Ficar travado em um único inimigo por muito tempo não é exatamente uma característica de games recentes. Eu mesmo não me lembrava a última vez que isso havia acontecido por mais do que algumas horas, quando não tinha a ver com um bug insolúvel do próprio jogo. Fazer backtracking ou farmar níveis também não são as ações mais legais do mundo, principalmente quando isso é, praticamente, essencial para seguir em frente.
Em Nioh, entretanto, me vi fazendo isso tudo isso diversas vezes, e, ainda por cima, sem achar a experiência cansativa ou maçante. Chegar a um chefe de fase era uma experiência, ao mesmo tempo, aterradora e intensa. Quais serão as artimanhas do bichão? Que técnicas terei que usar para derrubá-lo? Quantas horas perderei nesse combate, e quantas vezes vou morrer?
Não pule para conclusões – Nioh é bem mais do que uma grande colcha de retalhos de tudo aquilo que deu certo em diferentes jogos do gênero.
Parece um tanto masoquista enfrentar um desafio sabendo que, quase com certeza, você não chegará ao final dele vivo. É justamente no desafio, sempre com cara de que vai dar (ou não), que reside o maior apelo de Nioh, um game que tem cara de muita coisa que já veio antes, mas que, por si só, entrega uma experiência da qual você não vai se esquecer por algum tempo.
Antes de mais nada, vamos tirar o elefante da sala: Nioh é, sim, merecedor da alcunha que lhe vinha sendo dada desde antes do lançamento. Em uma primeira olhada, ele pode muito bem ser considerado como uma “versão oriental de Dark Souls”, substituindo apenas o ensejo medieval e soturno pela atmosfera dos samurais.
Ao mesmo tempo, ele também traz ares do estilo Musou, tenta inserir um sustinho aqui e ali e pode fazer com que o jogador até mesmo se lembre do passado distante de Onimusha, com elementos como a variação de estilos de combate e a leveza de alguns ataques, bem como o impacto bastante satisfatório sobre os inimigos.
Mas não pule para conclusões – Nioh é bem mais do que uma grande colcha de retalhos de tudo aquilo que deu certo em diferentes games do gênero. Por mais que tenha se inspirado em diversos títulos e até traga características bem reconhecidas de outros, todos esses aspectos também carregam uma identidade própria. É o que torna Nioh uma experiência especial por si só.
A começar por um sistema de “fases”. Em vez de um gigantesco mapa cheio de possibilidades e caminhos, o título da Team Ninja assume uma faceta um pouco mais linear, levando o jogador por diversos ambientes ao longo de um andamento de história bastante tradicional – resolva os desafios, enfrente chefes e assista às cutscenes, seguindo em frente e se embrenhando cada vez mais na história.
Mesmo assim, quem gosta de explorar cada cantinho terá muito o que fazer aqui, com os ambientes de cada estágio, se é que podemos chamá-los assim, mesmo, sendo extremamente vastos e cheios de nuances. Cada cantinho esconde um item e, a qualquer momento, o telhado no qual você está andando pode ceder, te colocando no meio de um monte de inimigos dentro de uma casa. Oponentes sorrateiros se escondem atrás das paredes, e, de repente, um grande demônio pode surgir do nada e sair correndo como um louco atrás de você.
Se a jogabilidade e os belos gráficos de Nioh já não são motivos o bastante para te fazer jogar, quem sabe o envolvimento de Akira Kurosawa seja o suficiente para isso.
Nessa variação de desafios e situações está o principal aspecto da jogabilidade de Nioh, que não te pune apenas por punir, como outros títulos semelhantes. Mesmo estando fraco ou com um nível baixo, o título sempre faz parecer que você é plenamente capaz de vencer o que está adiante, se jogar direito. E ao morrer, sempre fica a sensação de que a culpa é sua, por ter tomado atitudes erradas, e não do inimigo estrategicamente desleal.
Outro aspecto elusivo tem a ver com as diferentes posturas de combate, que modificam o gasto de stamina e a força dos golpes. Em um primeiro olhar, essa variação pode fazer parecer que o jogador terá liberdade para escolher seu estilo de jogo, variando entre abordagens mais conservadoras ou agressivas. A verdade, entretanto, é que existe uma hora e lugar para cada estilo, e dominar todos eles é essencial para seguir em frente.
O conhecimento sobre a hora certa de atacar com mais força e o momento de se defender ou esquivar-se se mostra, muito rapidamente, como essencial. Os golpes e confrontos fluem naturalmente, apesar da dificuldade de se acostumar com a variação de comandos e combinações de botões no começo do título. Tudo é muito leve e natural.
É justamente isso que surge como um dos maiores diferenciais de Nioh. O controle pleno que temos sobre o protagonista passa a sensação de que é possível vencer qualquer desafio com a estratégia certa. Isso pode não ser verdade 100% das vezes, e o já citado backtracking pode ser necessário aqui e ali, mas quem souber usar as posturas e os Espíritos Guardiões, que servem como ataques especiais, pode rapidamente alterar em favor próprio o balanço dos combates.
Se a jogabilidade e os belos gráficos de Nioh já não são motivos o bastante para te fazer jogar, quem sabe o envolvimento de Akira Kurosawa seja o suficiente para completar esse salto. O game nasceu como um roteiro inacabado do cineasta, que contaria de forma fantasiosa e romanceada a história de William Adams, o primeiro marinheiro ocidental a chegar ao Japão e também o primeiro não-japonês a se tornar um samurai.
É claro, na história real, não temos o fato de que o protagonista aprendeu a lidar com a espada lendo escritos durante a viagem ao Oriente, nem os Yokai, monstros que aparecem aqui e ali como mais uma ameaça não apenas ao jogador, mas a todo o mundo. É aí, justamente, que entra a ficção, com a força de figuras históricas reais tornando a história verossímil e palpável.
Una a tudo isso as belas cutscenes e um trabalho apurado de dublagem, com vozes do além aleatórias revelando fatos e histórias durante o gameplay e uma modelagem de personagens muito bem feita nas cutscenes. É uma história, ao mesmo tempo, intimista e grandiosa, com grandes vilões e inimigos coexistindo com cidadãos comuns, histórica e fantasiosa, com figuras reais ao lado de monstros sobrenaturais e poderes místicos.
Um prato cheio, capaz de mudar até mesmo a cabeça de quem não curte o gênero. E fazer alguém como eu, que diz não gostar de jogos que nos fazem sofrer, atrasar a hora de dormir para tentar matar aquele chefe “mais uma vezinha”, um processo que se estenderia por horas, sem sucesso, mas curtindo cada segundo de fracasso.