No final dos anos 90, durante o auge do primeiro PlayStation, vivíamos uma enxurrada de Survival Horrors – um estilo que ia além do tema de seu nome, o terror, para se embrenhar também nos jogos de ação. Eram diversas as empresas experimentando com o gênero, algumas com sucesso e outras nem tanto. Nem tão lá, mas também não tão cá, esteve Fear Effect.
Lançado em 1999 e desenvolvido pela Kronos, o título chamou atenção não apenas por ser mais um representante de um estilo tão querido na época, mas também pela pegada meio futurista, meio mística, trazendo uma mistura da espionagem de um futuro não tão distante com artefatos e lendas antigas. Na época, quando video games ainda eram “coisa de criança”, a abordagem sexualizada dada à protagonista Hana completou um conjunto que não fez tanto sucesso, mas marcou quem o jogou.
Três gerações e quase 20 anos depois de seu último game, Retro Helix, de 2001, Fear Effect está de volta. Agora pelas mãos da desenvolvedora Sushee e sob a tutela da Square Enix e seu selo focado em games independentes e inovadores, a promessa é de termos mais uma franquia do passado retornando. O charme do passado voltou com tudo, mas esse é praticamente o único aspecto intocavelmente positivo do game.
Hana, Rain e seus parceiros mereciam mais, muito mais. De Fear Effect, aqui, temos apenas a capa, mas não o conteúdo.
No final dos anos 1990, Fear Effect foi um dos precursores do visual cel-shading. Em Sedna, temos essa abordagem de volta, mas ela é completamente ofuscada por uma decisão de design das mais estranhas – a mudança da velha jogabilidade para uma visão isométrica, tentando ser um jogo de estratégia, mas sem efetivamente chegar lá.
Passada a bela cutscene inicial, que cria um mistério interessante e já nos mostra, de cara, um personagem antigo, passamos a ver as coisas de cima. O tutorial é curto e grosso, mostrando rapidamente que o confronto direto não é a melhor opção. Ao longo do jogo, entretanto, se percebe rapidamente que existem pouquíssimas outras alternativas para seguir em frente, com o que poderia ser um título que nos faria pensar se transformando em um burro jogo de tentativa, erro e frustração.
Os protagonistas têm habilidades próprias e exclusivas, que nunca são explicadas nem aproveitadas da maneira devida. A parceira de Hana, Rain, tem seu foco em tecnologia, então, faz sentido que ela carregue uma única pistola e tenha um taser como equipamento secundário. Já Deke gosta de partir para a porrada, então, em teoria, têm armas mais poderosas. Na prática, entretanto, todo mundo se comporta de forma mais ou menos igual – e morrem juntos na maioria das vezes, já que, mesmo em bando, não são páreos para inimigos comuns.
A baixa quantidade de vida aliada à fraqueza de praticamente todas as armas tornam qualquer confronto um martírio – e eles são inevitáveis. Eleve isso à máxima potência quando falamos dos combates contra chefes, que aparecem aqui e ali e são, inevitavelmente, desleais. E o tal “efeito medo” do título, um dos diferenciais do game original? Sumiu em meio a combates sem graça e uma jogabilidade travada e lenta.
Rapidamente, o jogador perceberá que evitar o confronto é essencial para seguir em frente, mas não pelos motivos usuais. Fear Effect Sedna se torna, logo nas primeiras fases, uma busca, apenas, por mortes furtivas para que se siga em frente, com orações para que os inimigos morram antes dos protagonistas caso tudo dê errado. A opção de movimentar personagens estrategicamente pelo mapa acaba inutilizada por conta de escolhas ruins de jogabilidade e desafio.
A jogabilidade com visão isométrica é decisão das mais estranhas, que tenta transformar Fear Effect Sedna em um jogo de estratégia, mas sem efetivamente chegar lá.
Tudo parece jogado, desde o cenário confuso e mal desenhado, fazendo com que o jogador confunda paredes com portas, até, infelizmente, os bons puzzles. Eles são divertidos e apresentam desafios interessantes, com pistas que, às vezes, precisam ser encontradas pelo cenário e, em outros casos, estão na própria tela do enigma.
Os quebra-cabeças são um lampejo de inteligência dentro do game, mas sofrem com a falta de intuitividade que faz com que os primeiros momentos com eles se tornem processos de tentativa e erro – você vai morrer algumas vezes até entender o que precisa fazer, e outras tantas até conseguir resolver o problema.
E toda vez que os personagens são derrotados, temos um loading e uma animação. Chega a ser curioso o cuidado dado pela Sushee com as mortes de Hana, Rain e Deke, principalmente, com animações que soam às vezes crueis, às vezes hilárias, como eram no passado. Mas a graça termina na primeira ou na segunda vez que os vídeos são assistidos, enquanto o processo de recarregamento do game e reprodução de cenas subsequentes se torna uma pedra no sapato dos jogadores que, apenas, querem seguir em frente.
Há qualidades na história aqui, e como dito, o charme do passado aparece mantido. Hana e Rain, principalmente, roubam a cena quanto estão em evidência, com alguns diálogos interessantes e cenas cheias de personalidade. Ponto positivo, ainda, para o fato de a trama ter deixado de lado a hiperssexualização do original, reduzindo a carga nas cenas de pele à mostra “just because”, com exceção de algumas poucas artes conceituais, e ampliando o foco na força das protagonistas como líderes de uma equipe de mercenários em busca de fortuna e objetos mágicos.
Entra aqui, porém, o caráter meio brega do roteiro, que coloca as duas em um estado de flerte constante. Ao contrário do que acontecia no passado, Hana e Rain agora são, efetivamente, um casal, o que acaba gerando uma estranha e constante tensão sexual entre as duas. Para cada linha de diálogo interessante, há uma frase de duplo sentido.
Hana e Rain roubam a cena sempre que aparecem, com cenas cheias de personalidade e sem a hiperssexualização vista nos jogos anteriores da franquia.
Fora disso, a trama que fala sobre a busca por poder a partir de artefatos inuítes acaba nos levando da França à Groelândia, mas é contada em pequenos fragmentos. Na maior parte do tempo, a vontade é de passar o mais rápido possível pelas cenas descerebradas de ação e tiroteio para chegar logo à próxima cutscene, onde está a grande força visual do título e também aquilo que realmente importa.
Ao revelar Fear Effect Sedna, a Square Enix deixou clara sua intenção – reviver a franquia clássica. Entretanto, tomou a esquisita decisão de lançar o novo game antes do anterior, que receberá um remake em breve. A escolha se torna ainda pior quando se leva em conta a qualidade do título, que está bem abaixo da original e, acima de tudo, não representa suas origens de maneira alguma – a não ser no clima de futuro com misticismo e na pegada visual e de enredo.
Infelizmente, não é disso que a experiência com Fear Effect Sedna é composta. Durante a maior parte do tempo, estaremos diante de um jogo lento e com mecânicas desinteressantes, que até tenta aplicar a estratégia, sem sucesso, não sendo feliz também enquanto jogo de ação. No pior de tudo, dá para ter a noção clara de que tudo seria melhor mesmo se fossem adotados os controles tanques e travados do passado.
Hana, Rain e seus parceiros mereciam mais, muito mais. Para os fãs e saudosistas, agora, resta a esperança de que o remake do primeiro jogo da série seja suficiente para levar a franquia adiante e consertar esse estrago. De Fear Effect, aqui, temos apenas a capa, mas não o conteúdo.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Square Enix.