Um clássico é um clássico, e no caso de Shadow of the Colossus, esse caráter é indiscutível. Lançado em 2005 para o PlayStation 2 e, anos mais tarde, remasterizado para o PS3, estamos falando do que muitos acreditam ser a obra-prima de Fumito Ueda. Mas o que, exatamente, garante a ele esse caráter eterno?
Seria a escala épica dos combates, algo que poucas vezes tínhamos visto na época e que assombra ainda hoje? Seria o mundo vasto e cheio de mistérios, vazio e descampado, mas ao mesmo tempo, intrigante e misterioso? Ou os elementos místicos e antigos, com direito a uma língua própria e uma mitologia da qual entendemos muito pouco em seus momentos iniciais?
Ou, talvez, seja a união de tudo isso, criando um conto de proporções quase tão grandes quanto seus próprios colossos. A saga de Wander para salvar a vida da sua amada Mono tem seus eventos trançados com o destino do próprio mundo, mas para o protagonista, é ela quem representa todo o universo. O jogador segue em frente, podendo entender completamente os atos do personagem principal, ao mesmo tempo em que começa a perceber que algo de muito mais sinistro pode estar ocorrendo.
Diante de tudo isso, qual a necessidade de um remake? Não é melhor deixar a obra original, tão bela e cheia de sutilezas, quieta? A tarefa hercúlea assumida pela desenvolvedora Bluepoint Games é quase tão grande quanto os desafios enfrentados pelo próprio protagonista. Ao trazer Shadow of the Colossus de volta para a atual geração de tecnologias e jogadores, a empresa não só criou um dos melhores remakes já lançados em toda a indústria, mas também um verdeiro tratado sobre como realizar um trabalho desse tipo. Um triunfo em absolutamente todos os sentidos.
A verdade é que dá para dizer que a Bluepoint vinha se preparando há anos para essa tarefa. O pequeno time, formado por veteranos da Nintendo, se aproximou muito rapidamente da Sony e, logo em sua gênese, já encarou uma aventura épica – a remasterização de God of War para o PlayStation 3. Na sequência, viria Ico & The Shadow of the Colossus Collection, um primeiro mergulho na obra de Ueda, o segundo de uma série de trabalhos que se estenderiam ao longo de anos, mas apenas em termos de adequação gráfica.
O novo Shadow of the Colossus, ao contrário do anterior, é uma produção tanto de Ueda quanto da própria Bluepoint. A empresa mostra incrível intimidade e conhecimento do game original – fruto, dizem os próprios, de sua paixão pelo clássico – ao mexer exatamente onde deve, mantendo todas as nuances e características do original ao mesmo tempo em que realiza as atualizações necessárias e transforma um título já incrivelmente belo em algo indescritível.
O remake de Shadow of the Colossus é uma aula sobre respeitar o caráter de um clássico ao mesmo tempo em que o torna ainda mais interessante.
Não temos novidades em termos de conteúdo aqui. O título é, basicamente, o mesmo, o que inclui até mesmo sua programação, com os códigos originais da versão PlayStation 2 sendo utilizados também aqui. Os mesmos 16 colossos do título de 2005 estão aqui, sem as míticas adições buscadas por anos pelos fãs ou os monstros deixados de fora pelo criador.
Falar que temos aqui apenas o mesmo jogo de antes, entretanto, seria reduzir o incrível trabalho por trás deste remake. Observe os fachos de luz volumétricos que são formados pelas colunas do templo onde está o cadáver de Mono, ou o fato de o gramado se mover de forma independente, assim como as nuvens no céu, ora claro, ora nublado, um sinal de que algo de sinistro acontece nessa Terra Proibida.
Os sinais luminosos dos Colossus são facilmente observáveis à distância, assim como os reflexos que aparecem até mesmo nas cachoeiras mais longínquas. Ao enfrentar um deles, dá para ver Wander se misturando aos pelos enquanto sobe em direção aos pontos fracos, se segurando fortemente para não cair. A água, a fumaça, o foco, as explosões e o sangue negro das criaturas dão o tom das batalhas.
São todos elementos presentes no game original, mas que, aqui, aparecem de maneira incrível. O trabalho não é apenas gráfico e técnico, mas também artístico, realizado em cima dos conceitos visuais e de design criados por Ueda, mas dando novas cores, formas e elementos a esse mundo. É uma mistura majestosa e de encher os olhos, da mesma forma que aconteceu nos idos do PS2.
Tudo isso aparece rodando de maneira exemplar, fazendo o melhor uso possível do hardware sem gerar gargalos ou problemas de desempenho. No PS4, o remake de Shadow of the Colossus roda com 30 quadros por segundo, cravados, e resolução 1080p. Quem tem a versão Pro do console pode optar por uma resolução 4K, ainda a 30 FPS, ou aumentar a contagem para 60, mantendo o caráter FullHD.
E se as audiências de ontem vão se surpreender de novo com as belezas dessa Terra Proibida, o público de hoje não contará com as dificuldades do passado. O remake de Shadow of the Colossus resolve o problemático sistema de controles do game original, uma relíquia de um passado distante que poderia constituir uma barreira de entrada para os novatos.
Uma aventura das mais primorosas, agora, em versão ainda melhor, capaz de agradar tanto aos recém-chegados quanto aos velhos de guerra. Um triunfo em todos os aspectos.
A destruição desse obstáculo vem por um sistema de comandos aprimorado e um uso mais inteligente da câmera, que torna os combates mais fluidos e naturais, mas sem facilitar demais as coisas. A bem da verdade, os veteranos da caça aos Colossos sentirão que as batalhas estão um pouco menos desafiadoras, fruto das mudanças na jogabilidade – quem quiser, claro, pode optar pelo esquema antigo, ou então, aumentar a dificuldade do título.
Para garantir que os gráficos brilhem ainda mais, a Bluepoint também retrabalhou a interface do usuário, que agora, ocupa o mínimo espaço necessário para passar as informações ao jogador. Indicadores de energia e fôlego somente aparecem nos momentos de ação, enquanto, nas travessias, a tela fica completamente limpa de elementos, de forma a evidenciar os visuais refeitos.
Como se tanta arte já não fosse o bastante, o remake de Shadow of the Colossus traz ainda o Photo Mode, no qual o jogador pode movimentar a câmera e trabalhar com ângulos, filtros e composições. Dá para observar os detalhes de cada pedrinha do cenário ou olhar bem fundo nos olhos das criaturas, em mais um fator que evidencia o trabalho primoroso deste relançamento.
Easter eggs, localização para o português brasileiro e as misteriosas moedinhas cujo propósito não é claro completam o pacote de pequenas novidades em um game que não precisa de muito mais do que isso. O que temos em mãos, novamente, é uma aventura das mais primorosas, agora, em uma versão ainda melhor e mais interessante. Na tarefa mais difícil, um jogo capaz de agradar tanto aos recém-chegados quanto aos velhos de guerra.
Ao refazer Shadow of the Colossus, a Bluepoint Games escreve uma verdadeira cartilha sobre como respeitar o caráter eterno de títulos do passado, mantendo-os irretocáveis ao mesmo tempo em que novidades são adicionadas de forma a tornar todo o conjunto ainda mais interessante. É um exemplo de adoração e, ao mesmo tempo, adequação. O que se criou aqui é o parâmetro pelo qual gostaríamos de ver todos os remakes sendo realizados daqui em diante.
Não será assim, estamos cansados de saber, mas, pelo menos, podemos sonhar. Desta vez, o sonho é mais lindo e épico do que jamais foi.
O game foi analisado em cópia cedida pela Sony.