Na saga Star Wars, a corrupção é um dos temas recorrentes. Seja em figuras centrais ou periféricas, a ideia de que alguém pode se deixar levar para um lado sombrio por fraqueza, inocência ou, simplesmente, ruindade, sempre está lá. Esse é o dogma dos Jedi, o dilema moral de uma Aliança Rebelde que luta pelo bem, mas às vezes precisa fazer o mal, e também a corda bamba em que praticamente todos os personagens estão.
Basta um deslize, um passo errado ou atitude impensada para que tudo vá para o diabo. E, como em qualquer tipo de dogma, uma vez corrompido, você está provavelmente condenado. O lado Sombrio é extremamente poderoso, e uma vez que entrelaçar você em suas maléficas garras, você dificilmente conseguirá sair.
Essa é uma analogia que serve muito bem para Star Wars Battlefront II. O título, um dos grandes lançamentos do ano para a distribuidora Electronic Arts, tinha tudo para ser exatamente aquilo que os fãs queriam desde o lançamento do primeiro título dessa nova franquia, há dois anos. Não fossem as maléficas garras do lado negro da indústria de joguinhos.
Antes mesmo de seu lançamento, já se sabia que Star Wars Battlefront II era uma grande demonstração de feedback entendido. Após o lançamento do primeiro título dessa saga, bem recebido pela crítica mas bastante criticado pelos fãs pela ausência de uma campanha e fragmentação do conteúdo em trocentos DLCs, a DICE e a EA sabiam que precisavam entregar uma proposta mais consistente.
E é exatamente isso que temos aqui. No título, a desenvolvedora aumenta o número de heróis e também de possibilidades, expandindo a ação para todas as eras de Star Wars. A produtora deixa a linha cronológica de lado em prol da diversão, permitindo que, por exemplo, a X-Wing de Poe Dameron lute ao lado da Aliança Rebelde ou que Darth Maul compareça em plena batalha de Yavin 4 para auxiliar no avanço do Império.
Os modos disponíveis, entretanto, são os mesmos, com o grande destaque sendo dado, novamente, para as modalidades de Ataque Galático ou com Caças Estelares. No primeiro, novamente, temos reproduções de momentos clássicos da saga, de forma adaptada para uma jogatina baseada em objetivos. Os jogadores de um lado devem conter o avanço dos rivais, enquanto estes devem cumprir missões específicas.
É lamentável que Star Wars Battlefront II vá entrar para a história não pelos combates e ambientação incríveis, mas sim, como sinônimo de tudo o que há de pior na indústria atual.
Já Ataque com Caças Estelares tem tudo para voltar a ser o amor de muita gente. Agora aparecendo com uma jogabilidade mais fluida e simples, o modo coloca o jogador no comando das clássicas naves da franquia em um combate espacial da melhor qualidade. Por fim, temos outras modalidades, como a que coloca personagens e vilões consagrados da franquia para duelar ou o rápido e direto Mata-Mata em Equipe.
Como seu antecessor, e também perpetuando a marca de toda a franquia Battlefront, temos um game cuja ambientação é seu maior forte. Na pele de um soldado comum, é impossível não ficar impressionado com a grandiosidade dos combates, seja em solo ou no espaço. A sensação, sempre, é de se estar participando de uma batalha em grande escala, sendo apenas uma pequena peça em tudo isso.
Os gritos dos aliados e oponentes não param, assim como os tiros, explosões e efeitos ambientais. Mesmo fora do centro da ação temos coisas acontecendo, enquanto animais tentam fugir desesperadamente daquela floresta, de repente, transformada em um campo de batalha. Os sons característicos da franquia, bem como a trilha sonora consagrada, estão a todo vapor e complementam a ação.
Novamente, entretanto, os fãs mais inveterados poderão reclamar sobre a ausência de conteúdo – e eles estarão certos. Apesar da quantidade razoável de heróis, são poucos os cenários disponíveis em cada um dos modos, representando apenas um lampejo sobre todas as possibilidades de cenários que a saga Star Wars tem para apresentar.
Mais uma vez, a EA aposta, aqui, em uma estratégia baseada em DLCs, entregando, aos poucos e até 2019, conteúdos periódicos que expandem a ação. Desta vez, entretanto, as entregas de conteúdo serão gratuitas, em mais um caso de críticas recebidas e retrabalhadas para tornar o título mais adequado ao gosto dos jogadores.
Fraca e com cerca de cinco horas de duração, a campanha principal pode ser encarada mais como um grande tutorial para o multiplayer do que como uma proposta independente.
Falando nisso, inclusive, o modo campanha vem como uma grande resposta a eles. Ao nos colocar no papel de Iden Versio, líder do Esquadrão Inferno, a EA e a DICE também nos proporcionam um olhar por dentro do Império durante sua transição para a Primeira Ordem. A história começa durante os eventos de “O Retorno de Jedi”, mostrando mais uma grande derrota dos vilões e nos levando até os portões de “O Despertar da Força”, em um mundo completamente diferente.
