Um professor da faculdade de jornalismo costumava dizer que aquele que sabe um pouco de tudo é o especialista em nada. A frase se refere a uma abrangência de conhecimentos rasos que não levam a lugar algum, ou, no caso de uma aplicação na indústria de jogos, àqueles títulos que tentam aplicar um bocado de diferentes estilos e pegadas para, no final de conta, não mandar bem em nenhum dos aspectos.
Existem diversos títulos que, por motivos mercadológicos, principalmente, tentam aplicar conceitos daqui e dali, entregando aos jogadores um resultado que mais parece um prato de self-service daqueles bem bagunçados, em que não dá para sentir o gosto de nada direito. São poucos os que conseguem sucesso nessa empreitada, e mesmo com várias ressalvas, dá para dizer que Past Cure pode ser considerado parte desse grupo.
Game de estreia dos alemães da Phantom 8, o título não esconde suas influências nem aquilo que deseja alcançar. O foco é cinematográfico e a ideia é contar uma história cheia de mistérios e revelações, com um conjunto gráfico que se parece uma mistura de Heavy Rain com uma boa porção de The Evil Within.
Já na jogabilidade, também temos ares do game de terror da Bethesda, bem como elementos de Portal, Beyond: Two Souls, Max Payne e até Resident Evil. Em seu site oficial, a Phantom 8 define seu primeiro jogo como um thriller de ação com horror e furtividade, mas se esquece também dos puzzles. E, sim, essa é a descrição mais resumida e honesta que podemos apresentar sobre Past Cure. O mais incrível é que ela funciona – na maioria do tempo.
O game começa com ares de pesadelo. Ian, o protagonista, acorda em um mundo meio bizarro e precisa sobreviver contra criaturas que mais parecem manequins endemoniados. No mundo real, entretanto, as coisas não são muito melhores. Estamos na pele de um soldado que não tem memória dos últimos anos da sua vida, justamente a época em que ganhou poderes sobrenaturais que o tornaram um combatente extremamente poderoso.
Na mesma medida em que Past Cure intriga por seu enredo e chama a atenção pela mistura de elementos, o game também decepciona pela falta de cuidado.
A partir de um esconderijo, ele segue em busca da verdade com a ajuda remota do irmão, enquanto lida com um enredo que parece ser bem maior do que seu próprio passado. Past Cure tem ares de filme de espionagem ao mesmo tempo em que traz o clássico protagonista atormentado. Ele sabe como bater e atirar, mas ao mesmo tempo, é impotente contra os próprios demônios.
A Phantom 8 apresenta esses elementos de maneira encadeada, e em uma tentativa de não cair na mistura sem gosto que citamos no começo, tenta fazer uma coisa de cada vez. A primeira hora de Past Cure é como um grande tutorial, no qual vamos do horror à ação, passando pelos puzzles, que apresentam os poderes de manipulação temporal e projeção austral do protagonista. Por fim, temos as cutscenes que contam a história, fazendo com que todo o primeiro terço do game, na verdade, seja uma preparação para o que está por vir.
A ideia da desenvolvedora foi fazer uma coisa de cada vez, e para garantir isso, também assumiu uma pegada que lembra o sistema de fases dos games antigos. O jogador segue em frente tela a tela, enxergando um desafio que vai crescendo na medida em que seu domínio sobre as habilidades do protagonista também aumenta.
Isso, entretanto, também acrescenta um aspecto de repetitividade que pode tornar tudo meio enfadonho, principalmente quando os controles não ajudam. De todos os momentos de Past Cure, o segundo terço, focado na ação, é o que mais sofre deste mal – e também deve ser o responsável por fazer muita gente desistir do game.
No início deste texto, citamos The Evil Within como uma das influências primordiais da Phantom 8 e é curioso notar que, assim como sua inspiração, Past Cure também falha em seus segmentos mais movimentados. O que temos aqui é uma jogabilidade travada e pesada, que em nada combina com momentos em que existem diversos inimigos na tela, atirando sem parar.
O sofrimento será grande e a frustração também, principalmente nos momentos de câmera lenta em que é preciso pressionar um botão que nem sempre aparece, enquanto as balas dos oponentes continuam viajando na velocidade normal. Atacar furtivamente também pode não ser efetivo quando prompts para pressionamento de botões se recusam a aparecerem, ou inimigos que deveriam estar mortos se levantam em busca de vingança.
