Seus caminhos o trouxeram até aqui. Hoje, você provavelmente não estaria em seu emprego ou se relacionando com quem ama não fossem as experiências do passado, que o moldaram como pessoa, o fortaleceram – ou enfraqueceram, de acordo com o que aconteceu – e o tornaram que é hoje. Estamos sempre caminhando para a frente, em busca de algo, ao mesmo tempo em que o que já ficou para trás é sempre trazido na bagagem.
The Legend of Zelda: Breath of the Wild é assim. O game de mundo aberto da Nintendo, estreante no Switch e provável último suspiro do Wii U, é uma grandiosa jornada rumo à salvação do mundo. Todos os passos dados neste caminho influenciarão lá na frente e a sensação, sempre, é de estar participando de algo muito maior.
Link é pequeno, frágil e, muitas vezes, pode até parecer despreparado, jogado em um mundo vasto sem saber muito bem por onde seguir ou como tudo funciona. Pelo caminho, entretanto, vai ganhando aliados, mas eles só podem ajudar o personagem até certo ponto. No final, é sua bravura e coragem – além de uma boa dose de inteligência e sorte – que servirão como os passos finais em sua jornada e definirão o desfecho.
A diferença é que, aqui, não está em jogo apenas o destino de Link, mas também de todo o mundo. Pressão pouca é bobagem.
Em Breath of the Wild, o protagonista acorda de um sono profundo, sem memórias nem noção exata de onde está. Rapidamente, porém, é situado do tipo de desafio que está diante de si. Link e um grupo de quatro Heróis, liderados por Zelda, perderam a primeira batalha contra Calamity Ganon, que mais do que assassinar quase todos, também tomou controle dos próprios armamentos do reino.
Breath of the Wild é o melhor Zelda desde Ocarina of Time e o game de lançamento de console mais forte desde Super Mario 64.
Em uma atitude desesperada, a princesa salva Link, deixando-o desacordado até que se recupere, e parte sozinha. Há um século, apenas ela impede que Ganon tome conta do mundo, mas seu poder está chegando ao fim, e é hora de o herói retornar. É uma grande responsabilidade jogada nas costas de quem, até aqui, estava usando um graveto como arma.
Os sensos de urgência e grandiosidade são os dois aspectos que tornam a experiência com The Legend of Zelda: Breath of the Wild tão especial. Após um pequeno conjunto de missões que serve para que o jogador se acostume aos controles e conheça um pouco do funcionamento do mundo, a trama é apresentada e o objetivo final é delineado. Durante toda a aventura, você estará trabalhando para derrotar Calamity Ganon, e tudo o que você fizer servirá como preparação e antecipação ao confronto.
O título tem, praticamente, uma missão única. E a qualquer momento, se desejar, o jogador pode rumar para o Castelo de Hyrule para enfrentar o chefe final. Durante todo o tempo, enquanto sobrevoa áreas, resolve missões secundárias ou busca itens para progredir, o palácio está ao fundo, dominado pelas forças maléficas de Ganon. Sempre um lembrete de que aquele mundo não é tão colorido quanto parece. Sempre uma lembrança de qual é sua missão naquele universo.
Ao mesmo tempo, entretanto, as pessoas parecem ter seguido a sua vida, principalmente em regiões não afetadas pela transformação das grandes máquinas controladas pelos Heróis em instrumentos de Ganon. É quase como acontece em uma região de conflito, mas claro, mostrada de uma maneira lúdica como só a Nintendo pode fazer. O mundo está à beira do caos, sim, mas a guerra já se estende há mais de um século, e as vidas das pessoas simplesmente continua, apesar da destruição e das ameaças.
É com esse equilíbrio de momentos tensos e significativos com missões menores, como a busca de presentes para o crush de um NPC ou a localização de sementes para uma criatura mágica, que Breath of the Wild segue em frente. E por mais que algumas missões não tenham relação direta com o combate a Ganon, absolutamente todas possuem sua relevância, pois garantem itens, melhorias ou até mesmo Rupees que podem ser usados, mais adiante, na preparação para a batalha final.
Mesmo com todas as opções de preparação disponíveis e os diferentes métodos de se chegar ao mesmo objetivo, não dá para não ficar intimidado dentro deste mundo. Breath of the Wild apresenta um dos cenários mais vastos já vistos em um game de mundo aberto e o jogador, durante todo o tempo, se sentirá extremamente pequeno diante de tudo aquilo.
Esta é uma prova cabal de que o mercado de jogos de mundo aberto não está saturado. O que faltam, na verdade, são jogos com tempero e vida, que ousem pensar fora da caixinha.
