Existe uma piada comum, bonita mas triste, sobre o fato de a Valve não saber contar até três. Os fãs de Half-Life que o digam, já que vivem na antecipação eterna de um novo game da consagrada franquia de jogos de tiro em primeira pessoa, um vazio que já dura quase 14 anos. Espera semelhante, mas sem os rumores que aparecem semanalmente, vivem também os fãs da série Portal, cujo último título saiu em 2011.
Um terceiro aspecto, entretanto, diferencia os fãs das duas franquias – os amantes dos puzzles físicos e saudosistas de GLaDOS podem, agora, matar um pouco da saudade com Bridge Constructor Portal, um anúncio surpresa que coloca a franquia da Valve nas mãos da desenvolvedora ClockStone, que já vinha angariando sucesso com quatro títulos para PC e dispositivos mobile.
Parece uma união feita sob medida, já que as duas séries têm seus desafios baseados na física. O crossover, entretanto, puxa mais para um lado do que para o outro. O que temos em mãos é um Bridge Constructor no mundo de Portal – mais do que uma simples skin, devido aos conceitos bem utilizados, mas bem menos do que um game legítimo da franquia da Valve.
Caso somente pelo nome você já não entenda do que o jogo se trata, Bridge Constructor é uma série de games com puzzles baseados na física e nos conceitos reais que mantém uma ponte de pé. Basicamente, os jogadores devem criar passagens e alicerces que sustentem a passagem de um ou uma série de veículos, sem que tudo se transforme em um apocalipse de metal retorcido e explosões.
Os conceitos de Portal parecem cair como uma luva sobre a série Bridge Constructor, como se as ideias tivessem sido criadas especialmente para o game.
Com o tempo, a ClockStone foi variando, passando pela era medieval e também pelo mundo das acrobacias, caindo agora nos laboratórios da Aperture. É assim que, em Bridge Constructor Portal, o jogador é colocado na posição de um coordenador de testes da companhia. Algumas das atribuições podem ser um tanto antiéticas, mas é tudo pela ciência, então é melhor que você dê um desconto – a alternativa é o incinerador.
O ponto principal da série Bridge Constructor permanece como o mote – ainda é preciso levar veículos de um ponto a outro no mapa. Aqui, entretanto, isso se mistura com as características exclusivas da série Portal. Tudo o que você conhece está aqui, desde os portais que transportam os carrinhos de um lado para o outro até géis de propulsão ou repulsão, companion cubes, lasers com propriedades especiais, bolas de energia e, claro, as simpáticas torretas.
São dois objetivos por fase, que também podem ser vistos como opções de dificuldade. No primeiro, é preciso que apenas um carrinho chegue ao destino (em algumas fases, o mínimo são dois). Já no segundo, não essencial para seguir adiante, é hora do comboio, com diversos veículos ao mesmo tempo e em sequência, provavelmente transformando aquela ponte na qual você já não confiava tanto assim em um grande sinal do seu próprio fracasso.
Não é possível controlar a velocidade dos carrinhos nem o intervalo entre eles. Além disso, todos sempre andam sem parar para a frente, não sendo capazes de parar nem dar ré. O que estiver adiante será empurrado e encavalado, no que contribui ainda mais para um desastre caso as pistas não sejam bem construídas e sustentadas.
Exatamente o que a Aperture pretende com os testes nunca fica claro, em mais uma tradição da série, acompanhada do cinismo peculiar de GLaDOS, que volta a ter a voz de Ellen McLain, mesmo em um texto não tão inspirado quanto os dos games principais. Faz falta, entretanto, dublagens em outras vozes, como a do supervisor responsável pela contratação do jogador, que volta a aparecer de vez em quando para dar algumas instruções.
No aspecto sonoro, ainda, temos uma trilha sonora bastante esquecível, que parece composta apenas para não deixar o game no completo silêncio. São temas repetitivos e pouco interessantes, que até ajudam a compor a cena nos momentos em que o comboio está em andamento, mas passam longe de serem marcantes.
Em sua aplicação, os conceitos de Portal parecem cair como uma luva sobre a série Bridge Constructor, como se as ideias tivessem sido criadas especialmente para o game. Brincar com a física é tão divertido quanto na franquia original, enquanto alguns dirão que os puzzles aqui são ainda mais difíceis, pelo fato de não estarmos controlando os objetos em movimento. Temos a engenharia a nosso lado e nada mais.
Bridge Constructor Portal prova que as franquias da Valve podem continuar, se colocadas em mãos competentes, enquanto a empresa foca toda sua atenção no Steam e outros projetos de tecnologia.
A continuidade das fases também foi pensada para desafiar e divertir ao mesmo tempo. São 60 estágios e, muito cedo, o jogador já encontrará etapas bem pesadas. Logo depois de um desses, entretanto, existem dois ou três cenários um tanto simples ou de solução direta, antes de outro daqueles de rachar a cuca. A proporção entre puzzles de alta complexidade e fases um pouco mais fáceis vai reduzindo na medida em que se avança, com o jogo ficando cada vez mais difícil.
Alguns comandos, entretanto, podem confundir. Basta um clique para transformar uma estrutura em estrada e dois para fazer com que a peça desapareça, o que pode causar estranheza, mas felizmente, no modo de construção, não vai destruir sua obra. Um sequenciamento na criação de alicerces também pode parecer esquisito para os jogadores, exigindo cliques a mais para que eles possam se desvencilhar de uma série de construções e seguir para outra.
A ClockStone ainda tomou uma decisão um tanto esquisita quanto ao uso dos portais, provavelmente, de forma a atrair os jogadores que desconhecem a série da Valve. Todo mundo que jogou Portal sabe a sequência de cores, com uma abertura azul sempre levando a uma saída laranja e vice-versa. Aqui, porém, a comunicação acontece sempre em cores iguais, o que vai exigir um novo costume. A adaptação é rápida, mas ainda assim, vai levar a alguns erros no começo.
Esse, entretanto, é basicamente o único erro de conceito no game, mostrando não apenas a qualidade do jogo feito pela empresa, mas também o respeito à propriedade original. Ao longo de todo o jogo, dá para se situar muito bem no universo e sentir como se efetivamente fizéssemos parte dele, participando dos experimentos aparentemente sem objetivos da Aperture Science.
O que nos remete de novo à questão inicial. Todo mundo sabe que o desenvolvimento de um jogo, ainda mais algo do porte de um Half-Life ou Portal, é um investimento gigantesco, que vai gerar muitas expectativas e riscos – tudo precisa ser perfeito para justificar tanta espera. De outro lado, temos o fluxo ininterrupto de taxas de transação oriundas do Steam, uma fonte inesgotável de dinheiro para a Valve que, simplesmente, não precisa mais criar games para lucrar.
Sendo assim, então, porque não passar suas propriedades para as mãos de pessoas competentes, que saibam o que estão fazendo e possam continuar o legado? Bridge Constructor Portal é prova de que isso pode funcionar, mas acima de tudo, serve também para dar ainda mais saudades nos fãs da franquia, que continuam sonhando com uma sequência improvável.
O jogo foi analisado no PC, em cópia cedida pela Headup Games.