“Agora é a hora que você tem que decidir se aprova ou não uma lei que obriga o trabalho infantil”. Foi assim que Frostpunk, o novo game da 11 bit Studios, me recebeu logo nos primeiros minutos de jogatina. “Devido às circunstâncias, eu recomendo o ‘sim’, e não vou te julgar por isso”, apontou Piotr Bajraszewski, diretor de desenvolvimento de negócios da desenvolvedora, que acompanhava minha experiência durante a BGS 2017.
Naquele momento, fiz a escolha difícil. Afinal de contas, estamos em um longo e tenebroso inverno – eterno, na realidade – e a cidade precisa de toda mão-de-obra disponível. Neva, a temperatura é de muitos graus negativos e precisamos de todos os recursos que conseguirmos coletar para que a caldeira possa funcionar. É ela que aquece toda a nossa cidade pós-apocalíptica e é, praticamente, a única coisa que separa não apenas eu mesmo, mas todos os cidadãos, da morte certa.
Desenvolvido pelos mesmos responsáveis por This War of Mine, o game eleva à última potência as decisões morais do antecessor. Antes, estávamos em um microcosmo, escolhendo entre roubar os recursos de uma família para que possamos alimentar a nossa própria ou matar aquele oponente que tenta fazer o mesmo com a gente, mas em defesa de seus parentes idosos. Em Frostpunk, o destino de toda uma população está nas mãos do jogador.
É o que a 11 bit Studios chama de “society survival”, ou “sobrevivência social”, um gênero que ela se orgulha de ser a expoente inicial. É uma mistura de game de estratégia, com o bom e velho gerenciamento de recursos em um mundo devastado, com a administração vista em títulos de enfoque político. Aqui, estamos no final do século XIX e no auge do desenvolvimento das máquinas a vapor. O calor significa a vida, mas neste mundo, não basta apenas manter as pessoas quentinhas – é preciso, também, garantir que elas estejam satisfeitas, em vez de apenas sobrevivendo.
A escolha por obrigar as crianças a trabalharem, por exemplo, garantirá que mais recursos estarão disponíveis, e de maneira mais rápida, mas também será o primeiro baque em uma sociedade que ainda está começando a se reerguer. É, também, a primeira de tantas decisões difíceis que, na pele do administrador dessa cidade, o jogador terá que tomar.
Toda decisão tem consequências, e ao contrário do que acontece na política brasileira, não é possível voltar atrás. “Uma vez tomada a decisão, você terá de lidar com os reflexos dela durante todo o game”, explicou Bajraszewski quando perguntei se, em um futuro, eu poderia simplesmente não mandar mais as crianças trabalharem. “É melhor que você pense bem, mesmo não sabendo exatamente o que vai acontecer no futuro.”
Sempre em frente, por mais difícil que seja
Estamos em um universo no qual algo muito grave aconteceu, mas não dá para saber exatamente o que. A única coisa que o executivo da 11 bit Studios me adiantou é que existem diversas outras cidades como a minha espalhadas por aí e tão isoladas quanto. Para saber exatamente o que está acontecendo, era preciso estabelecer contato com elas, com a história de Frostpunk se desenvolvendo a partir de fragmentos de informação obtidos por mensageiros.
A população, entretanto, não parece tão preocupada com isso – ou, pelo menos, esse aspecto tem menor importância em relação à própria sobrevivência e de seus entes queridos. O que é plenamente justificável. A construção de uma obra que não necessariamente auxilia nesse quesito pode ser mal vista pelos cidadãos, assim como leis que os obriguem, por exemplo, a trabalhar nos finais de semana em prol da construção da cidade.
Felizmente, a velha política do pão e do circo também funciona aqui. E, depois de criar tendas para que todos possam dormir nos arredores da caldeira, também é possível construir barracas de alimentação, que melhoram a qualidade da comida, e arenas de jogos, com lutas e outros esportes divertindo a todos e fazendo-os esquecer da situação desgraçada em que se encontram.
Tudo funciona por meio de um sistema de grids, tradicional quando o assunto são games de estratégia. Aqui, entretanto, ele é um pouco diferente, circular, e com construções que sempre precisam estar lado a lado, além de nas proximidades da caldeira, principalmente no caso dos dormitórios dos cidadãos.
Com o avanço da tecnologia e do tempo, é possível construir novas fornalhas, que ajudam na expansão do local e também na organização dele. Os contatos com o exterior também garantem que mais gente chegue à cidade, mas felizmente, elas sempre virão com o intuito de colaborar. Ataques de forasteiros não são uma preocupação em Frostpunk, o único biscoito lançado aos jogadores pela 11 bit Studios em um mundo onde todos estão absolutamente desesperados.
Cuidados com o design também ilustram esse sentimento de isolamento e desesperança. Há um ciclo de dia e noite no game, com os cidadãos desempenhando tarefas diferentes de acordo com o horário. É possível acompanhar a movimentação da luz solar e observar a escuridão da noite se aproximando, como um mau agouro e a noção de que algo de muito ruim está para acontecer nas sombras. “Essa pode ser uma alegoria para as decisões políticas, que sempre acontecem ao amanhecer”, afirmou Bajraszewski.
Vivos e contentes
Durante todo o tempo, o jogador precisa trabalhar no limite entre a satisfação da população e as necessidades ligadas à sobrevivência deles, nem sempre claras para os próprios. Comentários de habitantes demonstram o nível geral de aprovação do jogador enquanto gestor, influenciando também na qualidade do trabalho realizado.
Há também toda uma árvore de ramificações relacionadas às decisões. As condições são precárias e, em determinado momento, uma criança se acidentou durante a coleta de recursos, um fruto direto da minha decisão de permitir o trabalho infantil. Ela foi descuidada e, agora, eu possuía a escolha de dar a ela o dia de descanso, ou então, puni-la pelo descuido. Optei pela primeira.
No dia seguinte, entretanto, uma mãe de outro garoto proibiu o filho de ir trabalhar, por medo de um novo acidente. Mais uma vez, a escolha cabia a mim – abrir uma exceção ou obrigar o garoto a cumprir seu dever. Desta vez, não fui tão benevolente, por medo de uma revolta popular. A situação gerou um confronto entre a mulher e a polícia, que resultou na morte dela, mostrando que as decisões mais “corretas”, nem sempre, são exatamente isso.
A 11 bit Studios, entretanto, faz questão de afirmar que não estamos falando de um jogo maniqueísta. Frostpunk não traz um caminho certo e outro errado, mas sim, um sistema em que os jogadores são incentivados a fazerem o melhor possível pelo seu povo, mesmo que isso resulte em algumas decisões impopulares pelo caminho, que vai se tornando mais difícil na medida em que a cidade cresce.
Além disso, ao contrário do que acontece com muitos simuladores do tipo, Frostpunk tem um final. Caso o jogador não tome cuidado com suas ações, entretanto, esse encerramento chegará antes do esperado e na forma de uma insurgência. Não fique atento à satisfação da população e, também, às necessidades básicas dela, e você pagará com a própria vida. “Eles vão te matar antes de morrerem”, explicou Bajraszewski.
Frostpunk tem lançamento marcado para o final deste ano e chegará inicialmente aos PCs. De acordo com a desenvolvedora, após o lançamento, versões para consoles também devem ser produzidas.