O mundo das franquias nunca é tão simples quanto a ordem numérica, que vai de 1 até o infinito. Na medida em que uma série se expande, ganha novos episódios e passa pelas mãos de diferentes criadores, diversas ramificações podem ser feitas como forma de organização, que no final das contas, acabam não sendo tão organizadas assim.

Neste artigo, mais um da série que elucida termos que usamos com frequência no mundo dos games, vamos falar sobre esses caminhos tortuosos seguidos por muitas sagas do mundo dos games. Afinal de contas, por que tantas divisões e o que é um jogo canônico e um game spin-off?

Qual a necessidade disso?

Antes de entrarmos nas definições específicas, é importante olhar para o que vem antes de tudo. Digamos que você é um escritor e publica um livro de incrível sucesso sobre a grande luta de Joãozinho contra o mal. Sua editora, claro, vai desejar que você faça sequências, afinal de contas, todos querem saber como a história continua.

Ao mesmo tempo, você e seu público se afeiçoaram demais a Zézinho, um personagem secundário. Todos gostariam de ver mais sobre ele, mas a sua saga, no fim das contas, é a história de Joãozinho. Como atender a todos os gostos e vontades sem gerar uma bagunça cronológica? A diferenciação entre cânon e spin-off é a solução para isso.

Rabbids

O problema é que, na maioria das vezes, isso nem sempre é preto no branco, e como a própria série está em evolução, o uso dos termos também varia bastante. Jogos canônicos ou spin-offs podem beber das mesmas fontes ou apresentarem discrepâncias absurdas na medida em que cada autor, desenvolvedor ou distribuidor assume para si uma forma de lidar com esses termos.

Mas o intuito da nossa série é elucidar as coisas, então, não poderíamos responder à pergunta que dá título a esse texto com um grande “depende”. Por isso, vamos às raízes básicas dessa divisão. Se você for fã de uma franquia, cabe prestar atenção ao que desenvolvedores e produtores dizem com relação a cada um dos títulos lançados.

Cânon

A palavra vem do grego e, em sua definição mais básica, indica a existência de um conjunto de regras relacionadas a um determinado assunto. Mas o cânon, como aplicado na indústria do entretenimento, tem mais a ver com a versão bíblica ou judaica do termo, que indica quais são os livros aceitos em uma determinada religião e quais não são considerados como parte dela.

No mundo dos jogos, mais especificamente, o cânon de uma série são os jogos considerados como parte de uma história contada em capítulos, muitas vezes, mas nem sempre, em ordem numérica. Os jogos canônicos, como vemos por aí, são aqueles que fazem parte de uma saga e cujos eventos influenciam em seu andamento.

Uncharted 4

Um exemplo de cânon bem organizado é o da saga Uncharted, com os quatro títulos que contam a história de Nathan sendo lançados em ordem cronológica e numérica. Vamos do aventureiro de corpo e alma de Drake’s Fortune ao homem dividido entre família e perigos de A Thief’s End, em uma evolução de personagens que segue do primeiro ao quarto títulos da franquia.

Nos cinemas, uma série que também apresenta sequência bem organizada é Star Wars. Apesar dos lançamentos fora da ordem, com prequels chegando aos cinemas 20 anos depois dos originais e mais continuações décadas depois, também temos aqui uma contagem que vai do um ao nove (com dois filmes ainda a serem lançados) e que conta uma história completa, dividida em três trilogias. Tudo o que precisamos para entender o que está acontecendo aparece nos longas, que precisam ser vistos em sequência para que a trama seja entendida como um todo.

Nem sempre, entretanto, a presença de números depois dos títulos indica uma ordem cronológica ou serve como indicador de cânon. E é aqui que as coisas começam a ficar mais complicadas, com a franquia Metal Gear sendo o maior exemplo de seguimento de uma linha cronológica clara, mas com títulos que não fazem muito sentido entre si.

Metal Gear Solid The Phantom Pain

Em 1987, temos o lançamento de Metal Gear, seguido de Metal Gear 2: Solid Snake, de 1990. Em 1998, a série tomaria um rumo completamente diferente, ainda que ligado ao passado, e com um novo subtítulo – Metal Gear Solid. O terceiro game dessa nova série, Snake Eater, entretanto, perverte essa lógica e entre uma história que nos leva de volta ao passado, antes de todos os jogos anteriores. No quarto game, Guns of the Patriots, voltaríamos ao futuro, e depois, em The Phantom Pain, retornaríamos a um momento anterior.