A combinação de poderes e fogo, então, acaba sendo a solução. Os trechos de ação de Past Cure, que deveriam ser voltados para a luta corporal e o tiroteio, acabam se transformando em um estande de tiro, no qual a manipulação temporal permite que o jogador mire na cabeça dos oponentes, derrubando um a um. É legal na primeira e na segunda vezes, mas cansa rápido.
Ao contrário do que vemos no início, os enigmas aqui também passam longe da inventividade, se resumindo a encontrar um item para abrir um cofre que contém outro item que dá indícios da abertura de outro cofre. Até mesmo a interessante possibilidade de hackear a mente dos oponentes, que surge do nada como um efeito do roteiro e desaparece igualmente rápido, não ajuda a tornar a coisa toda um pouco melhor.
Na mesma medida em que Past Cure intriga por seu enredo e chama a atenção pela mistura de elementos, o game também decepciona pela falta de cuidado. Mais do que os manequins do capeta, serão os bugs, aliados da jogabilidade pesada, que comporão a maior barreira de dificuldade do título.
Past Cure mostra que é possível ter personalidade usando diferentes inspirações, bastando unir uma premissa interessante aos conceitos que já são amados pelos jogadores.
É difícil ignorar, por exemplo, que os oponentes humanos só têm dois ou três modelos, repetidos à exaustão e enfrentados, também, com pouquíssimas armas. Quem jogar com joystick vai sentir um lag ainda maior na detecção de comandos, principalmente durante as QTEs. Em uma abordagem estranha, no PC, cabe ao próprio usuário selecionar qual controle está usando, entre PS4, Xbox One ou mouse e teclado – caso contrário, verá indicadores confusos na tela.
Ao longo das cutscenes, é possível perceber diversos problemas de sincronia entre a voz e os lábios, assim como as legendas – que não estão disponíveis em português – aparecem, muitas vezes, adiantas ou atrasadas em relação às falas. Pausar no meio de uma cena fará com que todo o áudio desapareça até o final dela.
É após o repetitivo e travado segmento no prédio, entretanto, que Past Cure exibe seu lado mais interessante. Ao se assumir de vez como um game de terror e colocar o jogador em um ensejo no qual ele não sabe bem diferenciar a realidade do sonho, o título da Phantom 8 exibe as características que podem até não o tornar memoráveis, mas que mostrarão a que a empresa veio.
Assim como The Evil Within, sua principal inspiração, Past Cure também falha pela jogabilidade travada, que dificulta muito os momentos de maior ação.
Após passarmos um bom tempo dominando a mira pesada e os poderes, temos tudo isso arrancado de nós, passando a confiar apenas na furtividade e na sorte enquanto tentamos fugir. Após plot twists e mais um curto trecho de ação em que tudo parece meio surreal, chegamos à batalha final, que chega a lembrar games antigos e um dos poucos momentos em que a jogabilidade combina com um combate mais movimentado.
Poderes, armas de fogo e golpes corporais assumem seu caráter máximo aqui, entregando um combate que é, ao mesmo tempo, desafiador sem soar como injusto. Se toda a jogabilidade de Past Cure funcionasse como em seus momentos derradeiros, não precisaríamos passar tanto tempo comparando os prós e os contras do título. Pelo contrário, poderíamos aproveitar um enredo que deixa suas pontas soltas e muita possibilidade de discussão.
Quando se leva em conta a quantidade de problemas que aparecem logo nas primeiras duas horas de Past Cure, porém, fica difícil recomendar o título totalmente. Quem conseguir seguir adiante após tantos problemas vai entender exatamente porque a Phantom 8 se mostra tão orgulhosa de seu título de estreia. A jornada para chegar até lá, entretanto, é tortuosa e complicada, e de um thriller intrigante, Past Cure se transforma em um game tortuoso.
Uma coisa, entretanto, ele prova por A mais B – é possível ter personalidade enquanto se apoia no ombro de gigantes, basta unir uma premissa interessante a conceitos que, se não fossem tão amados pelos jogadores, não chamariam tanta atenção.
O jogo foi analisado no PC, em cópia cedida pela Phantom 8.