Em uma era na qual os jogos de PC já passavam a conversar mais com os consoles de mesa, com ambos abraçando os shooters como gênero mais lucrativo e com grande aceitação pública. Até a LucasArts, grande bastião dos adventures, já havia seguido por outro caminho. É nesse ensejo que surge o primeiro Black Mirror – nenhuma relação com a série de TV, é bom avisar desde o começo.
Lançado em 2003, a obra levava o jogador de volta para um mundo de exploração de cenários e resolução de mistérios, bebendo da fonte dos Survival Horrors e da literatura gótica, principalmente dos escritos de H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe. O jogo, assim como suas duas sequências, teriam sucesso moderado, o bastante para se tornarem clássicos cult, mas não a ponto de serem lembrados por todos os jogadores.
É mais ou menos essa a pegada que retorna agora. Pelas mãos da THQ Nordic e da desenvolvedora King Art Games, o título ressurge em 2017 com a vontade de iniciar uma nova trilogia. A abordagem, aqui, é a mesma: trazer de volta conceitos deixados de lado. Mas não daquele jeito gostoso e saudoso de que nos lembramos.
Caso consiga ultrapassar todos os defeitos de Black Mirror, o jogador encontrará uma história intrigante e envolvente.
A história começa em alta velocidade, com um personagem não identificado fugindo de perseguidores. Ele se suicida de maneira bastante violenta e, então, somos levados, como jogadores, a uma posição semelhante à de David Gordon, o protagonista. Não sabemos nada deste mundo, mas estamos aqui para conhecer tudo de perto.
No caso, o personagem principal mora há anos na Índia, sendo completamente alheio à família paterna. Ainda assim, ele se vê obrigado a retornar à Escócia para lidar com o suicídio daquele que descobrimos ser seu pai e assumir a herança da família, um imponente castelo em uma região isolada do país. Logo, claro, tudo se prova um tanto complexo e oculto, enquanto o protagonista segue em busca de pistas que revelem o que aconteceu.
Como no passado do mundo dos games, o novo Black Mirror não pega o jogador pela mão. A necessidade atual é notada pelos diálogos, com o David, por exemplo, afirmando que deseja explorar a mansão em vez de dormir, ou com simples indicações de objetivos no menu principal. Nada de waypoints, setas mostrando o caminho ou pistas.
Isso é notado logo no início, quando damos de cara com uma misteriosa caixa que guarda o primeiro enigma. O game indica o que fazer de maneira óbvia: “abra a caixa”. Como? Cabe a você descobrir, em um estilo de exploração que lembra bastante os Survival Horrors das antigas, como o primeiro Resident Evil e seu papai espiritual, Alone in the Dark. O pensamento e a coleta de itens serão suas armas aqui.
Tudo seria muito interessante, se fosse fácil caminhar pela mansão. Para cada enigma que vai exigir raciocínio de verdade e até anotações em papel, algo que praticamente inexiste na indústria de hoje, temos controles que, efetivamente saíram dos primórdios da indústria, quando os desenvolvedores ainda não sabiam lidar direito com um mundo em 3D. São pesados, esquisitos e nada precisos.
Black Mirror não dá indicações claras que mostrem onde há um ponto de interesse ou não – isso é descoberto na aproximação, com um indicador de pressionamento de botão. Não seria um problema se caminhar pela gigantesca mansão do game não fosse tarefa das mais complicadas, sendo difícil até mesmo dar a volta em uma mesa na busca por pistas.
O posicionamento da câmera também não ajuda, tornando confusa uma ambientação que tinha de tudo para ser imersiva, mesmo com a profunda e constante escuridão. A mansão, ao contrário do que vemos em jogos de terror, tem vida. Dá para perceber isso nos papeis espalhados, nos livros revirados ou nos restos de comida sobre a mesa. Não é um lugar abandonado, mas sim, habitado. Porém, você muitas vezes não enxergará as coisas direito enquanto busca incessantemente por objetos clicáveis que não possuem um padrão específico.
Tudo seria muito interessante, se fosse fácil caminhar pela mansão. Os controles são travados e os loadings aparecem a cada esquina, assim como os bugs.
Loadings longos aparecem para dificultar ainda mais as coisas. Eles surgem a cada sala e, muitas vezes, carregam pequenos corredores, que o jogador atravessa com poucos passos, ou cutscenes de poucos segundos. E lá vem mais uma tela de carregamento, toda preta, e que muitas vezes dá a impressão de bugar quando o contador passa tempo demais em baixas porcentagens, seguindo diretamente do 0 ao 90, por exemplo.
Adicione ao bolo as quedas constantes na taxa de quadros por segundo – na versão PlayStation 4, testada pelo NGP, era mais fácil contar os momentos em que o título rodava de maneira estável do que apontar aqueles em que não; a sincronia labial com constantes atrasos e os bugs aparentes, como personagens que travam em paredes invisíveis ou que ficam girando em círculos na hora de realizar uma ação, exigindo que o título seja reiniciado.
Caso o jogador consiga ultrapassar todos esses graves problemas, entretanto, encontrará uma história intrigante. Não é o suprassumo do storytelling, muito menos algo digno de colocar este entre os mais envolventes do ano. Mas, sim, um trabalho competente e interessante, que meio que acaba sendo um dos poucos aspectos positivos do jogo.
Black Mirror, em 2003, iniciou uma trilogia e o que dizem por aí é que quem jogou, principalmente o segundo, não se esqueceu. Com pouca divulgação e, principalmente, uma série de defeitos, entretanto, a versão 2017 deve passar longe de tudo isso, a não ser, claro, que os jogadores se lembrem para sempre do tempo que perderam enquanto esperavam o carregamento do título.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela THQ Nordic.