Jogar o quinto e derradeiro capítulo de Batman: The Enemy Within é quase como experimentar um jogo com enredo completamente destacado daquilo que veio antes. Se a primeira metade dessa temporada foi marcada pelas interações bizarras entre personagens, reproduções esquisitas de vilões conhecidos e, principalmente, muita enrolação, o episódio final conta a história que muitos estavam esperando, quase representando um retorno da Telltale à velha forma.
O título, “A Última Risada”, não esconde nada de ninguém – o que vemos, aqui, é o primeiro ato do Coringa, o principal vilão do Homem-Morcego. É um ensejo que já vinha sendo desenhado desde a primeira temporada e que, agora, chega a seu ápice, fazendo bom uso do potencial narrativo que é a marca de sua desenvolvedora.
Com ares de “A Piada Mortal” e um pouco do filme “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, a Telltale cria um vilão que é, ao mesmo tempo, o velho conhecido do público mas também uma novidade na franquia. Dessa mesma forma, vêm decisões de roteiro que caminham para o mal e para o bem.
O último capítulo de Batman: The Enemy Within ajuda a terminar uma temporada problemática com saldo positivo, mas sem apagar o gosto amargo deixado pelos capítulos anteriores.
De um lado, está o sadismo de um palhaço que não tem problema algum em brincar com sentimentos e situações, o que inclui até mesmo a Arlequina, a quem declara seu amor a todo o momento. Um momento crucial envolvendo o Comissário Gordon, por exemplo, é prova disso e também, da sabedoria da Telltale em usar as referências ao próprio favor, desenhando um ensejo que pode até ser conhecido para, na sequência, surpreender.
O que vemos em “A Última Risada” é aquele Coringa plenamente reconhecível, fruto das circunstâncias e atos diretos do herói – e, sendo assim, também do jogador, que compartilha essa origem e, também, o questionamento do Morcego em relação à sua posição como paladino. Por outro lado, a motivação do Palhaço não é necessariamente das melhores, principalmente, diante de um legado gigantesco criado por décadas de quadrinhos, filmes e, acima de tudo, idolatria.
No capítulo, vem a resposta para uma pergunta que vinha sendo feita desde a temporada passada – afinal, o Coringa, até então chamado de João Ninguém, está manipulando a tudo e a todos em prol de um desígnio próprio? Infelizmente, não é o caso, e o discurso do vilão, muitas vezes, soa mais como o de um ex-namorado adolescente que não aceita bem o término traumático de um relacionamento.
Provando efetivamente ser um João Ninguém, o Coringa baseia seus atos lunáticos na ideia de que Bruce Wayne traiu sua amizade e o usou para entrar disfarçado no grupo de vilões. O confronto final entre os dois, bem ao estilo do Palhaço, é empolgante e emocionante, menos quando o vilão começa com suas birras relacionadas à quebra de confiança. São momentos de esvaziamento do personagem cuja aparição, finalmente, deveria representar o grande momento da temporada.
Não que não seja, pois como dito, o capítulo final é interessante e apresenta bom ritmo, a ponto até de não parecer parte da mesma série. Entretanto, o que veio antes é realmente ruim, o que faz com que a conclusão dos fatos pareça melhor na comparação. É, sim, um desfecho que termina Batman: The Enemy Within com saldo positivo, mas ainda mantém um gostinho amargo na boca.
Além dos atos do Coringa em si, outros elementos aparecem aqui e ali para nos lembrar que estamos falando de uma aventura aquém do personagem que tenta representar. É o caso, por exemplo, de um pífio jogo de confiança entre Wayne e a Mulher-Gato e de interações um tanto esquisitas com a filha de Lucius Fox, algo que, esperamos, resulte em alguma coisa na inevitável terceira temporada de Batman: The Enemy Within.
Se você leu está análise até aqui e está achando os comentários um tanto estranhos, é porque não seguiu, necessariamente, o mesmo caminho que eu durante a aventura. E em mais uma mudança que destaca este último capítulo dos outros, e de boa parte do legado recente da Telltale, neste game, suas escolhas, finalmente, significam alguma coisa. E dependendo do caminho seguido nos quatro capítulos anteriores, você observará um episódio completamente diferente – mas não menos amargoso.
