Os jogos de corrida, assim como praticamente qualquer outro tipo de título, permitem graus de experiência de acordo com o fanatismo de cada um. Há quem jogue apenas no controle, enquanto outros gostam dos volantes. Quem leva a coisa um pouco mais a sério pode adquirir um cockpit ou até usar um conjunto de monitores para simularem até a visão periférica ao volante. Óculos VR podem aumentar a imersão, mesmo que só para os olhos e cérebro.
Nada, entretanto, é capaz de aproximar os jogadores tanto da experiência de dirigir um carro como o MotionSphere. O aparato gigante parece algo saído dos filmes de ficção científica, usando um sistema avançado de algoritmos matemáticos, esferas mecânicas e uma tela com 140 polegadas para entregar, da forma mais realista possível, a sensação de pilotar. Para uma imersão maior do que esta, só entrando em um carro de corrida de verdade.
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A tecnologia 100% brasileira foi criada em Curitiba (PR) por Jefferson Masutti, na época como um TCC da faculdade de Engenharia da Computação. Por um acaso, acabou chamando a atenção de Roberto Facci, um apaixonado pelo universo das startups que já havia vendido duas empresas para grandes grupos de mídia e do mercado financeiro. Foi durante um trabalho de consultoria nos Estados Unidos que ele conheceu o simulador.
“Meu primeiro pensamento foi de que o responsável [por aquele equipamento] iria ficar rico”, lembra Facci, em entrevista ao NGP durante o Geek City 2017. E qual não foi a surpresa ao descobrir que a pessoa em questão não apenas era brasileira, mas também residia em Curitiba? Foi na lavanderia de Masutti que o empreendedor teve o primeiro contato com o MotionSphere, ainda em seu primeiro protótipo.
O encontro aconteceu em 2013, e no ano seguinte, eles fundaram uma empresa. Desde então, já foram sete versões do MotionSphere e presença em eventos como Fórmula 1, Salão do Automóvel, Stock Car e feiras de cultura pop e entretenimento. A companhia possui, ao todo, 12 simuladores, todos produzidos integralmente na capital paranaense e rodando o mundo, também com exibições nos Estados Unidos e Europa.
Millie Bobby Brown, a Eleven de “Stranger Things”, experimenta o MotionSphere durante o Geek City 2017.
No Geek City 2017, a parceira era com Bandai Namco para a divulgação de Project CARS 2. E se em nossa prévia do game, já falamos na imersão absurda proporcionada apenas pelo uso do HTC Vive durante a pilotagem, essas sensações são elevadas à máxima potência quando se entra no MotionSphere.
Se por fora, a aparência do simulador impressiona, por dentro, ele é como um carro tradicional, com direito a painel, volante e câmbio. Uma gigantesca projeção da pista faz as vezes de para-brisa, enquanto o isolamento é total. Dentro da esfera, quase não dá para ouvir o que acontece do lado de fora, enquanto caixas de som espalhadas pela circunferência passam a sensação de áudio espacial.
O movimento das próprias esferas faz o resto do trabalho, simulando os movimentos do carro com uma bela ajuda da força da gravidade. A aceleração faz com que o jogador fique de costas para o chão, enquanto a frenagem faz o contrário. Movimentos laterais e trepidações completam a ação, enquanto o jogador não percebe exatamente que está sendo jogado para lá e para cá devido à já cirada privação sensorial.
Para todos os efeitos, é como estar, efetivamente, dentro de um carro. Na demonstração que testamos, só faltava o vento para completar o pacote. Segundo Facci, isso é plenamente possível e está disponível em outras versões do simulador, capazes de adicionar até mesmo a temperatura do ambiente à pilotagem.