Questionamentos sobre a própria capacidade de enfrentar o mal maior do mundo surgem o tempo todo. Quando achamos que estamos avançando, bem preparados para o que está adiante, encontramos os Guardiões dominados por Ganon, que antes serviam para trazer segurança a Hyrule, e que são capazes de matar Link com um único tiro. Olhando para cima, vemos as máquinas de guerra também controladas pelo vilão, as mesmas que temos que recuperar para auxiliar no combate.
E Link está sozinho, a pé, no meio de tudo aquilo. Mas ele, ao contrário do jogador, não treme nas bases, e é como se essa atitude servisse como incentivo para que quem o está controlando também siga em frente.
A barra de stamina está sempre reduzindo enquanto você faz um esforço desesperado para fugir de um ataque ou escalar um morro mais alto. Suas armas, sempre prestes a quebrarem, pois nesse mundo, os itens possuem prazo de validade. Por mais que tenha uma mochila cheia de comida, você as verá se esvaindo rapidamente durante o combate contra inimigos mais fortes, juntamente com as preciosas flechas que garantem a segurança da distância, mas tiram pouca energia dos oponentes.
Trafegar a pé será, ao mesmo tempo, uma necessidade e uma ameaça constante, ao ponto de o jogador sempre buscar regiões altas de onde possa voar, seja para chegar mais rapidamente aos objetivos ou, simplesmente, para evitar ser atacado. Lá de cima, entretanto, você enxerga um Shrine, que garante orbes que melhoram as habilidades de Link, ou pontos de interesse. O local, porém, está cercado de inimigos. Será que vale a pena descer?
Ao mesmo tempo em que tudo parece novo e diferente, dá para se sentir perfeitamente confortável nesse mundo. Ao contrário do isolamento e distanciamento que permeiam a estratégia da Nintendo no mundo dos consoles, o time de desenvolvimento deste Zelda, liderado por Eiji Aonuma, fez a lição de casa, e ao entregar esse mundo aberto, mostra ter aprendido com muita gente grande.
Referências a Red Dead Redemption aparecem no comportamento dos cavalos, enquanto inimigos brutais e apelões, que atacam de repente, dão aquele toque de Dark Souls à coisa. Portal é lembrado nas dezenas de enigmas que envolvem a física e a utilização de momentum para progredir. Far Cry e outros títulos da Ubisoft marcam presença na forma de liberação do mapa. Mas não é como se Breath of the Wild fosse uma salada mista de atributos de outros jogos. Ao mesmo tempo em que toma nota de outros títulos, ele também tem uma lição a ensinar a cada um deles.
Link está sozinho, a pé, no meio de tudo aquilo. Mas ele, ao contrário do jogador, não treme nas bases, e é como se essa atitude servisse como incentivo para que quem o está controlando também siga em frente.
Breath of the Wild tem, sim, algumas falhas, que soam mais como inconvenientes diante das maravilhas entregues pelo jogo. É confuso, por exemplo, que a lista de missões esteja em um menu separado do mapa, acessível por um botão diferente. Os pop-ins, sempre presentes em jogos de mundo aberto, também comparecem aqui, frutos da falta de capacidade dos consoles, juntamente com a queda na taxa de quadros por segundo quando jogamos no “modo TV” do Switch.
Por outro lado, tais imperfeições são compensadas por outros cuidados igualmente técnicos. Ao chegar aos limites do cenário, por exemplo, nada de paredes invisíveis – Breath of the Wild nos coloca diante de uma bem real, de pedra, que pode até ser escalada. Uma chuva constante, entretanto, impede que o jogador chegue ao topo, dando um toque de naturalidade ao fato de que você simplesmente não pode seguir adiante.
Acima de tudo isso, porém, The Legend of Zelda: Breath of the Wild é uma prova cabal de que o mercado de jogos de mundo aberto não está saturado. O que faltam, na verdade, são jogos com tempero e vida, que ousem pensar fora da caixinha. A aventura de Link acerta em todos os pontos, usa bem as referências e traz diversas inovações por si só. Se Grand Theft Auto III foi o marco do começo da era atual de games do estilo, Breath of the Wild é um dos representantes de seu apogeu.
O novo Zelda é, sem dúvida alguma, o sandbox mais imersivo e expansivo desde Grand Theft Auto V. É, também, uma das experiências mais incríveis que chegaram ao mundo dos jogos nesta década. Provavelmente, um dos melhores Zeldas desde Ocarina of Time. E, com certeza, o título de lançamento mais forte de um console desde Super Mario 64.
O game foi analisado no Nintendo Switch.