Mother Russia Bleeds

por Durval Ramos

Um tempero tarantinesco ao Miojo de sempre

Quando deixei a casa dos meus pais e passei a morar sozinho, o Miojo se transformou na base da minha alimentação. Não apenas porque era fácil de fazer, mas por ser uma receita que não tem erro. Não é preciso nenhuma habilidade para fazer com que ele funcione. E era óbvio que, depois de certo tempo, eu já não aguentava mais comer a mesma coisa e decidi arriscar em novos temperos, incrementando o sabor do macarrão. Adicionei queijo, requeijão e catchup. Porém, não importava o que eu colocava, aquilo continuava sendo um Miojo.

Essa estranha exposição da minha dieta de adolescente pode parecer não fazer sentido, mas ajuda a entender o que é Mother Russia Bleeds. Ele resgata a velha fórmula dos Beat ‘em Up ao estilo Streets of Rage e Final Fight, mas adiciona a pegada violenta que é característica da Devolver. E, olhando assim, realmente parece uma proposta bastante animadora. Porém, não demora para você perceber que deixar as brigas de rua mais brutais nada mais é do que uma tentativa de adicionar aquele tempero a algo que você já conhece bem o sabor. Mais do que isso, é se enganar de que é possível tirar um algo a mais de um jogo que você sabe que não vai lhe entregar nada de novo.

Mother Russia Bleeds

Os mesmos punhos

Mas não veja isso como algo ruim — longe disso, na verdade. Para quem sentia falta de um bom Beat ‘em Up, Mother Russia Bleeds vem para preencher essa lacuna. Ele ressuscita a fórmula que fez muito sucesso na geração 16-bits e traz uma roupagem um pouco mais moderna. A Devolver consegue apresentar uma pequena narrativa entre um murro e outro, o que garante que o game consiga entregar algo a mais além de muito sangue em sua tela.

Mother Russia Bleeds se apoia principalmente no saudosismo. Para quem cresceu dando porrada em capangas em Beat ‘em Ups clássicos, ele é uma ótima maneira de relembrar esse gênero.

A história de um grupo de pessoas vítimas de bizarros experimentos secretos na União Soviética está longe de ser algo profundo ou envolvente, mas oferece mais do que os clássicos se propunham a fazer. Por mais superficial e caricato que tudo seja, há uma história que é fácil de acompanhar e que funciona como uma boa justificativa para a violência que permeia o game.

Em termos de mecânica, o título não difere em nada daquilo que todos já conhecem. Isso, na verdade, é muito mais uma característica do gênero do que um mérito de Mother Russia Bleeds. Esse tipo de jogo fez sucesso na geração Mega Drive e Super Nintendo exatamente pela sua capacidade de se adequar a diferentes contextos. Foi essa estrutura maleável do Beat ‘em Up que nos permitiu ver desde Streets of Rage e Final Fight às adaptações mais fantasiosas de Power Rangers e Tartarugas Ninja.

Mother Russia Bleeds

Assim, ver um grupo de russos dando porrada sem parar em mafiosos é apenas mais uma skin dessa estrutura já conceituada. É claro que ele tem suas próprias características, como o uso da droga que deixa os personagens muito mais brutais e poderosos, mas a estrutura básica é exatamente a mesma que vimos no Super Nintendo.

O novo game da Devolver é a caricatura de um período e fica pelo caminho pelos mesmos motivos. Não é uma tragédia, mas também não empolga.

E é aí que a gente lembra por que o gênero caiu: ele era incapaz de evoluir. Ao longo de vários anos, vimos a mesma fórmula ser repetidas com diversos rostos diferentes, mas sempre com a mesma base. E Mother Russia Bleeds tropeça exatamente nesse ponto. Ele tenta adicionar um tempero tarantinesco, mas não consegue renovar o estilo.

Assim, quando a violência e o humor negro são postos de lado, você percebe que o jogo continua sendo a mesma coisa que vimos ao longo das últimas duas décadas, sem nada de novo. No fim das contas, ele continua sendo aquele Miojo básico de sempre.

Mother Russia Bleeds

Isso não faz com que o jogo seja uma tragédia, mas ele simplesmente não empolga. Assim como nos últimos Mortal Kombat, o sangue e a brutalidade vão gerar algum tipo de reação em um primeiro momento, mas logo se torna algo banal e você passa a ignorar a presença daquilo. Arrancar a cabeça de um inimigo para usá-la como arma pode soar agressivo nos primeiros cinco minutos, mas não é algo que vai sustentar a experiência ao longo de todas as fases.

Fora de seu tempo

Mother Russia Bleeds se apoia principalmente no saudosismo. Para quem cresceu dando porrada em capangas em Beat ‘em Ups clássicos, ele é uma ótima maneira de relembrar desse gênero que foi deixado de lado. Porém, ao mesmo tempo, ele nos lembra por que esse estilo acabou caindo no ostracismo. Os videogames evoluíram e passaram a nos oferecer muito mais do que a velha fórmula era capaz de entregar.

Mother Russia Bleeds

O novo game da Devolver é a caricatura de um período e fica pelo caminho pelos mesmos motivos. Assim como Duke Nukem Forever falha por ser um jogo dos anos 90 em 2010, Mother Russia Bleeds tropeça por querer ser apenas um Streets of Rage violento, mas sem entender que o apelo desse tipo de game ficou lá atrás e muito menos sem adicionar algo de novo que o diferisse do que ficou para trás.

Porém, ainda assim, Mother Russia Bleeds tem seu charme. O modo multiplayer é o maior exemplo disso, ao se concentrar em partidas locais, tal qual na geração Super Nintendo. Mesmo não sendo nada novo, se juntar a um amigo para dar porrada em bandidos é algo que ainda soa atemporal e é o que torna as coisas mais divertidas. Apesar de não ser o suficiente para fazer com que o jogo seja imperdível, é o que nos faz lembrar que, de vez em quando, um Miojo não é tão ruim assim.

O game foi analisado no PC, em cópia cedida pela Devolver.