Desde a época do PlayStation 2, jogos de mundo aberto em áreas urbanas e contemporâneas se tornaram bem populares, tais como a série GTA, Mafia, Shenmue e a própria Yakuza, com seu apelo exótico da Tóquio do inicio dos anos 90 e toda excentricidade dos mafiosos e do mundo do crime oriental. Eu, particularmente, estive longe da franquia desde de seu segundo episódio, bem como de seus spin-offs ambientados no Japão Feudal, um pouco por falta de tempo mas creio que, principalmente, pela mesmice em que a marca acabou por se afundar.
Agora, com Yakuza 0, tive a oportunidade de me reinserir nesse mundo que à primeira vista pode atrair tanto amantes RPGs de ação e mundo aberto quanto amantes da cultura nipônica, e comprovar se realmente o “zero” do titulo faz jus a uma nova porta de entrada para a franquia. Sa ikuzo!
Em mais uma noite comum na vida atual do nosso protagonista Kazuma Kiryu, o vemos terminando um trabalho de cobrança onde o devedor já se encontra completamente apavorado e prostrado no chão, apos levar uma bela surra, mas nada que venha a ameaçar sua vida. Apenas um recado e uma lembrança para honrar seus compromissos com a máfia. Porém, no dia seguinte, ele é encontrado morto com um tiro na cabeça, e isso acaba por desencadear uma série de acontecimentos, intrigas, traições e alianças inusitadas no submundo do crime de Karamucho, cidade fictícia do Japão no final da década de 80.
Yakuza 0 é uma boa porta de entrada para a série, apesar de não trazer grandes novidades em relação aos demais jogos da franquia.
Como o jogo se passa dez anos antes do titulo original da série, vemos um Kazuma muito mais submisso e, até certo ponto, inexperiente na hierarquia da Yakuza, tendo muitos a quem se relatar ou dar explicação de seus atos. Essa posição dentro da organização serve de apoio para a narrativa do jogo avançar, uma vez que a velha e enfadonha fórmula, conhecida dos jogos de mundo aberto, está fortemente presente aqui.
O personagem “A” nos pede para irmos até “B”, recuperar “C” e voltar para “A”. Até aí, nada de tão errado, já que é um dos padrões atuais da indústria, mas, a forma como essa “missões” são infladas com atividades aleatórias (side-quests) muitas vezes impostas de forma obrigatória enquanto andamos pelas ruas da cidade, é extremamente irritante e desmotivador.
Mesmo com a trama principal sendo muito bem produzida em seu roteiro e suas cenas chave, com a atuação de rostos famosos do cinema japonês, sermos forçados a parar nossos afazeres para conversar com um policial carente ou com uma equipe de filmagem que está sem um de seus integrantes é algo muito mal planejado dentro da estrutura do jogo, isso só para citar alguns dos encontros aleatórios não opcionais. Vale mencionar também que, praticamente, apenas a história principal conta com atuações e diálogos dublados, com todo o restante possuindo apenas legendas nas conversas longas, sonolentas e desinteressantes.
A jogabilidade herda o que se tem visto nos títulos mais recentes da série, com controles bem fluidos e câmera livre na exploração da cidade, exceto em ambientes fechados como lojas e restaurantes. Já nas lutas, ainda é um pouco difícil focar em apenas um adversário quando enfrentando uma gangue, por exemplo, problema existente da série desde de sempre.
Existem estilos de luta diferentes à disposição desde o início, e outros que podem ser desbloqueados conforme se progride no jogo. Cada um tem sua vantagem dependendo da situação, seja contra uma gangue numerosa, inimigos armados com laminas ou adversários únicos mas extremamente fortes e versáteis, exigindo mais da sua agilidade ou sua defesa.
Tais estilos de luta, bem como outros atributos, podem ser melhorados dentro do sistema de evolução do jogo que, economizando de forma bem esquisita na quantidade de menus e valores que devemos administrar, utiliza o próprio dinheiro do jogo (ganho durante qualquer luta) como pontos de experiência a serem gastos em atributos. Ou seja, a economia do jogo é atrelada à evolução do personagem e vice-versa, coisa que força nossa saída da imersão na trama.
O fato é que as lutas são inúmeras, a cada esquina somos desafiados por algum mal encarados e seus comparsas, fazendo em muito lembrar as irritantes batalhas aleatórias dos antigos JRPGs, e novamente servindo apenas para inflar o tempo de jogo.
Como todo jogo de mundo aberto que se preze, Yakuza 0 possui muitas atividades opcionais (nem tanto…), umas mais interessantes que outras, algumas mais politicamente incorretas que outras, mas todas refletindo de uma forma caricata (ou não) a cultura oriental e seus exageros. Tudo isso seria uma excelente forma de colocar conteúdo variado no game de forma a prender o jogador por mais tempo mas, não espere nada muito mais elaborado do que um karaokê onde usamos apenas os direcionais do controle, como em um jogo de ritmo qualquer.
De maneira geral, Yakuza 0 é uma boa porta de entrada para a série, apesar de não trazer grandes novidades em relação aos demais jogos da franquia e nem mesmo a outros títulos no mercado do mesmo gênero. Graficamente falando, também não chega a impressionar, uma vez se trata de um titulo de PlayStation 3, lançado apenas no Japão, relançado para a geração atual. É essa a versão que chega ao Ocidente.
Assim como ser membro da mafia japonesa que dá nome a série requer submissão e dedicação, o jogo exige muita suspensão de descrença, desapego de convenções culturais e uma dose cavalar de paciência para aturar os infindáveis diálogos sem dublagem. Ou, em outras palavras, o equivalente a cortar o dedo mindinho com um canivete, coisa que alguém com algum gosto pela cultura oriental facilmente sabe lidar.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Atlus.