Operação Netuno, Dia D ou, simplesmente, o dia que é lembrado como um dos grandes pontos da Segunda Guerra Mundial. O desembarque das tropas americanas na França, em plena praia da Normandia tomada por metralhadoras nazistas, é um dos momentos mais violentos e simbólicos do conflito. Como não poderia deixar de ser, é também o ponto de partida para Call of Duty: WWII.
Aqui, porém, não estamos falando de um ataque icônico, daqueles que quem assistiu a “O Resgate do Soldado Ryan”, por exemplo, não se esqueceu. O que é considerado, com controvérsias, como um dos pontos de virada da Segunda Guerra Mundial representa, também, a mesma coisa para essa que é uma das principais franquias de games de tiro do mundo, e também a maior marca do mundo dos games, uma posição que vinha sendo cada vez mais ameaçada por decisões erradas.
Ao olhar para o passado, não apenas da história do mundo mas também da própria série, Call of Duty: WWII tenta recomeçar, voltando ao bom e velho combate com pés no chão, arma na mão e velocidade no gatilho. O resultado é o melhor game da série desde a geração passada.
O título desenvolvido pela Sledgehammer Games não representa simplesmente um retorno às origens, mas sim, uma mistura. Sai tudo aquilo que desfigurou a franquia e que a deixou com cara de shooter futurista genérico nos últimos anos, entra aquele ar de passado que muita gente vinha pedindo desde os velhos tempo de Modern Warfare. A visceralidade do título, acima de tudo, chama a atenção.
Não poderia ser diferente, afinal de contas, estamos falando aqui de um dos conflitos mais sangrentos da história do planeta. Esse aspecto pode ser percebido desde os primeiros momentos da campanha, com o desembarque do jogador nas águas da Normandia acontecendo em meio ao sangue dos aliados, com cabeça, pernas e outros membros destroçados pelas balas nazistas.
Logo ao desembarcar, você provavelmente tomará alguns tiros, mas ao buscar abrigo, notará que sua energia não mais se regenera sozinha. Call of Duty: WWII, logo em seus primeiros segundos, mostra efetivamente estar disposto a mudar, não dando colher de chá ao jogador da mesma maneira em que, numa guerra como esta, simplesmente não existe bondade.
Call of Duty: WWII pode não ser o título dos sonhos dos fãs mais puristas da franquia, mas com toda certeza, é uma guinada significativa na direção certa.
Outros elementos presentes nos títulos mais recentes da franquia desaparecem completamente. Esqueça os upgrades no personagem, os poderes robóticos ou tecnológicos e, acima de tudo, a capacidade de ampla e veloz movimentação pelo cenário. Com WWII, Call of Duty volta, como muito se falou, a ser um game com os pés no chão, inimigos ferozes mesmo nas dificuldades mais baixas e um pouco de pensamento estratégico.
No novo game, muitas dinâmicas aprendidas nos anteriores devem ser esquecidas. Ele envolve mais se esconder pelos cenários e saber o momento de recarregar armas de 70 anos atrás, que nem de longe possuem a mesma velocidade e precisão das de hoje, do que correr desesperadamente por aí enfrentando hordas de oponentes. E pense rápido, pois logo alguém vai jogar uma granada para te tirar da segurança.
Se vocë acompanha a série, meio que já sabe o que esperar quando o assunto é o modo história de um Call of Duty, e aqui, essa lógica persiste. Temos um modo single player que dura, em média, sete horas. Em poucas fases, assumimos o papel do Cabo Ronald Daniels, um dos membros da Primeira Divisão de Infantaria, como já citado, o grupo de americanos que marcaram a estreia dos EUA na Segunda Guerra Mundial.
O enredo é fragmentado, dando grandes saltos temporais e nos levando a diferentes momentos do teatro da guerra e da campanha americana Europa dentro. Em meio a tudo isso, evolui a relação entre o protagonista e seus companheiros de luta, bem como as rixas com um superior que não necessariamente possui os mesmos ideais e abordagem em relação ao que está acontecendo. É, basicamente, aquela história de guerra clichê, com viradas previsíveis e que diverte, mas não empolga.
Por outro lado, chama a atenção o trabalho fiel de reprodução dos ambientes e clima da guerra, fruto de um trabalho feito muito de perto com historiadores e especialistas. O jogador é colocado em missões reais, cujo andamento realmente foi significativo para que os aliados vencessem o combate contra as forças do eixo. No papel de Daniels, estamos em meio a tudo isso, não como aquele soldado prodígio capaz de mudar, sozinho, os rumos do conflito, mas como alguém que efetivamente fez a diferença, mesmo que de maneira localizada. Alguém que efetivamente atendeu ao “chamado do dever” e fez diferença por isso.
