Legado é algo que pesa. Carregar a responsabilidade de dar continuidade a algo que foi deixado pela geração passada nunca é simples e são poucos os ombros que suportam tamanho fardo. A pressão da expectativa e as comparações são inevitáveis e, em muitos casos, fatais.
E Gears of War 4 trata, em todos os sentidos, sobre essa ingrata e inevitável passagem de bastão. Não apenas por tirar o protagonismo de Marcus Fenix, herói e ícone da série, para dar lugar a seu filho, mas também por representar uma mudança nos bastidores. Com a saída da Epic Games, o novo capítulo da franquia ficou a cargo da The Coalition, um estúdio criado especialmente para dar continuidade à saga. Mas será que, mesmo com todas essas alterações, ainda é possível esperar algo de qualidade?
A resposta é sim. Gears of War 4 segura muito bem o peso desse legado, ainda que cometa alguns deslizes pelo caminho. Apesar das várias revoluções em todas as suas esferas, o jogo se mantém fiel às suas origens e entrega exatamente aquilo que os fãs esperavam — e nada mais.
Fica claro aqui que a The Coalition preferiu jogar seguro, não se arriscando em mudar a fórmula da série. Por um lado, isso é ótimo para quem temia uma mudança drástica no clima ou nos elementos que já são clássicos. Trata-se do mesmo Gears de sempre, sem tirar e nem pôr. Só que, sob outro ponto de vista, não sair dessa zona de conforto deixa evidente o quanto a franquia precisa evoluir e se reinventar. Afinal, as novas gerações não estão aí apenas para repetir o que as anteriores fizeram, mas para ser melhor.
JD Fenix é a tradução desse novo momento da série. Ele tenta se distanciar da figura de seu pai, mas parece ainda não ter se encontrado por completo.
Todas essas mudanças nos bastidores de Gears of War 4 acabam sendo refletidas em seu novo trio de protagonistas. JD Fenix, Del e Kait representam essa nova era no planeta Sera, na qual o papel da CGO dentro da sociedade mudou completamente com o fim da ameaça Locust. O simples fato de eles serem desertores do exército no qual Marcus lutou um dia já traduz essa busca que os novos heróis têm por uma identidade própria. Assim como a própria The Coalition, eles querem ser muito mais do que um ponto na sombra de seus antepassados.
Ainda que apelar para filhos seja uma solução deveras preguiçosa, ela funciona por aqui. Como dito, trata-se de passar o bastão a uma nova geração e essa relação familiar ajuda a costurar os eventos de Gears 3 com esse novo contexto. O desaparecimento de soldados da CGO, os grupos rebeldes e o surgimento de uma (não tão) nova ameaça são muito bem ambientados em torno da figura de JD.
Só que, ao mesmo tempo em que tenta se afastar dos jogos da Epic, a nova produtora ainda não se sente confortável em assumir uma identidade própria, preferindo manter tudo o mais familiar possível para os jogadores. Isso faz com que Gears of War 4 traga poucas evoluções, sendo quase apenas como uma extensão de tudo o que já vimos. A começar pela própria jogabilidade, que se vê presa dentro dessa zona de conforto. Com exceção de uma outra adição menor, como a possibilidade de finalizar inimigos durante o cover, pouca coisa mudou.
Em termos de mecânicas, Gears of War 4 traz pouquíssimas novidades e mostra que o estúdio ainda não se sente confortável em assumir uma identidade própria.
Não podemos exigir, é claro, que cada lançamento seja uma revolução. Mas não se trata de reinventar uma fórmula bem consolidada, mas de fazê-la evoluir. A preocupação em se manter fiel à estrutura original é tanta que ela acaba sendo apenas uma replicação ao invés de uma continuidade. E, de novo, uma nova geração deve vir para melhorar a anterior e não apenas para manter o que já foi feito.
Assim, ao tentar mostrar aos fãs que nada mudou na série que tanto amam, Gears of War 4 cai na armadilha de não apresentar seu diferencial. E isso acaba evidenciando alguns problemas, como sua narrativa simplista. Esse sempre foi um dos pontos fracos da série e acaba ficando ainda mais claro por aqui. Sem novidades na jogabilidade, a falta de profundidade se destaca e você percebe muito bem como toda a experiência se resume a uma explosão sendo seguida por outra maior ainda. Mais do que seus antecessores, Gears 4 é um jogo que deixaria Michael Bay excitado.
