Life is Strange é uma série que nos ensinou a sofrer na frente do video game e curtir cada minuto disso. Já sua prequel, Before the Storm, veio na mesma pegada, mas com uma proposta bem mais acolhedora, mostrando algo além de um mundo de destruição. Sim, a vida em Arcadia Bay, no passado, ainda era bastante dura, mas o que vimos ao longo do novo jogo foi uma história de construção.
É justamente por isso que, ao longo de nossa experiência com o game, sempre falamos em nos preparar para o final. Estávamos acostumados com a dinâmica desse mundo, em que nada que é bonito dura muito tempo, e ao chegarmos no terceiro episódio, com o sugestivo título de “Inferno Vazio”, essa expectativa se tornou ainda mais tenebrosa.
E qual não foi a surpresa ao, na conclusão de sua história, a Deck Nine nos entregar uma trama surpreendentemente positiva. É claro, temos nossa boa dose de fracassos, derrotas, desesperos e frustrações, mas o tom geral, principalmente ao final do capítulo, é daquele quentinho no coração. A grande lição, aqui, é que mesmo quando tudo parece desgraçado, ainda assim dá para encontrar um caminho para sermos felizes.
Inferno Vazio começa imediatamente após o final do segundo capítulo, com uma verdadeira bomba de verdades sobre o passado de Rachel Amber. É essa revelação que guia todos os acontecimentos desse desfecho. Entretanto, isso chega também em um momento de devastação pessoal para a própria Chloe, algo que, em vez de puxá-la para baixo, a motiva a seguir em frente.
Ë, novamente, aquela ideia da qual já falamos em análises anteriores de Before the Storm. Muitas vezes, quando estamos apaixonados, vemos os outros problemas reduzirem significativamente de tamanho. É essa a sensação aqui, inclusive em termos narrativos – se os dois primeiros capítulos tinham muito a ver com o desenvolvimento de Chloe, aqui, Rachel acaba sendo o principal foco.
Não é nada difícil entender aqueles que considerarem Before the Storm melhor que o Life is Strange original. Este é, de novo, um dos melhores jogos do ano.
Não vamos falar de spoilers aqui, mas o que vemos é uma história que não é exatamente surpreendente, nem inesperada. Não espere grandes viradas na trama nem momentos de tirar o fôlego. Assim como em Life is Strange, Before the Storm trata de temas que permeiam a vida de todo mundo. É esse, inclusive, um dos grandes méritos do roteiro.
Estamos no controle de uma personagem digital, mas poderia ser a gente naquela situação, tamanha a realidade de tudo o que acontece na tela. Nota positiva, ainda, ao tratamento delicado, mas ao mesmo tempo cru e realista, dado a temas como abuso de drogas, perdas pessoais, perseguição e, principalmente, violência contra a mulher.
Aqui, também, percebemos o acerto da decisão de criar uma história em três atos, que são bem definidos. Se ainda existiam dúvidas sobre a competência da Deck Nine em criar um enredo que fizesse jus às emoções geradas pelo primeiro Life is Strange, todas elas são dissipadas aqui. Temos em mãos um título não apenas incrivelmente digno de continuar esse legado, mas também uma história mais coesa e focada, que não deve em nada à anterior. Nada menos do que um dos melhores games de 2017.
Nota positiva ao tratamento delicado, mas cru e realista, dado a temas como abuso de drogas, perdas pessoais, perseguição e, principalmente, violência contra a mulher.
Essa visão mais concentrada em menos personagens e em praticamente dois centros – o amadurecimento do casal Amberice e a evolução da própria Chloe – deve levar muita gente a, inclusive, considerar Before the Storm melhor que o anterior. Não é nada difícil entender os motivos para isso, apesar de que, na modesta opinião deste redator, ambos estão pau a pau, talvez, com uma pequena vantagem para o prequel por conta do quanto ele é enxuto.
Ao final, a Deck Nine também resolve o que, para mim, foi uma das grandes falhas do primeiro Life is Strange. Por mais que evite falar em um final “correto” para o primeiro game, todo mundo que jogou sabe bem que o game, em si, faz questão de definir isso. Com três finais diferentes, sendo um secreto e dependente de ações do passado, seria muito fácil cair na mesma armadilha canônica.
Felizmente, não foi o caso. Mas, claro, isso não vem sem sua boa dose de dilemas, principalmente a tão temida e aguardada decisão final. Novamente, não vamos dar spoilers aqui, mas temos mais um triunfo da narrativa coesa e concentrada, nos colocando em uma situação na qual os dois lados têm razão e na qual nenhuma moral ou posicionamento é totalmente certo ou errado. As coisas nunca são preto no branco, e nos últimos minutos de Inferno Vazio, isso fica mais claro do que nunca.
Entretanto, muitos jogadores poderão sentir que o desfecho de um dos principais conflitos foi acelerado, deixando para que o próprio jogador preencha as lacunas do que aconteceu. Mas esse é, basicamente, um dos poucos defeitos do encerramento, que termina de forma incrivelmente positiva e solidifica ainda mais a mensagem de toda a temporada – tudo, efetivamente, pode parecer melhor quando se está nas nuvens.
Até que, claro, a realidade vem nos dar uma paulada na cabeça. Afinal de contas, estamos falando de Life is Strange, um mundo em que até mesmo a mais bela das coisas pode acabar sendo completamente destruída pela ação de terceiros que, infelizmente, não são controlados pelo jogador.
A cena final, que vem depois dos créditos e muitos podem julgar até desnecessária, serve para resolver, em poucos segundos, uma das principais dúvidas cronológicas que tínhamos. E, por mais que não quebre de todo o sentimento positivo que sentimos com o encerramento, ainda assim é a lembrança de que estamos no mesmo universo do primeiro game, no qual as pessoas são muito desgraçadas da cabeça.
Se nós apenas pudéssemos avisar Chloe e Rachel sobre o que está por vir…
O jogo foi analisado no PlayStation 4.