Ainda temos, sim, a criação de um dos vilões mais icônicos, mas ela acontece após uma parceria bizarra como a que vínhamos criticando desde o começo da temporada. Se era estranho ver Bruce Wayne efetuando atos criminosos ao lado dos vilões em prol de um bem maior, ver o Batman efetivamente lutando ao lado do Coringa é ainda mais surreal.
As escolhas finalmente operam mudanças e são responsáveis por criar o Coringa. Elas, porém, podem levar a um desfecho sem sentido algum.
Mais uma vez, a resposta para a pergunta que rondava a relação entre os dois personagens passa longe de ser interessante. Se de um lado temos um Coringa que não aceita o fim do relacionamento com Bruce Wayne, de outro temos um que abraça a amizade com Batman completamente, a ponto de trair até mesmo a Arlequina para preservar isso.
Ver o Palhaço como um vigilante, lado a lado com o Homem-Morcego e sendo protegido por ele em prol de uma amizade, no mínimo, é esquisito. Por um lado, é interessante ver o Batman efetivamente se voltando contra a Agência, mas por outro, soa estranha a deturpação na personalidade de um herói que sempre segue pelo caminho dos justos, independente do que isso significa, mas que, aqui, aparece lutando lado a lado com aquilo que sempre combateu.
Os relativismos que a Telltale tenta levar em conta para justificar tal parceria não funcionam bem, afinal de contas, estamos falando de um psicopata descontrolado. Tanto que, no final, João Ninguém efetivamente se transforma efetivamente no Coringa, para surpresa de ninguém a não ser do próprio Batman.
Se no caminho oposto, apenas a figura do Palhaço era enfraquecida, aqui, ela leva junto a do próprio herói. Pode-se argumentar que uma amizade efetivamente foi formada ali, agora gerando frutos. Entretanto, tanto nós quanto Wayne vimos o que o Coringa fez ao longo de duas temporadas e, sendo assim, tanta lealdade a um maníaco instável soa, no mínimo, esquisita. O Morcego até demonstra certo incômodo com as atitudes do parceiro (um reflexo da reação do próprio jogador, talvez?), mas sua inação nesse sentido beira o ridículo.
Una a essas falhas de roteiro e representação o retorno de problemas técnicos do passado. Em momentos de mais ação ou com muitos personagens na tela, é possível perceber quedas na taxa de quadros por segundo, que muitas vezes transformam o capítulo em uma apresentação de slides.
Se a primeira metade da temporada foi marcada pelas interações bizarras entre personagens e muita enrolação, o episódio final conta a história que muitos esperavam.
Além disso, em nossa análise, simplesmente não foi possível executar o capítulo com legendas em português. No modelo original do PlayStation 4, e mesmo após duas reinstalações, o game travava sempre que pedia por uma “atualização de idioma” para que a localização para nossa linguagem fosse aplicada. O jeito foi jogar em inglês.
Batman: The Enemy Within termina, ao mesmo tempo, com uma sensação de desesperança. Se a temporada começou com um Batman fortalecido, agora, temos, novamente, um Bruce Wayne fragilizado, que precisa enfrentar diretamente as consequências de sua transformação em um herói. A escolha derradeira ainda dará pano para manga, assim como, esperamos, outras pontas abertas deixadas pela Telltale.
Fica, entretanto, a dúvida quanto a esse retorno efetivo, uma vez que o fôlego parece estar faltando mesmo para a companhia. Na medida em que a temporada ia passando, o foco na divulgação do título ia sendo reduzido, dando a entender que a aceitação de Batman: The Enemy Within não andava tão boa assim. As decisões equivocadas de roteiro, com certeza, contribuíram muito para isso, por mais que, em seu final, as coisas tenham se acertado mais ou menos.
O dano já está feito, assim como as alianças erradas e as decisões dramáticas levaram à gênese do Coringa, à criação do Batman e, acima de tudo, à berlinda em que Bruce Wayne se encontra. O foco, como sempre, deve continuar a permanecer mais sobre a pessoa do que sobre o herói. Resta, porém, saber se a audiência também permanecerá, a ponto de justificar a continuidade dessa saga.
O game foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Warner Games.