Sim, as novas armas, inimigos e situação conseguem criar uma variedade interessante, mas não a ponto e você evitar aquele “De novo?” quando outro monstro gigante surge após mais uma explosão. Sem alto e baixos necessários para dar ritmo ao roteiro, tudo o que vemos é uma tentativa de fazer com que tudo seja superlativo, o que acaba por anestesiar o jogador e eliminar o impacto que determinados momentos deveriam ter.
Se a campanha peca por não entregar nada de novo, a The Coalition consegue impor sua assinatura no modo multiplayer. Gears of War 4 mantém a tradição de trazer um online bastante intenso e variado, com várias novidades significativas tanto para quem procura apenas diversão com os amigos ou mesmo algo mais competitivo.
A começar pelas mecânicas básicas de personalização. Seguindo algo que a Microsoft já havia adotado em Halo 5: Guardians, o novo Gears também traz todo aquele sistema de cartas que liberam desde skins e armas a habilidades e benefícios para as partidas. É um modelo interessante que já havia funcionado anteriormente e que se encaixa dentro da proposta da série, incentivando que você continue a jogar em busca de melhores itens.
O multiplayer é onde Gears 4 mais recebeu novidades e mostra que a verdadeira vocação da série está em seu modo online, seja com o Horda 3.0 ou o foco no eSport do Escalada.
Já em relação aos modos, Gears of War 4 traz várias novidades de peso, a começar pelo novo Horda 3.0. Trata-se de uma atualização dentro do conceito que a gente já conhece, com a adição de um sistema de classes que oferece mais opções estratégicas às partidas. Além disso, os jogadores contam com a ajuda do chamado Forjador, uma espécie de caixa capaz de construir armas e fortificações, o que colabora para essa nova dinâmica. A presença desse novo elemento força os jogadores a se movimentarem mais pelo cenário, o que muda drasticamente o ritmo da partida, evitando que todo mundo fique de tocaia em um ponto seguro.
Outra grande adição é o chamado modo Escalada, voltado principalmente para quem busca mais competitividade. Com um foco muito maior no eSport, ele apela para a simplicidade e para a agilidade das partidas, colocando duas equipes para disputar terreno em um esquema de melhor de sete. A diferença é que a disposição das armas e o tempo de respawn está em constante mudança, o que muda o ritmo das disputas, além de exigir muita estratégia no campo de atuação.
E são essas novidades do multiplayer que dão força a Gears of War 4. Diante de uma campanha que insiste em se manter no mesmo lugar, o online traz o respiro de novidade que se esperava dessa estreia da série na nova geração. E não apenas dentro desse cenário mais competitivo, já que modos como o próprio Horda 3.0 e os novos Queimada e Corrida Armamentista são ótimas novidades também para quem busca apenas diversão sem compromisso.
Não há como negar que o fardo que a The Coalition herdou era enorme. Na verdade, era uma enorme armadilha. Por um lado, era esperado que o estúdio trouxesse novidades à fórmula icônica de Gears of War, mas também havia o temor de que esse novo começo descaracterizasse tudo aquilo que a Epic criou. Não havia saída fácil e, mesmo assim, a produtora conseguiu entregar um resultado final muito satisfatório.
A decisão de focar os novos elementos no multiplayer é algo que funciona, pois mantém intacto aquilo que os fãs queriam ver em termos de mecânicas ao mesmo tempo em que reinventa aquilo que realmente vai engajar a comunidade. Ao dar mais atenção ao eSport, a The Coalition consegue dar seu toque pessoal à série ao mesmo tempo em que estende a vida do game. Em paralelo, os outros modos unem as novas armas com a velha brutalidade da série para criar a experiência que já é familiar para todo mundo.
No fim, Gears of War 4 não é aquele game feito para conquistar novos fãs, mas para tranquilizar os antigos. Se você sempre se incomodou com a superficialidade da narrativa ou mesmo com a falta de variedade das situações apresentada, saiba que não via encontrar nada de diferente daquilo que a Epic nos apresentou no passado.
Como em qualquer caso de legado, a The Coalition se preocupou primeiramente em manter suas estruturas antes de pensar em evoluir. Isso tem seu preço, é verdade, mas não há como negar que a série realmente está em boas mãos. E, assim como JD Fenix, a produtora precisa de mais tempo para provar seu valor e mostrar que pode ir ainda mais longe do que a sombra de Marcus Fenix.
O game foi analisado no Xbox One, em cópia cedida pela Microsoft.