Física, matemática e entretenimento
No Geek City 2017, como dito, o MotionSphere rodava Project CARS 2. Em suas aparições em feiras por aí, entretanto, o simulador já proporcionou experiências de imersão em diversos outros games. Os amantes da velocidade estiveram bem representados com franquias como MotoGP, da Milestone (com direito a uma moto de verdade dentro do aparato), e F1, da Codemasters, além do game oficial da Stock Car. Quem prefere outras experiências também pode voar pela Terra, em Flight Simulator, ou pelo espaço, em Star Wars Battlefront.
https://www.youtube.com/watch?v=kEePYfTHyVQ
No coração do simulador está a conversão dos movimentos dos veículos ou naves em movimentos das esferas, reproduzindo a força G. Mas como exatamente tudo funciona? “Se eu te contasse, teria que te matar, pois você descobriria nosso segredo”, ri Facci, explicando, logo depois, que a magia acontece por meio de uma mistura entre algoritmos e fórmulas matemáticas, desenvolvidos pela MotionSphere, e o próprio motor físico dos títulos que estão rodando.
“A maior parte dos jogos já exporta as informações de aceleração e outros aspectos dos modelos 3D. Nós extraímos isso e calculamos a posição das esferas de forma a reproduzir tais sensações”, continua. O método facilita a conversão dos títulos para o MotionSphere, enquanto seu funcionamento extremamente rápido garante o realismo. “Esses dados são atualizados 200 vezes por segundo, garantindo movimentos em tempo real”, completa.
Facci destaca também o pioneirismo do projeto, citado por ele como uma das três soluções existentes no mundo a reproduzir os chamados “seis graus de liberdade”, ou seja, as sensações que experimentamos no mundo real. Duas delas envolvem pistões e braços robóticos, já estão em domínio público e custam milhões de dólares para construção de uma única unidade. “O MotionSphere custa uma fração disso”, explica.
A inovação é tanta que, durante o Geek City, a equipe da empresa comemorava a obtenção de uma patente do produto nos Estados Unidos, onde o simulador foi registrado como invenção e, agora, está protegido legalmente. Segundo o co-fundador da empresa, esse é só o começo, já que outros projetos de atualização já estão passando por análise para também serem registrados lá fora.
Zero vendas e milhões em lucro
Mesmo com o preço de produção mais baixo em relação a outras tecnologias do tipo, o MotionSphere ainda assim custa alguns milhares de reais, mais especificamente, cerca de R$ 150 mil. Não é, como dá para imaginar pelo tamanho, algo para se ter na sala de casa – apesar de o desejo de alguns amantes da velocidade já terem entrado em contato com a empresa pedindo por isso. Isso gerou um desafio à parte para a empresa, que teve de adaptar seu modelo de negócios.
Sendo assim, saiu a ideia da venda direta de equipamentos e entrou o investimento em ações de marketing e entretenimento. Eventos, feiras, shopping centers e festas podem contratar a MotionSphere para realizarem exibições, enquanto marcas podem utilizar o simulador para exibirem seus títulos – como fez a Bandai Namco, com Project CARS 2, durante o Geek City. “[Nosso produto] é muito mais do que um simulador e constituiu uma verdadeira atração, sendo uma grande ferramenta de marketing”, avalia Facci.
https://www.youtube.com/watch?v=mgTdzuYMJVs
Além de rodar títulos consagrados, a máquina também pode ser usada para apresentaçoes específicas. Uma parceria com a Volkswagen, por exemplo, levou os visitantes do Salão do Automóvel de Buenos Aires, na Argentina, para o interior de um motor TSI da montadora ao melhor estilo “Viagem Insólita”.
A ideia deu certo e, até hoje, a MotionSphere não vendeu um único simulador. Por outro lado, fechou 2016 com um faturamento de R$ 2,1 milhões. “Temos grandes clientes que adoram ver seus títulos e peças de marketing rodando em [nossos] equipamentos. A MotionSphere dá vida ao conteúdo desses parceiros”, conta Facci, com um sorriso no rosto.
Levando em conta a imersão e a qualidade da simulação, fica difícil imaginar onde está o espaço para ampliar a oferta ainda mais. O co-fundador da empresa, entretanto, garante que isso não só é possível como já se trata de um processo em andamento. O MotionSphere ainda tem muito o que evoluir, afirma Facci, que parece mal poder esperar para mostrar o que a companhia vai fazer no futuro próximo.
Nós vimos um pouco do que está por vir, mas não podemos falar. A única garantia é de que a palavra mais dita pelos usuários do MotionSphere continuará a ser proferida ao redor dele – “Impressionante”.