Uma das provas de que Resident Evil é uma das maiores franquias do mundo dos games, pelo menos entre os brasileiros, é a comoção que a mudança de perspectiva gerou entre os fãs. Enquanto uma parcela aplaudia o retorno do terror e os olhares para o passado, que já podiam ser percebidos na demo Begining Hour, outros execravam o jogo pelo mesmo motivo, taxando-o de nada mais do que uma cópia barata de outros games do gênero, e com muito pouco da essência da franquia de horror.
Ao jogar Resident Evil 7, dá para perceber que ambos têm sua parcela de razão. Em uma primeira vista, sim, o game aparenta ter poucas relações com a franquia, seguindo por um caminho todo seu (assim como RE4 fez antes, mas vamos deixar essa discussão para depois). Ao mesmo tempo, uma análise profunda e uma jogatina prolongada exibem as raízes do título e mostram que ele, no fim das contas, é “mais Resident Evil” que muitas das propostas recentes da série, mesmo que sua história acabe deixando a desejar nesse aspecto.
A franquia da Capcom nunca foi avessa a se reinventar, e isso data desde os tempos do primeiro PlayStation, onde, pela primeira vez, ela já flertou com uma perspectiva em primeira pessoa. Depois disso, vieram shooters on-rails, títulos com visão de cima, a introdução de um modo cooperativo, a possibilidade de controlar inimigos e um monte de novidades. Isso sem falar, claro, na total alteração de jogabilidade e estilo operada pelo já citado Resident Evil 4.
Resident Evil 7 uma das experiências mais tensas de toda a franquia, com o jogador sempre em posição de desvantagem.
Assim, RE7 representa mais um passo nesse caminho. Diante de títulos considerados meia-boca – RE6, estamos olhando para você – e do sucesso de outros jogos de terror como The Last of Us, Alien: Isolation e Outlast, principalmente, a Capcom acreditou ser hora de uma reinvenção. Assim como nas que foram realizadas no passado, algo sempre sobrevive.
A alteração mais flagrante, claro, é a perspectiva, que troca a visão tradicional em terceira pessoa para nos colocar nos olhos do protagonista. Mas não confunda Resident Evil 7 com um FPS – nem o chame de shooter. Apesar de possuir alguns trechos para agradar à parcela do público que curte dar uns tiros, na maioria do tempo, o game não poderia passar mais longe desse gênero. Ter o dedo frouxo não é o caminho mais correto, e, aqui, há algo mais em jogo. A alteração é notada não só na alteração de visão, mas também no perfil do protagonista.
Pela primeira vez em um game numerado, controlamos um personagem como a maioria de nós. Ethan Winters não é um soldado nem um agente treinado, ele é gente como a gente. E diante de circunstâncias acima de qualquer imaginação, se vê obrigado a lutar como pode pela própria sobrevivência, usando recursos encontrados pelo caminho e, o tempo todo, escapando por um fio de ameaças que parecem muito maiores e mais poderosas.
Outra influência do passado aparece nele. Ethan apresenta uma apatia frequente, mesmo quando eventos cruéis ou traumáticos se desenrolam – uma falha tanto de roteiro quanto de interpretação. Uma herança maldita dos primeiros games da série, que por mais que seja engraçadada, quebra o clima aterrador de toda a produção.
Isso faz com que a jogabilidade seja, ao mesmo tempo, fluida e travada. Andar e correr por aí é fácil, apesar de barreiras invisíveis surgirem aqui e ali como falhas nesse quesito. Usar armas, nem tanto, e a inabilidade do protagonista com equipamentos desse tipo é refletida no peso imposto sobre os controles e em uma certa dificuldade de mirar. O coice é grande e a velocidade de recarga também. E sempre estamos diante da decisão – o melhor é disparar ou correr?
O gerenciamento de itens, um aspecto meio negligenciado nos últimos jogos da série, também retorna com força. O espaço é pequeno, e durante todo o tempo, você estará contando as balas e com poucos itens de cura para os desafios que aparecem adiante. Em alguns momentos, o desespero se torna bem grande, assim como o alívio de encontrar as tradicionais salas seguras, que também fazem um retorno em Resident Evil 7.
Essa nova visão de mundo acompanha um dos gráficos mais realistas e bonitos que já vimos em toda a saga. A chegada da saga, finalmente, à nova geração, permitiu também o uso de um motor gráfico completamente novo, que trouxe um visual extremamente aterrador. Cada canto esconde um segredo, uma referência ou uma informação. O cenário fala com a gente, tanto quanto os personagens, e há muito a descobrir e explorar – apesar de erros de tradução para o português, muitas vezes, dificultarem as coisas.
