegado nem no primeiro quintilhão.
A fórmula foi usada para gerar proceduralmente algo que não seja completamente estranho dentro da lógica de programação, fundindo arte e matemática, e que permitisse ao computador processar essa montoeira de dados sem explodir, veio da química. Publicada em uma revista alemã de ciências, ela serviu de inspiração para o jogo e que também rendeu à Hello Games um processo por uso não-licenciado, logo no último mês antes do lançamento.
A principal questão de No Man’s Sky é a grandiosidade, e como somos pequenos diante do universo. Logo o jogador se pega percebendo sua limitação diante de tudo.
Não foi só com essa pendenga que os advogados da Hello Games tiveram que lidar. A empresa de mídia Sky, sim, aquela da TV a cabo, também processou a desenvolvedora pelo uso da palavra “Sky” no nome. Isso não é novo na indústria dos games e não é também a primeira vez que ela vem defender a utilização de seu nome em outros brandings.
Essa não é a questão dessa review, mas só para mostrar que, um grupo pequeno, com menos de 20 pessoas, trabalhando em um jogo que promete algo com quintilhões de possibilidades, inovador, ainda tinha que lidar com problemas jurídicos. Como dizem, o frio é do tamanho do cobertor.
Então o jogo sai. A epopeia do desconhecido chega ao grande público, que começou a acompanhar o desenvolvimento em algum momento desses longos oito anos, ou só entrou no hype após alguma E3, ou mesmo com a mídia falando sobre o jogo incessantemente nos meses anteriores ao lançamento. A promessa da próxima revolução virtual tinha data e horas marcadas e a galera comprou a ideia, decididos a começar a explorar o universo em uma jornada sem fim. Haviam YouTubers falando tão animadamente do game que parecia que o Natal chegaria mais cedo, e eles não sabiam decidir qual comida comeriam primeiro na Ceia.
No fim, veio a frustração massiva de que tudo isso, quintilhões de planetas, era apenas para uma aventura solo? Como assim? Esse jogo é maior que World of Warcraft e eu terei que jogar isso tudo sozinho? Isso não faz sentido! Eu juro que tinha lido em algum lugar que era multiplayer…
Algumas pessoas dizem que esse foi o maior erro do jogo. Por mais que qualquer um que tenha lido qualquer notícia decente saiba que a promessa era de uma aventura single player, apesar de online, parece que ninguém queria acreditar nisso. Mesmo que o cara que desenvolveu o jogo tenha vindo a público, diversas vezes, e publicado sempre que possível que “o título não é multiplayer”, parece que o ouvido seletivo do mundo não queria ouvir isso. Deste modo, acabamos ouvindo o mimimi dos desinformados que queriam um filme da Marvel feito pela DC, sem conseguir entender que existem formas diferentes de contar histórias diferentes.
Sem entrar em questões de gosto, mas existe um motivo para a Hello Games prometer um jogo online, teoricamente multiplayer, com uma aventura single. Por mais que pareça um jogo Triple A, não se esqueçam, No Man’s Sky é indie e, deste modo, tem suas liberdades.
A principal questão levantada por No Man’s Sky é a grandiosidade, e como somos pequenos diante do universo. Qualquer um que entrou no jogo e se deu ao trabalho de brincar com o mapa galático, viajando pelos sistemas espaciais, ou sem a nave, só passeando pelo mapa, deve ter sentido a ideia de como esse universo é grande. No entanto, se você deu um salto espacial, tendo de criar matéria negra, fluido e coletado todos os recursos para realizar um salto, olhar esse mapa faz você perceber que jamais irá conseguir se dar ao trabalho de visitar todos os sistemas.
No Man’s Sky consiste em explorar para evoluir. Quando maior sua ambição, maiores as lutas.
E essa é a grande sacada do jogo. No Man’s Sky é simples o suficiente para que sua base já seja entendida no tutorial, e a partir daí, logo o jogador se pega percebendo como é limitado diante de tudo. Mesmo com uma nave maneira, recursos, você está sozinho, afinal.