Mantém-se, também, o foco patriótico e americanizado de Call of Duty. Não podia ser diferente em um game desse tipo, mas a Sledgehammer não se esquece do trabalho com outros aliados, colocando-nos em missões ao lado da resistência francesa que, inclusive, rende um dos melhores e mais tensos momentos da campanha single player.
Citar este título apenas como um Call of Duty à moda antiga, entretanto, não é fazer jus a ele. Enquanto no modo single player os ares são de passado, com algumas melhorias e atualidades aqui e ali, a parte multiplayer, preferida da maioria dos jogadores é um tributo a tudo o que há de mais atual – e nem sempre tão legal assim – no mercado atual.
A maior mudança é a introdução do Quartel-General, uma espécie de hub onde os jogadores podem editar armamentos, alterar a aparência dos soldados e, principalmente, gastar pontos em itens ou abrir as tão mal faladas loot boxes, que aqui, felizmente, rendem apenas itens cosméticos, melhorias como XP em dobro e, no máximo, artigos para o modo Zumbis. Toda a evolução efetiva, por outro lado, acontece do bom e velho jeito, bastando jogar e mandar bem para crescer na vida.
Ao adicionar um hub social, a Sledgehammer também facilita a vida dos novatos, permitindo que eles testem as armas antes de entrarem em uma partida só para descobrir que aquela metralhadora recém-habilitada é horrorosa. No Quartel-General também dá para assistir ou participar de partidas 1v1, assistir a torneios de eSports e até jogar uns títulos clássicos da Activision.
O multiplayer do game traz as inovações de hoje, nem sempre de formas muito legais. Para compensar a presença de loot boxes, temos diferentes classes e customizações, além do modo Guerra, que dá mais sentido ao tiroteio.
As diferentes classes de personagem, desta vez, correspondem a diferentes divisões do teatro da guerra, permitindo, também, um aceno a outras nacionalidades. Nesse ensejo, vale a pena citar que os fã dos rifles sniper, finalmente, poderão fazer bom uso deles, pois muitos dos cenários possuem posições avançadas onde os jogadores poderão se posicionar para assassinar oponentes à distância. Pela primeira vez na franquia, principalmente nos modos que envolvem dominação de terrenos, ter um franco-atirador na equipe será de extrema importância.
Quando se fala em objetivos, ainda, não dá para deixar de citar outra adição, o modo Guerra, que pode ser definido como uma mistura entre a campanha e o multiplayer. Aqui, temos versões simplificadas de alguns dos principais eventos do caminho americano pela Segunda Guerra, como a Operação Cobra e o próprio desembarque na Normandia, com partidas um pouco mais longas e empolgantes que dão significado ao tiroteio que todos nós já conhecemos.
Quem procura diversão rápida, entretanto, pode, como sempre, encontrá-la no Mata-Mata em Equipe ou no modo Zumbis, que apresenta a maluquice e agilidade de sempre. A presença de mais celebridades aqui do que na campanha, com destaque para o escocês maluco interpretado por David Tennant (de “Doctor Who” e “Jessica Jones”), além de mais acenos ao passado de Call of Duty, chamam a atenção.
O modo nem sempre é palatável para os novatos, mas desta vez, a Sledgehammer trabalhou um pouco nesse quesito, deixando os objetivos mais claros e o caminho a seguir um pouco mais direto. Ainda assim, como em todo game cooperativo, dependemos de parceiros que saibam minimamente o que estão fazendo para que a experiência não deixe de ser interessante para se tornar uma chatice.
O resultado de tudo isso acaba sendo uma experiência daquelas feita sob medida para atrair de volta quem não gostou do tom futurista dos últimos games da franquia, mas ao mesmo tempo, tenta não deixar de fora os fãs mais recentes. A linha, entretanto, é clara – Call of Duty: WWII parece ser mais dedicado aos veteranos desta guerra.
Sendo assim, é o título que todo mundo queria? Não necessariamente – falta o charme do passado e, acima de tudo, os personagens icônicos, que deixaram sua marca na franquia mesmo estando inseridos em uma campanha que é considerada tradicionalmente fraca. A ambientação aqui é incrível, mas faltou um pouco de alma dentro desse corpo tão bem construído.
Call of Duty: WWII também não pode ser considerado como um sinal de que, daqui em diante, tudo vai ser diferente. O game anterior da desenvolvedora Sledgehammer, Advances Warfare, foi o último foco de luz antes de dois anos de escuridão futurística e jogos bem abaixo da média. E, novamente, estamos diante de dois títulos pelas mãos dos mesmos responsáveis por isso pelos próximos anos.
A sorte está lançada e, agora, a esperança é que o feedback dos fãs, e principalmente, o voto com a carteira demonstrado agora, sirva para uma retomada real.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Activision.