Em plena E3 e em meio a um dos momentos mais agitados do calendário gamer, os jogadores brasileiros se viram diante do que pode ser a primeira iniciativa real para uma redução dos altíssimos preços dos jogos eletrônicos no Brasil. Na última quarta-feira (14), o senador Telmário Mota (PTB-RR) emitiu parecer favorável a uma sugestão legislativa movida pela internet, que pedia uma redução da carga tributária, dos atuais 72% para 9%, alíquota usada nos EUA.
A proposta surgiu a partir do portal e-Cidadania, um espaço criado pelo governo federal para que qualquer cidadão possa sugerir leis ou mudanças na legislação do país. Caso ela atinja 20 mil apoios em até quatro meses, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) é obrigada a analisa-la, e se os membros acreditarem em sua validade, podem permitir que ela siga seu caminho na pauta do Senado.
Todo brasileiro pode utilizar o portal e-Cidadania, criado em 2012 justamente para estimular a participação popular na política. Mas desde a abertura da ferramenta, nunca se viu uma mobilização popular como a iniciada por Kenji Kikuchi, de 18 anos, um estudante carioca que joga desde os cinco. Sua ideia levou menos de um dia para atingir a marca necessária para análise, e no momento em que a proposta chegou às mãos do senador, já acumulava mais de 74 mil apoiadores.
Autor da sugestão legislativa, Kenji Kikuchi também criou o movimento Games Para Todos.
Nem mesmo o jovem esperava por isso, e em entrevista ao New Game Plus, taxou o apoio popular de impressionante. A ideia chegou às alturas com o apoio da comunidade gamer da rede social Reddit, que foi onde, inclusive, Kikuchi tomou conhecimento do portal, decidindo fazer sua primeira sugestão.
Quando se leva em conta o escopo da utilização do e-Cidadania, as marcas são ainda mais impressionantes. De acordo com os dados do governo federal, 18,4 mil ideias legislativas já foram cadastradas pelo portal, e 10,9 mil não chegaram ao volume mínimo de apoios. Mais de duas mil outras foram arquivadas por irem contra os termos de uso, que proíbem a utilização de linguagem chula, declarações de ódio ou violência e propostas que vão contra as cláusulas pétreas da Constituição Federal, como o direito ao voto direto e secreto ou as garantias individuais do cidadão.
Entre as ideias descartadas estão sugestões que permitiriam o retorno da ditadura, instituição de pena de morte ou prisão perpétua. De todas as submetidas até hoje, 27 foram encaminhadas para a CDH, sendo que apenas cinco receberam um parecer. E a de Kikuchi está entre elas, recebendo um posicionamento favorável em tempo recorde, equivalente à mobilização popular que gerou.
Passos maiores
O sucesso da sugestão de Kikuchi levou não apenas à formulação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), mas também à criação do movimento Games Para Todos, que procura garantir uma redução da carga tributária que incide sobre o setor. O projeto recebeu o apoio da imprensa especializada e também de desenvolvedores independentes, o que levou o grupo a formular uma segunda proposta, que tenta colocar os jogos ao lado de produtos de informática em termos de desoneração fiscal.
O senador Mota, entretanto, vê uma emenda como a única maneira efetiva de promover uma mudança na tributação. Ele sugere a categorização dos jogos em uma imunização de impostos semelhante à que recebem jornais, livros, CDs, DVDs, produtos musicais, partidos políticos e tempos religiosos, alterando o inciso VI do artigo 150 da Constituição.
Em seu relatório, reconhece o tamanho diminuto do mercado nacional de jogos e o fato de que ele é esmagado por taxas altíssimas. A falta de alternativas, na visão do senador, se deve ao fato de que jogos não são produtos essenciais, e sendo assim, não podem fazer parte de políticas que reduzem impostos como IPI e ICMS, por exemplo, já que atos do tipo são voltados para aumentar o poder de compra da população mais pobre.
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— Telmário Mota (@TelmarioMotaRR) 16 de junho de 2017
Por outro lado, o senador enxerga que os benefícios de uma desoneração vão além do crescimento da indústria, com o aumento nas vendas gerando emprego, lucros e renda para os lojistas. Além de um aumento na arrecadação do governo por conta desses fatores, ele vê ainda um efeito direto na pirataria, que deixa de representar uma vantagem para os consumidores.
Entretanto, Kikuchi acredita que existem meios mais rápidos de chegar a esse fim do que uma PEC. “A ideia de modificar a Constituição me parece excessiva, pois demora muito e está sujeita ao clima político. Nossa proposta baseia-se em uma sugestão de lei comum, que coloca os games na mesma condição que computadores e softwares”, explica.
Essa alternativa já foi apresentada aos senadores e aparece de forma detalhada no site do Games Para Todos. A ideia é modificar a categorização dos games de forma que eles recebam as mesmas desonerações e incentivos fiscais relacionados aos produtos de informática, mas também mantendo seu caráter de produto audiovisual, para que produtores independentes possam receber financiamento, sem que seja necessária a criação de programas específicos para isso.
O trabalho cita bons exemplos, como o do México, que teve aumento significativo em arrecadação quando viu o setor crescer 30% apenas com a queda nos impostos. O país ocupa a 14ª posição no mercado de jogos e está atrás do Brasil, que é o 12º, mesmo sem incentivos do tipo. “A carga tributária excessiva nos video games impede que a indústria cresça”, afirma Kikuchi, ecoando as vozes de milhares de jogadores em todo o país.
Desde segunda-feira (19), o NGP vem tentando contato com o senador Telmário Mota, em busca de mais informações sobre a proposta e a escolha por uma PEC. Para poder ser apresentada, ela depende agora da assinatura de 27 senadores, total que representa um terço da Casa. Ela também precisa ser discutida em comissões e será assunto de audiências públicas, sem prazo para continuar caminhando e, muito menos, confirmações de que se tornará uma realidade.