Bem, não tão solitário. Existem mais pessoas fazendo as mesmas coisas que você, em algum lugar ali, coletando plutônio, vendo criaturas estranhas e planetas de cores estranhas. Ali, em alguma daquelas bolinhas brilhantes, existe mais um jogador sozinho lidando com os mesmos problemas que você, e essa sensação parece fazer os 18 quintilhões de planetas não serem algo tão grande assim. Somos todos humanos, afinal, vivendo experiências e problemas semelhantes.
A fato de o jogo ser online permite que você perceba isso. O título precisa prometer, vender essa ideia, ter isso na caixa e capa, para que você saiba que existe mais alguém no universo tomando decisões, atirando nas coisas e voando por aí.
Quando você está andando pelo planeta em busca de tecnologias e recursos, às vezes umas naves passam voando por você. Quando isso acontece de maneira bem alinhada, sempre sei que é um NPC, contudo, certa vez, vi uma voando meio desgovernada, como se estivesse procurando algo na terra, e por alguns instantes pensei que era um jogador! Comecei a atirar para cima, tentando chamar a atenção, até tentei acertá-lo a nave, mas ela se foi…
Acredito que era só uma inteligência artificial, mas me fez perceber que os planetas também são enormes! Alguns devem ser maiores que a nossa Terra! E entendi que, mesmo se eu e outro jogador estivéssemos no mesmo lugar, jamais saberíamos, e novamente, veio a sensação de imensidão. O jogo conseguiu me fazer sentir pequeno diante de tudo.
Existe um discurso aqui. O jogo não foi feito pensando em agradar o mercado, mas para passar uma mensagem, fortalecer uma ideia. Primeiro, que somos pequenos demais diante do desconhecido. Segundo, que não estamos sozinhos no nosso mundo. Terceiro, que somente com tecnologia e evolução se consegue ir mais longe. Quarto, sem um objetivo, sem um plano, não se consegue sair do lugar.
No Man’s Sky tem mecânicas básicas que o tornam mais simples que Minecraft. Você tem uma nave, uma mochila e uma arma. As três coisas podem ser melhoradas com tecnologias novas e servem para carregar recursos.
Da mesma forma que os monólitos são a passagem das raças, suas histórias e cultura, a única forma de deixar minha marca nesse universo é através das pesquisas e descobertas.
A nave serve para se locomover mais rápido, ir ao espaço e dar saltos entre sistemas. Mas também é um lugar seguro em ambientes hostis, se você está quase morrendo em uma chuva ácida, sendo caçado por sentinelas e sem mais meios de recarregar sua arma, sem problemas! Entre e tudo ficará bem. Claro, nela, você também irá participar de incríveis batalhas espaciais, com tiroteios frenéticos e manobras ousadas.
Sua mochila está diretamente ligada a você, é nela que você melhora seus escudos, seus respiradores, jetpack, enfim, sua movimentação e segurança estão ali. Obviamente, ela também é seu principal estoque de recursos. Por fim, a arma é sua melhor amiga, pois sua sobrevivência depende dela. Com ela você atira nas coisas e coleta recursos, ou, se tiver equipado a tecnologia certa, pode matar tudo e todos.
Para tudo, existem tecnologias diferentes, encontradas quando se entra em estações, localiza naves caídas ou invade lugares. É possível encontrar blueprints, receitas de tecnologia que indicam que, com uma quantidade de recursos ou outros itens, você pode melhorar alguma de suas coisas. Contudo, todo upgrade ocupa um espaço, e isso é tenso. Sempre está faltando Slots. Fico imaginando que, antes do lançamento do jogo, foi anunciando um patch de melhorias e, nele, indicava que foi aumentando essa quantidade… Se hoje eu acho pouco, como deveria ser antes?
O jogo consiste em explorar para evoluir. Quando maior sua ambição, maiores as lutas. Invadir lugares indica receitas melhores, mas também chama a atenção de sentinelas. Matá-los, por sua vez, lhe dá titânio, algo muito útil. Entretanto, isso também atrai mais inimigos, e aí, companheiro, é a festa do tiroteio. Sobrevive quem conseguir.