Resident Evil também sofre do mesmo mal. Seus títulos numerados também representam uma ordem cronológica, apesar de termos prequels e remakes no meio do caminho, mas a história está fragmentada em diferentes títulos, que vão e voltam no tempo e formam uma verdadeira colcha de retalhos, o que nos leva ao segundo ponto desse artigo…

Spin-off

Quando falamos em spin-off, estamos falando de uma história derivativa, cujas bases surgem a partir de uma produção original, mas que segue seu próprio caminho. Isso pode se referir tanto a personagens quanto à trama em si, normalmente indicando uma trama que é ligada marginalmente à da série principal, ou tem suas origens firmadas nela antes de seguir o próprio caminho.

Better Call Saul

Como sempre, exemplos falam mais do que explicações teóricas, e a melhor forma de demonstrar o que é um spin-off é a indústria de TV. Uma das séries mais conceituadas do momento, “Better Call Saul”, é derivada de “Breaking Bad”, um dos shows mais geniais de todos os tempos.

Outros exemplos clássicos também podem ser citados aqui. A fracassada “Joey”, por exemplo, tentou manter o sucesso de “Friends” com foco em um dos seis protagonistas, enquanto a também cancelada “24: Legacy” quis continuar a ação frenética de “24 Horas” no mesmo universo da série original, mas sem boa parte de seus personagens.

No mundo dos games, entretanto, esse conceito acabou sendo pervertido e Resident Evil é um dos maiores exemplos disso. Na franquia da Capcom, spin-off é um termo usado para representar qualquer jogo que não faça parte da saga numerada, mas que normalmente são parte integrante do cânon como qualquer outro. Às vezes, até, eles trazem informações relevantes para a série principal.

Essa bagunça terminológica começou com Resident Evil CODE: Veronica, um game que, inclusive, era para ser o terceiro numerado da série, mas acabou sendo “promovido” para uma nova geração de plataformas, no Dreamcast. Outros exemplos são os shooters da série Chronicles, que apesar de carregarem até um estilo diferente, acrescentam fatos à história central, assim como Revelations, que inclusive, pode ter até um vilão “exportado” para os jogos centrais da saga.

A própria saga Uncharted, citada ali em cima como um exemplo de cronologia bem construída e ordeira, também já teve seu spin-off. Golden Abyss, lançado em 2011 exclusivamente para o PlayStation Vita, é também um prequel, voltando a eventos anteriores a Drake’s Fortune e contando uma história desconectada dos eventos futuros, mas que revela mais sobre o passado de Nathan.

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Mais exemplos de spin-offs – Assassin’s Creed Chronicles, com estilo 2.5D e histórias protagonizadas por assassinos coadjuvantes da série principal; Dead Space: Extraction, shooter on-rails que até foi desenvolvido pela Visceral Games, que também fez os jogos principais; e Metal Gear Rising: Revengeance, que mostra um Raiden overpowered trabalhando para exércitos privados quatro anos depois de Metal Gear Solid 4.

Nem sempre, entretanto, títulos spin-off fazem parte da cronologia central das séries que representam. Muitas vezes, eles nem mesmo trazem história, como é o caso de Tekken Tag Tournament, uma série de jogos da Bandai Namco que não traz avanços nas tretas do clã dos Mishima e é focada totalmente na pancadaria.

A expansão Infamous: Festival of Blood, também apresenta uma reimaginação da série de mundo aberto, mas em um mundo em que vampiros existem, enquanto Street Fighter EX trouxe os lutadores de rua para um mundo tridimensional, com novos personagens e desafios, mas sem que isso interferisse no enredo central.

Street Fighter Ex

É justamente aqui que entra aquele “depende” que mandamos no começo deste artigo. A aplicação do termo spin-off não segue uma lógica no mundo dos games e cada produtora prefere agir como quiser com relação a ele – muitas vezes, até mesmo mudando a abordagem com o andamento de uma franquia.

Um spin-off nem sempre participa do cânon de uma série, mas muitas vezes, fazem parte. Títulos inicialmente desenvolvidos como secundários podem ganhar importância maior caso façam sucesso, enquanto outros, numerados e legitimamente participantes de uma cronologia, podem ser deixados de lado por serem diferentes demais ou não terem atingido aprovação crítica e comercial. Eles não deixam de fazer parte da trama, mas seus eventos podem ser esquecidos ou deixados de lado, no esquecimento.

Caso você queira saber se aquele jogo de sua série preferida é ou não parte da história, procure por declarações dos produtores – normalmente, apenas buscar o nome acompanhado da palavra “canon” já soluciona essa dúvida. Ou, então, nos consulte, estamos aqui para isso mesmo!

A série “O que é”, de tempos em tempos, elucida termos bastante usados na indústria dos jogos. Você pode contribuir com dúvidas e sugestões pela área de comentários ou em nosso grupo no Facebook.

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