Na união de tudo isso, o título apresenta uma das experiências mais tensas de toda a franquia. Ethan, e por consequência, o jogador, está o tempo todo em uma posição de desvantagem, e precisa se desdobrar para seguir em frente. Há sempre um jump scare, um inimigo e, no melhor de tudo, uma revelação adiante. Ao mesmo tempo, somos impelidos a seguir, enquanto pensamos “por que as pessoas fazem isso?”
Acredite, você não sabe quase nada sobre Resident Evil 7, mesmo que tenha acompanhado toda a divulgação do game.
Apesar de tudo isso, existem problemas. Além da falta de esquiva, que ajudaria muito contra alguns oponentes, existem situações em que a dificuldade fica desbalanceada, enquanto elementos no cenário podem confundir. Certas cenas acabam se tornando um jogo de tentativa e erro em meio a mortes sucessivas, frustrando os jogadores.
Ainda, Resident Evil 7 carrega alguns vícios e problemas oriundos da era mais moderna da franquia. Citá-los, aqui, seria entregar spoilers, mas existem as situações em que a Capcom decidiu ir longe demais no conceito, e acabou se perdendo, ou ultrapassando os limites do universo que ela própria criou. São quebras na tensão e no realismo do game que soam como os piores momentos dos títulos anteriores, e que por mais que não quebrem o game, serão responsáveis por reações negativas dos fãs.
A trama de Resident Evil 7 não poderia começar de maneira mais clichê. Ethan Winters recebe uma mensagem da esposa, Mia, desaparecida e dada como morta três anos antes, e acaba partindo para a cidade de Dulvey, onde ela supostamente está. É, quase literalmente, a mesma trama de Silent Hill 2, algo que frustrou os fãs pela falta de criatividade.
Resident Evil 7 carrega alguns vícios e problemas da era mais moderna da franquia, mas citá-los aqui seria entregar spoilers.
Essa, entretanto, é apenas a desculpa para nos levar à residência dos Baker, uma família que sumiu na mesma época que Mia, um mistério pode estar relacionado ao desaparecimento de ainda mais gente. E quando o assunto é enredo, antes de tudo, precisamos citar outra grande mudança de Resident Evil 7, que aconteceu na estratégia de marketing do título.
A verdade é que, antes de jogar, estamos no escuro. Conhecemos apenas as linhas gerais da história e algumas imagens e inimigos. A Capcom, aqui, trocou a divulgação espalhafatosa, cheia de trailers e mistérios, por um marketing citado por alguns como monótono, que mostrava pouco e repetia muitas cenas. E essa foi a melhor ideia para um game que esconde revelações e referências em cada esquina.
Acredite, você não sabe quase nada sobre Resident Evil 7, mesmo que tenha assistido a todos os trailers, vídeos de jogabilidade e lido entrevistas. Isso se prova verdadeiro já no começo, com a perversão quase total daquilo que sabíamos a partir da demo Begining Hour – constituindo um dos melhores momentos de todo o título -, e segue até o fim, quando se percebe que as imagens divulgadas correspondem a, no máximo, um terço do conteúdo total. Há muitas surpresas aqui, e acredite, você sentirá frio na barriga com muitas delas.
Na soma de tudo isso, Resident Evil 7 acaba tendo, para a franquia, um papel semelhante a “Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força”. Sabe aquela sensação de que estamos em um universo completamente novo, mas ao mesmo tempo, tudo tem cheirinho de passado? É exatamente a que é deixada pelo game, de seu começo até o fim.
Elementos antigos, mais entendidos pelos fãs, estão de volta, como o cuidado de explicar melhor o que significam as ameaças enfrentadas ou os mistérios colocados em plena vista, o que deve gerar teorizações, textos e discussões entre os fãs. Ao mesmo tempo, o jogo pode servir como uma bela porta de entrada até mesmo para quem nunca jogou, sendo plenamente entendível por si só e, ao mesmo tempo, abrindo diferentes margens para que os novatos possam retornar aos títulos anteriores.
Falar mais sobre a trama seria entregar spoilers, e não estou aqui para fazer isso. É preciso, entretanto, retornar a uma sensação comum entre muitos fãs, a de que existe um distanciamento entre Resident Evil 7 e o restante da saga. Ele existe, sim, e na maioria do tempo, por mais que as referências e citações estejam lá, a sensação é de se estar jogando um game à parte.
Assim como “O Despertar da Força”, entretanto, Resident Evil 7 também deve acabar servindo para abrir portas. Em um ensejo que soa familiar e novo ao mesmo tempo, os novos personagens desse teatro são apresentados, assim como o estilo e clima desse novo mundo. Agora, todos estão acomodados e com os cintos apertados. Basta apenas seguir em frente até um destino que parece ser muito interessante.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Capcom.