Acredito que cada tipo de jogador irá achar mais atraente uma das áreas do jogo. Eu amo explorar, e, por isso, acabo ficando muito tempo andando pelos planetas, escaneando plantas e criaturas, fazendo uma grana com isso, além de encontrar lugares diferentes. Alguns vão gostar de se meter em problemas, atirar nas coisas. Atender aos pedidos de socorro e atirar em tudo. Outros, sem dúvida, vão preferir ganhar dinheiro e comprar naves melhores, itens avançados e descobrir os melhores para fazer negócios. Mas todos terão que sobreviver, pois sempre haverá diversidades, situações negativas e problemas.
Eu e mais dois amigos começamos a jogar juntos e nós três gostamos de No Man’s Sky por motivos diferentes. No entanto, é curioso ver que, mesmo com todos nós tendo tempos parecidos dentro do jogo, cada um está em momentos diferentes, fazendo coisas diversas. Um de nós, o que tem mais tempo de jogo, ainda está no primeiro sistema, não sentiu a agradável sensação misteriosa de dar um salto em direção ao desconhecido e tem os melhores equipamentos de nós três. Isso é fantástico! Todos conseguem jogar da sua forma, sem que o jogo prejudique ou obrigue a fazer nada diferente.
Para mim, No Man’s Sky é um jogo de exploração. Da mesma forma que eu me divertia jogando Minecraft sozinho, eu me divirto ainda mais podendo viajar no espaço, com tiros lasers e tecnologias. Contudo, o que mais chamou a atenção no jogo e o que eu mais busco são os Monólitos e Ruínas, a ideia de que tudo tem um passado forte é interessante. Sempre que posso, busco aprender uma faceta nova da história das raças e uma palavra nova de seus vocabulários.
É impressionante o trabalho que os desenvolvedores tiveram para criar todo esse conteúdo, e olha que eu ainda nem conheci todas as raças que existem no jogo, só sei um pouco sobre o relacionamento entre elas.
Além disso, acho incrível o fato de você poder dar nome para as criaturas, plantas, planetas e sistemas que descobre. Fico imaginando alguém chegando no planeta Sua Mãe que encontrei e, se for sagaz, entender a piada de que Sua Mãe é tão grande que é possível orbitar nela. Ou, então, os nomes bobos de tantas criaturas que cataloguei.
Da mesma forma que os monólitos são a passagem daquelas raças, suas histórias, sua cultura, a única forma de deixar minha marca nesse universo é através das pesquisas e descobertas. Talvez alguém, um dia, passe por um dos planetas que descobri, isso é difícil, mas a ideia e o discurso que isso envolve faz uma ótima analogia com o nosso mundo.
No entanto, sem dúvida o que irá te fazer amar No Man’s Sky é que, de certa forma, ele começa a fazer parte da sua vida. Depois de uma dezena de horas jogando, saí acreditando que entendi o jogo, suas mecânicas, e percebi que agora teria um logo processo de repetição pela minha frente. Explorar, coletar recursos, evoluir equipamentos, pesquisar a cultura local e partir para o próximo sistema seguindo o Atlas, o objetivo primeiro e guia da história.
Sai do jogo pensando nas coisas que tenho que fazer, que preciso encontrar uma arma Multi-Ferramenta melhor, juntar um milhão e meio para comprar uma nave nova que, de preferência, já tenha motores de propulsão evoluídos… Saí do jogo mas continuei jogando. Fiquei entrando na internet tentando ver que tipos de jatos existem para facilitar minha escolha diante de tantas opções.
Preciso voltar a explorar o espaço virtual, existem mais coisas ali que ainda não encontrei, coisas para fazer, lutas a travar e mistérios a desvendar. Quem ficaria parado diante do infinito e da liberdade? Navegar é preciso.
No Man’s Sky foi analisado no PC.