Com cerca de cinco horas de duração, entretanto, a história de Star Wars Battlefront II segue a dinâmica básica da maioria dos títulos focados no multiplayer, mas que escolhem entregar, também, uma campanha. Apesar dos personagens interessantes, a trama não empolga. Seu desfecho abre as portas para o que pode ser uma das principais revelações recentes da saga, entretanto, esses indícios aparecem de maneira abrupta e sem muita relação com o restante do enredo.
Sendo assim, a campanha principal pode ser encarada mais como um grande tutorial para o multiplayer do que como uma proposta independente. Aqui, controlaremos os principais heróis do título, muitas vezes, com meras desculpas esfarrapadas para assumirmos o manto de Lando Calrissian ou a barba de Han Solo, e usaremos as diferentes classes de armas e poderes, aprendendo tudo para nos tornarmos combatentes melhores onde o bicho realmente pega.
Nem tudo são flores, claro, e os problemas aparecem aqui e ali. Na campanha, você verá alguns inimigos atravessando paredes ou travando em barreiras invisíveis pelos cenários. Já no multiplayer, experimentamos algumas ocorrências de desconexão durante as partidas bem como lags, principalmente, nos horários de pico de jogadores. Tais falhas são mais perceptíveis durante as batalhas espaciais, cujas naves possuem um movimento mais fluido e linear que os soldados.
Tudo estaria ótimo se parássemos por aqui, em um jogo que tem seus problemas e falta de conteúdo no lançamento, mas apresenta altíssima qualidade técnica e, acima de tudo, de ambientação. Mas, assim como George Lucas, a Electronic Arts quis mais, e, principalmente, voltar a encher o cofrinho com moedas.
Na ideia que acabou completamente com a experiência de Star Wars Battlefront II, o sistema de Star Cards – cartas que garantem melhoria de habilidades, itens especiais e outras vantagens para o jogador – se tornou um dos principais motores das microtransações do game. Assim, com uma única decisão, a companhia transformou o jogo em uma experiência pay to win, onde se diverte mais aquele que investe dinheiro de verdade na jogatina – e, muitas vezes, nem ele.
Em vez de atrelar melhorias e desbloqueios ao sistema de evolução, com usuários ganhando incrementos quanto mais jogarem e mandarem bem, a Electronic Arts decidiu adotar as polêmicas loot boxes. Essas caixinhas “da sorte” trazem tanto Star Cards quanto itens cosméticos, e para piorar tudo, de forma aleatória.
Enquanto isso, as ações realizadas no game valem muito pouco. Uma partida vencida no multiplayer, por exemplo, pode gerar de 200 a 500 créditos, de acordo com o desempenho do jogador, enquanto marcos como matar um determinado número de oponentes garantem totais semelhantes. Já as caixinhas mais baratas não saem por menos de 2.300, enquanto heróis como Darth Vader e Luke Skywalkers custam 15 mil pontos cada. É uma disparidade insana, que torna o progresso chato e tortuoso.
Absolutamente todo o universo do jogo é voltado para incentivar o jogador a investir dinheiro real. Caso não queira tentar a sorte com as loot boxes, os jogadores podem usar itens chamados “partes de criação” para criar cartas específicas. Mas, adivinhem? Eles também são obtidos, majoritariamente, por meio das loot boxes, criando um círculo vicioso.
Quem decide não pagar se vê em um loop de economizar dinheiro para a compra de personagens ou caixas enquanto vê os oponentes sendo superiores em força e habilidade. Já os que investem dinheiro real podem se frustrar ao notarem que as tão esperadas loot boxes não geraram o resultado esperado, entregando itens de perfumaria ou cartas não desejadas. Ninguém ganha aqui, a não ser a própria Electronic Arts.
Todo o universo do jogo é voltado para incentivar o jogador a investir dinheiro real, com um sistema de evolução e melhorias totalmente ligado aos créditos e loot boxes com itens aleatórios.
Mais uma vez, a empresa destrói a proposta de um título que tinha tudo para fazer os fãs caírem de amores. Se na primeira tentativa o erro estava nas promessas e fragmentação do conteúdo, agora a motivação é, pura e simplesmente, a ganância. Ninguém aqui é inocente e acha que jogos são feitos com outro motivo, que não ganhar dinheiro. Mas as dinâmicas implementadas em Star Wars Battlefront II ultrapassam os limites do saudável.
No momento em que escrevemos essa análise, a empresa encontra-se, ainda, no meio de um fogo cruzado, com o sistema de microtransações suspenso temporariamente e buscando uma alternativa de limpar sua barra junto aos fãs. Mas assim como a galáxia recém-liberada das garras do Império jamais será a mesma, temos aqui uma situação da qual a EA, dificilmente, sairá ilesa.
Fica a esperança, entretanto, para que ela aprenda a lição e, principalmente, a curiosidade de ver as mudanças potenciais que a resposta incrivelmente negativa dos jogadores irá proporcionar em todo o mercado. Por outro lado, é lamentável que Star Wars Battlefront II vá entrar para a história não pelos combates de tirar o fôlego e ambientação incrível, mas sim, como o sinônimo de tudo o que há de predatório na indústria atual de games.
O game foi analisado em versão PS4, com cópia física cedida pela Warner Bros. Games.